PRAIA FECHADA X SHOPPING ABERTO

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Foto copiada de 2.bp.blogspot.com

Desde ontem tento entender porque decretos de governador e prefeitos para conter e covid fecham praias e mantêm shoppings abertos. Desisti de pedir explicações oficiais depois de me convencer que seriam as mesmas de infectologistas com os quais marquei consulta no Google.

Não apenas me convenci como aceitei em parte, em boa parte, que praia aberta favorece aglomeração que ajuda a contaminar tanto quem lá vende comida e bebida quanto quem vai para comer, beber, só tomar banho de sol e de mar ou apenas ficar na areia contemplando a paisagem.

Na minha cabeça, por ser ambiente a céu aberto – super, mega, hiper aberto – e de muito arejo inimigo de vírus, a praia seria lugar mais seguro para quem tem na praia sua única alternativa de lazer acessível, barato. Ou de sustento para os que lá trabalham, vendendo de cremosin a amendoim.

Já os shoppings… Reza a lenda que seguem rigidamente – e impõem a seus frequentadores – obediência aos protocolos sanitários de máscara a 100 por cento e álcool a 70. Tal cobrança, convenhamos, é praticamente impossível ser feita a banhistas e veranistas. 

Outra lenda garante que shopping só lota 50 por cento de sua capacidade e apenas 30 por cento das mesas das praças de alimentação podem ser ocupadas. É, pode ser. Mas eu disse há pouco que aceitei apenas em parte, em boa parte, as explicações de especialistas e autoridades?

Pois é, só não fecho totalmente com a tese tanto do povo sabido como do povo esperto porque Potinho de Veneno, com quem conversei sobre o assunto, deixou-me um caminhão de pulgas nas orelhas. “Amigo, o rapaz do amendoim não tem o celular dos caras”, disse ele.

FESTA E LUTA, por Ana Lia Almeida

O Fora Bolsonaro levou milhares às ruas em todo o país. No Rio, protesto com distanciamento (Foto: Rede Brasil Atual)

Dia de festa no buzú. O aniversariante em pé no meio do corredor, todo contente, arrodeado de um bocado de amigos identificados por chapeuzinhos de papel. Uma garotinha vinha sentada, carregando o bolo no colo; dois rapazes serviam o refrigerante que trouxeram no isopor a todo mundo do ônibus, e outro distribuía sacos de pipoca – uma festa completa. Já estava tudo preparado quando passaram pela parada em que o menino subiu e cantaram os parabéns assim que ele passou pela catraca, os passageiros todos acompanhando em coro.

Rita estava perto do motorista, um pouco distante do núcleo da comemoração, que se concentrava na metade do ônibus. Ambas as mãos ocupadas com o refrigerante e a pipoca, se segurando como podia nas barras de ferro, as ancas apoiadas no encosto do banco. Se ela queria bolo? Claro que sim. Tratou de comer ligeiro a pipoca para desocupar uma das mãos e receber logo o seu pedaço, que o bolo até era grande, mas o ônibus como sempre estava cheio e ninguém queria perder um lanchinho bom daqueles.

“Ah, eu adoro aniversário!”, comentou o rapaz que lhe passou o bolo. Uma senhora ali perto respondeu: “É porque você é novo. Já eu não gosto nadinha, que graça tem ficar mais velha todo ano? Prefiro me esconder nessa data e não dou conversa a ninguém, para não virem atrás de saber da minha idade que nem eu sei direito mais”. Rita achou graça no resmungado da senhora porque ela também andava perdendo as contas da própria idade, depois dos trinta havia dado para esquecer. E já que se esquecia mesmo, aproveitava geralmente para arredondar bastante para baixo; já ia pelos quarenta e sete, mas prestava conta, no máximo, dos quarenta e dois.

Pensava nisso tudo entre um gole e outro de refrigerante quando, num solavanco do ônibus, todo o líquido derramou-se no vestido da senhora resmungona. A mulher, mesmo reclamando, aceitou as desculpas de Rita e aproveitou para falar mal da carreata que parou o trânsito de repente, sacudindo todo mundo dentro do ônibus. “Esses vagabundos atrapalhando o trânsito, infernizando a vida do cidadão de bem. Maldito protesto! Coitado do Presidente, um homem tão bom!”

Rita procurou uma janela para ver melhor aquelas pessoas de máscara nos carros e nas ruas, segurando cartazes e bandeiras em defesa do SUS e da vacina, pelo aumento do auxílio emergencial, e, principalmente, contra o Presidente. A turma do aniversariante começou a apoiar a manifestação com palavras de ordem lançadas para a rua pelas janelas do ônibus. A senhora reclamona começou uma discussão com o garoto que servira os refrigerantes. A confusão foi aumentando, um passageiro deu um soco no outro e Rita achou melhor descer do ônibus.

Ainda se recuperando do susto, sentou-se no banco de uma praça e ficou um tempo vendo o protesto passar. Os carros enfeitados, frases escritas de batom sobre as vidraças, cartazes pregados nas portas, bandeiras tremulando ao vento. Motoqueiros, ciclistas, pessoas a pé em pequenos grupos. Três manifestantes passaram por ela caminhando e ofereceram-lhe uma máscara que ela aceitou com um sorriso. Ao dar-se conta de sorrir, reparou que perdera a sua máscara na confusão dentro do ônibus. “Fora Bolsonaro”, estava estampado na nova máscara de Rita, com a qual ela seguiu adiante em mais um dia de luta.

PAPAI NOEL ONLINE, por Ana Lia Almeida

(imagem do blogconverse.com, de Flávia Barbieri)

“Querido Papai Noel, esse ano eu quero um monte de presentes porque fui muito boazinha. Não fui no shopping, nem na praia, nem pra canto nenhum; eu também não quero nunca mais ir pras aulas online”.

Meu whatsapp agora está lotado de mensagens como essa. Como é que se responde a isso, meu Deus do céu? Não sei por que cargas d’água inventei de trabalhar de Papai Noel no meio da doidice dessa pandemia.

Bem que a psicóloga disse, no curso online da Escola de Papai Noel, que receberíamos pedidos estranhos e tínhamos de estar preparados para os desejos pouco convencionais das crianças esse ano.

Uma me pediu máscaras de presente, mais nada, disse que a dela estava frouxa e ela vivia com medo por causa disso. Várias pedem a cura para o coronavírus junto com os presentes. Teve um menino que foi direto ao assunto em sua carta de linha única: “Oi, Papai Noel, quero a vacina e um X-box”.

Pelo menos com as mensagens eu tenho algum tempo para pensar e posso pedir ajuda. Difícil mesmo é nas sessões online, quando as crianças pedem essas coisas e eu tenho que responder ali, na lata; ou então tenho de vê-las chorando por não ganhar um abraço. Ainda assim, prefiro esse contato do que o contato nenhum das lives ou das gravações do totem, horas e horas no estúdio fingindo interagir com as crianças.

O pior de tudo é que, mesmo com todo mundo morrendo de novo, o povo não para de lotar o shopping. Querem morrer comprando, agarrados aos produtos. Coisa mais esquisita esse tempo. E olha que eu já vi de tudo com esses 65 anos nas costas.

  • • Imagem que ilustra a crônica é do blogconverse.com, de Flávia Barbieri