Sarmento desafia quem tenta desqualificar seu relato sobre problemas na Transposição

Francisco Sarmento (Foto: Arquivo/Correio da Paraíba)

Ele reconhece publicamente que está errado se for suspenso imediatamente o racionamento de Campina Grande, já que Boqueirão ainda tem volume suficiente para abastecer a cidade por no mínimo três meses e bem antes disso, segundo os detratores de Sarmento, a água do Rio São Francisco chega às torneiras dos campinenses.

Em carta ao blog, o Professor Francisco Sarmento desafiou hoje (25) os que tentam desqualificar seu relato sobre precariedades da Transposição do Rio São Francisco que podem atrasar a chegada da água transposta ao açude de Boqueirão. O desafio: reconhece publicamente como legítima a desqualificação se for suspenso imediatamente o racionamento em Campina Grande, vez que os seus detratores garantem estar tudo bem e até marcam data (15 de abril) para normalizar o abastecimento da cidade.

“Afinal, se tudo está bem e se, no caso de Campina Grande, a água chegará em 15 de abril, como os mesmos declaram, por que fazer perdurar, para mais de meio milhão de pessoas, os malefícios de um racionamento tão severo, se o Açude de Boqueirão, também segundo os mesmos, armazena ainda 13 milhões de m³, volume suficiente para abastecer a cidade por pelo menos três meses?”, questiona Sarmento, ex-secretário estadual de Recursos Hídricos e um dos mais conceituados especialistas da área em que atua como engenheiro e Professor Doutor da UFPB.

O desafio de Sarmento, contido no desabafo reproduzido a seguir, veio em resposta às reações de quem procura descontruir a veracidade das suas constatações e alertas publicados neste blog na última segunda-feira (20) sobre problemas em equipamentos, barragens e canais da Transposição a partir da Estação de Bombeamento 5 (EBV 5). Entre outras consequências de tais problemas, vê-se a redução para pouco mais de 300 litros por segundo da vazão que chega a Monteiro, quando a promessa era de no mínimo 6 mil litros por segundo. Com volume tão reduzido, a água não tem força para engrossar a corrente do Rio Paraíba ao ponto de fazê-la chegar ao açude de Boqueirão nos prazos anunciados por autoridades estaduais e federais.

A carta de Sarmento

Caro jornalista Rubens Nóbrega,

Sou brasileiro, paraibano, sertanejo. Nasci no lugar social comum a essas origens. Sei o que é sede e fome, mas tive a oportunidade de estudar, sempre em escola pública. Fiz mestrado e doutorado em Engenharia de Recursos Hídricos, e sinto profundo regozijo espiritual ao poder aplicar o que aprendi.

A primeira vez que ouvi falar da transposição do rio São Francisco, aos cinco anos de idade, foi em uma discussão familiar, quando se decidia se o trio pai, mãe e filho seguiria ou não o chamado governamental de povoar a Amazônia com nordestinos. A decisão de permanecer veio de meu pai que, acreditando que o Sr. Mario Andreazza conseguiria cumprir a promessa de realizar a transposição e livrar aquele agricultor da dureza do convívio desigual com a seca. A ditadura militar experimentava seus anos de milagre econômico e era difícil não acreditar naquilo. Ficamos.

No fim dos anos 1970, viemos para João Pessoa, onde cursei Engenharia Civil na UFPB. O tempo passou e, por alguma dessas inexplicáveis coincidências, em 1994, o engenheiro civil potiguar Rômulo de Macedo Vieira, designado pelo então Ministro da Integração Regional Aloísio Alves para coordenar os projetos de engenharia da transposição, convidou-me para elaborar, em parceira com outros colegas, os estudos voltados à justificação da quantidade de água que deveria ser trazida do Rio São Francisco para o semiárido setentrional, formado por Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Tenho a honra de dizer que dediquei 14 anos da minha vida profissional a esse projeto, tendo recebido, dentre outras missões, a de defender tecnicamente a Transposição nos debates e audiências públicas ao longo dos governos Itamar Franco, FHC e Lula.

No governo Lula, fui convidado pelo saudoso Vice-Presidente José Alencar Gomes da Silva para chefiar a Assessoria Técnica da Vice-Presidência da República, com a missão específica de atuar na viabilização do projeto. Nesse período, os confrontos com os contrários ao projeto se tornaram mais vigorosos, pois estávamos diante da possibilidade concreta de a obra vir a sair do papel.

Ao longo de seis anos (2003 a 2009), vimos os obstáculos que historicamente jaziam contra a obra serem – um a um – vencidos, situação que somente pode se concretizar graças à força e à determinação políticas de um Presidente identificado com o povo e legitimado pelo voto.

Mas isso agora é passado.

Tenho relação passional com esse projeto e afirmo, sem exageros e sem qualquer reivindicação de mérito, que estou entre os que mais desejam ver as águas do Rio São Francisco chegando às nossas torneiras. Mas, há que se fazer uma distinção entre o inegável simbolismo histórico de as águas tão esperadas terem aqui chegado e a solução da crise hídrica.

