Meia noite. É preciso escrever. Mudo o horário. Mudo o computador. Mudo a posição. O texto continua mudo.
Lá fora cobradores rangem os dentes. São prazos implacáveis alvoroçando minha falta de inspiração.
Minha mãe inicia a sinfonia dos pires e talheres às cinco da manhã. Anuncia o café forte e o alarido diuturno.
São vozes que cercam e agonizam o teclado até o por do dia.
Procuro refúgios, Thomas Mann, qualquer mágica que digite freneticamente todo o texto que está contido na cabeça.
São apenas velhos truques e desejos frenéticos. Parar tudo e ler um romance. Ou uma tragédia grega.
Outrora marco um mergulho no mar. Catatonia vespertina. Delírios corriqueiros na Praia de Coqueirinho.
Os trinta dias correram pelo ralo. A ampulheta do tempo está cheia de ar…
Na linha de chegada estão todos. Maridos, mulheres, filhos, minha mãe com o pires na mão, meu pai na torcida por qualquer resultado, o futuro e o carnaval.
O verdugo de minha sorte sorri para mim.
Meio dia. O texto ainda me espera neste quarto quente e repleto de passado.
Parece que todos me olham, esperam por mim. Os doutores, os sobrinhos, desconhecidos de Shanghai, quase toda a família. O mundo inteiro está aqui à espera das duzentas páginas inexistentes e retorquidas.
O texto sabe imolar o sujeito. Sacrifica inocentes. Refluxos e mais refluxos, arrependimentos, lembranças das rotas alteradas, caminhos de fuga.
O texto não espera poemas, não coaduna com correntes literárias, não aceita jocosidades.
Ao contrário, é burocrático, infame, prolixo.
Assassino de poetas primários lacônicos, o texto há de cumprir o seu ideal.
- (Texto de Lauro Pires Xavier Neto)
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.
Uma resposta para Insônia literária
Texto maravilhoso!