• Por Rubens Nóbrega
Contam por aí que certa figura morreu e foi morar em outro plano do Universo. Antes de decidir onde ficar, porque julgava estar ao seu talante e disposição o lugar para fruir a quietude eterna, o sujeito avisou que optaria por quem lhe tratasse com mais salamaleques e mordomias.
Com esse espírito (sem trocadilhos), o cara foi bater inicialmente na porta de cima, sendo atendido por um velhinho que entre sisudo e resmungão travou com o ‘visitante’ o seguinte diálogo:
– Quem és? O que queres?
– Sou Fulano e quero entrar pra ver como é.
– Momento…
O recepcionista, de nome Pedro (foi o que deu pra ler no crachá), pegou uma relação bem extensa de nomes, arriou os óculos que trazia à testa, leu, leu, leu, olhou para o estranho e disse:
– Tô encontrando teu nome aqui não. Momentinho, que vou tentar no computador…
Lentamente, o velho pegou, abriu e ligou um notebook que mais parecia uma valise 007, fixou-se na tela do bicho por alguns minutos e ao final tratou de explicar:
– Disseram que tinham botado um Jampa Digital por aqui, mas, pelo visto, foi propaganda enganosa. Ou será que botaram e o troço é que não funciona? – perguntou, dirigindo-se ao interessado, que a essa altura parecia espumar de raiva e impaciência.
– Olha, de qualquer forma, se o seu nome estivesse na minha lista eu já teria encontrado. E lembraria logo de você, considerando tudo o que você fez por lá. Acho melhor, portanto, você bater noutra porta. Nas profundezas, talvez.
O Fulano saiu fumaçando e foi direto para o endereço indicado. Foi recebido por um chifrudo cuspidor de fogo que usava um birô num hall onde era possível ver braseiros pelo chão, por todos os lados. Sobre a mesa, uma plaquinha dizia que o funcionário se chamava Sicrano de Tal, Assessor.
A conversa entre recepcionista e recepcionado deu-se mais ou menos assim:
– Quem és? O que queres?
– Sou Fulano. Diga ao seu chefe que estou aqui.
– Eita! Peraí… Quer dizer que você é… Não brinca? Rapaz, a gente tava te esperando, só não contava que você aparecesse assim, tão cedo, de repente.
– Como assim? Que história é essa que vocês já estavam me esperando?
– Oxe! Claro, amigo. Quando a gente percebe um dos nossos lá por baixo, a gente passa a acompanhar de perto. Chega junto, dá conselho… A pessoa não percebe, mas a gente está no pedaço, positivo e operante.
– Olhe aqui, companheiro, acho bom encerrar o papo por aqui e você me chamar logo a autoridade. Não tenho que ficar aqui de conversa com subalternos. Tenho que tratar com alguém do meu nível.
– Que assim seja, camarada. Vou ver se o Chefe pode lhe atender agora.
Meia hora depois, o assessor retorna à sala de espera e anuncia:
– Chefia vai te receber agora. Por aqui, faz favor.
No caminho até o gabinete do manda-brasa, o candidato a noviço vai se deslumbrando com o luxo das instalações. E só desperta do deslumbre quando se vê diante do Chefão, que deixa muito claro estar abrindo uma exceção àquela audiência não agendada. E explica a razão:
– Temos um amigo comum que ainda permanece lá por baixo, cuidando de novas adesões a nossa causa. Mantivemos contato telepático há pouco e ele me avisou que você estaria chegando. Pediu-me para arrumar uma vaguinha aqui pra você. Mas isso é coisa que só resolvo depois de discutir o assunto com o meu staff.
– Quer dizer que não sou bom o suficiente pra merecer um lugar entre vocês? – quis saber o suplicante.
– Você é qualificadíssimo. Até mais do que muitos que estão aqui há algum tempo. A questão não é essa. O problema é que preciso mesmo conversar com os meus auxiliares sobre se devemos hospedar ou não alguém como você.
– Por que, amado Chefe, o que fiz de tão grave para ser tratado dessa forma?
– Ora, você não é aquele que perseguiu, tirou o sustento e o sossego de um bocado de gente? Você não é aquele que prometeu mundos e fundos e depois que pegou a boquinha se fez de esquecido, negando todas as promessas? Você não é aquele que mentiu, manipulou, enganou, traiu e descartou quem não se dobrou às suas vontades e vaidades?
– Desculpe-me, admirável Chefe, mas se o senhor for ficar falando tudo o que eu fiz essa conversa nunca vai acabar. Poderia ser mais objetivo, por favor.
– Ok. Está bem. Volte para a recepção e aguarde que vou chamar minha equipe para uma reunião de emergência e decidir o que fazer.
Meia hora depois, o assessor com quem mantivera o contato inicial aparece na frente do aflito com um saco de carvão, outro de lenha, dois litros de gasolina e uma palavra final:
– Tome, pegue e vá fazer o seu inferno bem longe de nós. Depois de analisar sua ficha direitinho, o pessoal lá de dentro resolveu que não quer concorrência. Então, amigo, pegue descendo.
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Não se alegrem nem se animem, caríssimos leitoras e leitores, porque é só uma historinha da criativa lavra de Ronaldo Cruz. Além do mais, devo avisar que qualquer coincidência com pessoas vivas ou muito vivas é mera semelhança.
- Publicada originalmente no Jornal da Paraíba, edição de 26 de junho de 2012.
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2 Respostas para Concorrente forte
Estou admirado com essa estória!!! Em vários momentos cheguei a imaginar quem seria, inclusive em várias partes do diálogo, senti o jeito de falar parecido com um sujeito que ainda encontra-se perturbando a nossa paz!!!
KKKKKKKKKKKK. Nota 10 pra HISTORINHA. Lá no inferno , só cabe um CÂO.