É justo festejar esse simbolismo, mas sem nos iludirmos. A transposição precisa funcionar em sua plenitude, porque os paraibanos não podem esperar muito tempo. A situação do açude de Boqueirão e tantos outros já citados não permite uma longa espera. Inauguração, apesar de rimar com solução, não garante por fim à extrema crise hídrica que assola a Paraíba.

Não obstante essas evidências, por razões que não consigo entender, a repercussão na imprensa do relato que fiz na última semana incomodou algumas pessoas, que, embora numericamente minoritárias, vêm fomentando intervenções pontuais em veículos de comunicação, tentando desqualificar não apenas o meu relato, como também a minha pessoa.

Não conseguirão.

Ao longo de toda esta semana, recebi mensagens de apoio e reconhecimento, tanto de técnicos envolvidos com a área de Engenharia de Recursos Hídricos como de cidadãos sem proximidade com o assunto. As mensagens vieram de vários estados brasileiros, até de pessoas com quem, em um passado recente, tive acaloradas discussões públicas acerca da transposição.

Afirmo que não será nenhum neo-coronel que irá me envolver no teatro político deformador de temáticas cujo viés é estritamente técnico. Não careço de nenhuma lição sobre como funcionam os obscuros mecanismos motrizes de certas pessoas a quem a verdade não interessa, em particular, quando ela é ofensiva aos que patrocinam o seu exercício de ódio e a sua ocupação em denegrir reputações.

Sei, em meu íntimo: fiz o meu papel, enquanto técnico e cidadão. Apontei os problemas para que as soluções, a quem couber, sejam dadas.

Para os gestores públicos que declararam que o meu relato técnico, publicado pioneiramente por esse blog, é “tecnicamente sem fundamento”, assumo a desqualificação se o racionamento de água de Campina Grande e demais cidades do Cariri, a começar por aquela onde o Eixo Leste deságua – Monteiro – for suspenso imediatamente.

Afinal, se tudo está bem e se, no caso de Campina Grande, a água chegará em 15 de abril, como declaram, por que fazer perdurar, para mais de meio milhão de pessoas os malefícios de racionamento tão severo, se o Açude de Boqueirão, também segundo os mesmos, armazena ainda 13 milhões de m³, volume suficiente para abastecer a cidade por pelo menos três meses?

Gratas saudações.

Francisco J. Sarmento

É BOM ESCLARECER
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11 Respostas para Sarmento desafia quem tenta desqualificar seu relato sobre problemas na Transposição

  1. Amanda Lira escreveu:

    Bom, é só olhar a Internet para vermos que não se fala em outra coisa! Agora está todo mundo tomando providencias!!!!! Mas me respondam uma coisa, por que não tomaram antes????? Que país triste!!! Precisa haver uma denúncia para esses corruptos começarem a trabalhar direito???? Obrigada, professor Sarmento.

  2. Cassio Vasconcelos escreveu:

    Gente, é só pensar com calma, que encontraremos uma situaçao lógica: seria politicamente interessante se esse racionamento de água fosse finalizado, portanto, se ainda no foi, é porque o professor Sarmento está correto, existem sim sérios problemas. Mas como ele mesmo disse, sao problemas solucionáveis. A grande questao de tudo é que, ao invés de criticá-lo, os responsáveis por resolver a situaçao deveriam reconhecer os problemas e resolve-los. Mas sao tao incompetentes que preferem atacar a pessoa do professor Sarmento, que, pelo que percebi, está tentando ajudar e abriu os nossos olhos para a realidade que estava escondida aos leigos. Mas é assim mesmo, é comum vermos que, quando falta competência para argumentar, parte-se para atacar o lado pessoal. Que coisa feia! O que eu acho mesmo é que o Brasil precisa de mais professores Sarmento.

  3. Everton Meireles escreveu:

    Como campinense com família aqui residindo quero exaltar a valorosa contribuição desse professor quando fez seu relato. Olhando a internet depois daquela publicação e a divulgação que alcançou depois de publicado no Blog do Rubão vejo que tanto o Ministério da Integração quanto a AESA daqui da Paraíba se mexeram: consertaram bombas, estão enchendo mais rápido as barragens (pelo menos é o que dizem), a AESA finalmente declarou que mandou técnicos medirem a vazão que tá chegando a Paraíba (vejam o absurdo, nem isso tinham feito) e reafirmam a chegada da água para 15 de abril em Campina Grande. O próprio presidente da Aesa, João Fernandes já reconheceu que o Eixo Leste é uma obra inconclusa (Portal Correio). Ou seja, se o professor não tivesse dado o alerta no último dia 20, estariam todos parados, aliás, como sempre. Por isso o relatório incomodou tanto, no mínimo, além de informar a verdadeira realidade ao povo que vive sendo enganado, BOTOU ESSA CAMBADA PRA TRABALHAR!!!

  4. Ana Marques escreveu:

    Quando as dificuldades e carências da população não são sentidas na sua plenitude por todos e quando falta a compreensão cientifica, estudada e aprimorada com dedicação, profissionalismo e conhecimento ímpar, restam críticas desabonadoras com o objectivo de pôr em causa o conhecimento e a preparação de um profissional qualificado, com mérito reconhecido e dedicação inquestionável à melhoria da qualidade de vida das populações.

