Até o jornalista Sílvio Osias contar que outro dia ficou sem graça ao chamar uma linda mulata de mulata e a linda mulata ter dito que não gostava de ser chamada de mulata, porque a palavra viria de mula, não sabia que tal denominação era considerada ofensiva por alguns e algumas que recorrem à etimologia para repudiá-la e até caracterizá-la como injúria racial.
Mulato não inzoneiro que sou, filho de mãe branca e pai negro, logo manifestei minha solidariedade à linda mulata que não gosta de ser chamada de mulata. Não por concordar com ela, mas por entender que a moça, nossa colega de trabalho, tem todo o direito de ser chamada da forma como gosta, mesmo sabendo que se o nosso cultural Osias a chamou de mulata foi simplesmente para agradar, jamais ofender, muito menos assediar ou qualquer coisa do gênero. O cara, todo mundo sabe, além de bom e competente, é corretíssimo no trato com seus pares e ímpares.
De qualquer modo, tanto este escrevinhador quanto Osias dispõem agora de novo parecer acadêmico que redescobre a origem da palavra mulata e dela retira qualquer eiva de politicamente incorreta. Quem nos socorre é Lita Chastan, autora de ‘Por Que América’, que propõe “nova etimologia para o termo polêmico que recentemente voltou à discussão no país”, conforme publicado no portal Bahia.ba no dia 14 deste mês sob o título ‘Historiadora defende que a palavra mulata não vem de mula’.
A polêmica a que se refere o Bahia.ba renasceu com a decisão de um bloco carnavalesco do Rio de boicotar a música ‘Tropicália’ de Caetano Veloso, amigo de Osias que homenageou “os olhos verdes da mulata” em um verso da canção. E o “antigo compositor baiano” que segundo Belchior nos dizia ser tudo “lindo e maravilhoso” comentou assim o boicote: “Na ‘Aquarela do Brasil’, canção que é globalmente conhecida como ‘Brazil’ – e que é nosso hino não oficial -, o país é chamado de mulato, logo na segunda linha. Meu pai era mulato. Me considero mulato e adoro a palavra”.
Evidente que para Osias e outros velosistas juramentados, se Caetano locuta, causa finita, mas é importante prestarmos atenção no argumento da Doutora Chastan para fundamentar e deslindar o falso dilema mulatiano.
“A palavra mulata poderia ter se originado do termo árabe muwallad (= mestiço de árabe com ‘não árabe’). O homem que ‘garimpou’ essa palavra (muwallad), conhecia, presenciara e presenciava essa mestiçagem, tanto assim, que buscou em sua língua uma definição (registrando e batizando-a), não deixando margem a nenhuma dúvida: muwallad = mestiço de árabe com ‘não árabe’. Esse homem a quem se deve esse registro, tudo indica que poderia ser um árabe do norte da África e que referia-se (inicialmente) ao mestiço do árabe com a negra – a não árabe’, diz ela. E arremata o Bahia.ba:
Após explicar os raptos de mulheres por tribos nômades, Lita Chastan destaca a presença da cultura árabe na formação da língua portuguesa. “Podemos visualizar o árabe atravessando o Estreito de Gibraltar (711 d.C.). Desde então, no decorrer de oito séculos (711–1492), o vocabulário português viu-se enriquecido com centenas de palavras árabes, dentre as quais, por extensão e analogia, mulata”, afirma, no artigo “MULATA, estudo de um caso mal contado”. E completa: “Muwallad (mualad, mulad) = mestiço do árabe com o ‘não árabe’ / Mulata = mestiça do branco com a negra. Concluímos (ainda na década de 1980), na tão querida e saudosa Unitau – cursando história, frente a frente com a História da Península Ibérica, que a palavra mulata é corruptela do termo árabe muwallad (mualad, mulad, mulata)”.
Uma terceira opinião
Ainda sobre a questão, entre as leituras garimpadas em pesquisa no Google, uma me agradou particularmente. Trata-se do artigo ‘Mulata veio de mula? Isso torna a palavra racista?’, publicado na Veja.com em 23 de julho de 2015, na coluna ‘Sobre palavras’, assinada pelo escritor Sérgio Rodrigues. Vejam só a luz que ele traz à desnecessária, embora – não há como negar – interessante polêmica:
É BOM ESCLARECERO tom depreciativo da associação original é indiscutível e facilmente explicável pelo racismo escancarado de uma época escravocrata. O que cabe discutir é se vale a pena condenar o vocábulo por causa disso. Fazê-lo significa manter artificialmente vivo na língua de hoje um parentesco praticamente esquecido, além de ignorar os novos sentidos – alguns deles francamente positivos, como o da exaltação da miscigenação – que foram se colando com o passar do tempo ao termo “mulato(a)”.
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4 Respostas para Para encerrar polêmica, historiadora garante: mulata não vem de mula
Para quem tem dúvidas, basta consultar o dicionário de arabismos da língua portuguesa:
https://books.google.com.br/books?id=LzveAgAAQBAJ&pg=PA666&lpg=PA666&dq=mula+muwallad&source=bl&ots=QhoHEW1gnz&sig=N40FellYwj2TkLyDDF2KThrO9Dk&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwjQgL3P4KLYAhXGkZAKHVb5Bc4Q6AEIUjAK#v=onepage&q=mula%20muwallad&f=false
Somente acho estranho e mais uma vez com certa arrogância que apenas pessoas brancas estejam discutindo o tema e no caso deste escrito com certa ironia. Ou seja mais uma vez, x negrx como objeto.
Decerto só “pessoas brancas estejam discutindo o tema” porque só elas estão sendo acusadas por uma coisa sem sentido ou valor, justamente por gente que não conhece a língua, mas leu em qualquer parte uma definição que não abona a declaração de que mulato é um termo preconceituoso.
A teoria levantada pela ” … Lita Chastan, autora de ‘Por Que América’, que propõe “nova etimologia para o termo polêmico que recentemente voltou à discussão no país”, conforme publicado no portal Bahia.ba no dia 14 deste mês sob o título ‘Historiadora defende que a palavra mulata não vem de mula’ …”, é louvável, até porque, ao visualizarmos a tez do árabe, fica patente a semelhança da cútis de um, árabe, e do(a) outro(a) mulata(o). Sem desmerecer a teoria, evoco, pertinente, a colocação do escritor Sérgio Rodrigues: ” … O que cabe discutir é se vale a pena condenar o vocábulo por causa disso. Fazê-lo significa manter artificialmente vivo na língua de hoje um parentesco praticamente esquecido, além de ignorar os novos sentidos – alguns deles francamente positivos, como o da exaltação da miscigenação – que foram se colando com o passar do tempo ao termo “mulato(a)”.