  5. Newton Mota escreveu:

    Só se atira pedra em árvore que dá bons frutos. Está aí um belíssimo exemplo. A desqualificação do trabalho técnico de altíssima relevância para o nordeste e o Brasil; e de tudo que o Eminente professor vem externando é de uma monstruosidade cavalar. Um profissional competente, requisitadíssimo, altamente qualificado; um profissional que sabe o que diz e do que está falando, com fundamento científico inclusive.
    É uma pena o que estamos a presenciar. Não podemos admitir que a mediocridade a serviço de fascínoras, adeptos da politicagem miúda e despropositada, venha atacar descabidamente um profissional, que só tem somado aos interesses maiores dos paraibanos e dos nordestinos. Professor, aquele que caminha na direção da luz, não pode enxergar o que acontece nas trevas. Siga em frente, o nordeste e o Brasil precisa muito do seu conhecimento e da sua experiência !

  6. Joaquim Lemos escreveu:

    Faz sentido. Se a água começa a chegar no mês que vem, porque deixar Campina nesse racionamento????? Fui visitar minha irmã que mora lá numa casa e quase saio de lá sem tomar nem banho. Quando deu certo era uma água que você sente na pele que num presta mesmo. Minha mãe, que mora com ela, tá cozinhando feijão com água mineral. Bora gente, acaba logo esse racionamento!!!!

  7. Robério Cardoso escreveu:

    Pessoal, o negócio é ainda pior. Olhei no site a AESA do governo do Estado o volume de água no açude Camalaú nos últimos dias. No dia que a água do São Francisco começou a chegar, no dia 22, era de pouco mais que 3,05 milhões. Hoje, dia 25, tem 3,29 milhões de m3, que ganhou então pela transposição e pela chuva, em dois dias 240 mil m3. É só dividir isso pelos dois dias e dá uma vazão de 1,3 m3/s. Como o rasgo que vai inutilizar temporariamente a barragem ainda não foi terminado, essa água que aumentou só pode ter vindo de alguma chuva e da transposição. Uma água dessa num chega em Campina nem a pau. Tem mais 100 km de leito seco até Boqueirão e muito vai se perder…. QUE SÃO PEDRO MANDE MAIS CHUVA!!!!!

  8. Antonio Carlos Ferreira de Melo escreveu:

    O relatório do Professor Sarmento é incontestável, rico em detalhes técnicos que nos mostram a realidade da situação do ambicioso projeto da transposição. Como técnico do setor agropecuário, rogo a Deus, que apareça o quanto antes, um técnico do gabarito do Dr. Sarmento, para defender ações, e evitar que essas águas que estão sendo prometidas aos produtores do entorno do canal ACAUÃ;-ARAÇAGI,cheguem para irrigação de pelo menos 16.000 ha, tendo em vista que até hoje, ninguém sabe o vai produzir e muito menos recebeu capacitação técnica para o uso racional da água(se ela chegar)

  9. Juliana escreveu:

    É perceptível​ que um desafio dessa natureza só pode ser feito alguém que tem coragem de argumentar com a ciência ao seu lado. Todos nós gostaríamos que o senhor estivesse errado para que de fato a água pudessem matar a sede de quem tanto precisa, entretanto, basta ler com atenção esta e outras matérias para perceber que não se trata de críticas ou ataques pessoais, mas sim críticas a um projeto que difere quando analisado do ponto de vista teórico/prático e que possui uma imensurável contribuição na vida de quem realmente lida com a escassez dos recursos hídricos. É uma pena que essa obra seja tratada com tanta irresponsabilidade depois de tantas pessoas terem dedicado tempo e confiança para sua execução, é repudiante a crise política que prejudica a coletividade ao invés de lutar para e pelo melhor, principalmente para os beneficiários que tanto sonham em ter seus problemas com a falta d’água amenizados.

    • Newton Mota escreveu:

      juliana, concordo plenamente. E atente bem para esse novo absurdo. Nas alcovas palacianas, o que se comenta abertamente é a possibilidade real e efetiva de se taxar as águas da transposição, mesmo sendo água bruta e sem qualquer tratamento.
      Em entrevista recente a um órgão de comunicação da Capital, o Superintendente da AESA, um caririzeiro(Boqueirão), o qual por muito tempo amealhou encabrestados votos, comentou da possibilidade real de se cobrar inclusive a energia gasta com o bombeamento das águas. Note, os interesses são díspares e totalmente conflitante neste momento.

  10. Gabriel escreveu:

    É incrível a clareza e a coerência da carta enviada pelo Professor Francisco Sarmento.
    Quanto as críticas à sua pessoa, isso já é bem comum: quando falta conhecimento técnico no crítico, este passa ao ad hominem. Só que, nesse caso, escolheram uma pessoa idônea e o tiro saiu pela culatra.
    Já passamos do tempo dos coronéis na política, agora é hora de ouvir e servir o povo.

    Meus parabéns, Professor Francisco!
    Conquistou ainda mais admiração entre aqueles que lhe conhecem.