O REGRESSO, por Frutuoso Chaves

Imagem: cmm.com.pt

Voltou de surpresa. Parou à beira da estrada no lugar, exatamente, de onde podia de melhor modo observar a cidadezinha espichada no fundo do vale. O rio magro como boi em pasto seco refletia em uns ticos d’água os raios do sol que então quase já se punha.

Visto assim de longe, tudo lhe parecia como antes. A torre da igreja tinha a mesma cor desbotada e as duas linhas de coqueiros ainda emolduravam aquela trilha que tantas vezes o conduzira aos afagos da primeira namorada.

E lá estava ela, a casa esverdeada com pátio de cajus, mangas e umbus, no mesmo sítio que, de um ponto também elevado, se mostrava por inteiro a quem reparasse o outro lado do vale.

Enfim, lá estavam ele, suas emoções, o rio que em tempos de cheia banhava os quintais, as fachadas e telhados de ruas tão conhecidas e, do lado oposto ao seu, no topo daquela colina, o coqueiral e a varanda onde sonhou com o término dos estudos, o primeiro emprego, o altar e a filharada. Tudo, num mesmo quadro, na moldura, agora, do seu coração em brasas.

Enxugou umas poucas lágrimas, recompôs-se, voltou ao carro e desceu em busca da casa paterna onde entraria sem aviso e de onde havia saído, também, de supetão, oito anos atrás. Fizera a viagem desde o Recife por carro alugado em razão do pacote contratado com a agência situada perto do seu endereço, no Canadá, o destino da fuga de oito anos.

Tão longe de casa, trabalhou como um condenado. Ali chegara sem eira nem beira e ali resolvera ficar, depois de comunicar este propósito ao participante da sua expedição turística de quem se fizera mais próximo. Anos seguidos de amargura até a regularização dos papéis e a instalação da pequena empresa por ele criada para o fabrico de bancos de jardins.

Resistiu ao desencanto, à saudade e venceu. Não deixou de pensar, enquanto atravessava o rio pela velha ponte, na inveja que seu êxito causaria às famílias mais abastadas do lugar de suas origens.

Foi Guilherme, um dos amigos de infância, o primeiro a reconhecê-lo, mal estacionou para uma água de coco, antes de cruzar o portão de casa, duas ruas depois. O primeiro e os outros abraços tiveram força e calor à altura das grandes saudades. Demorou-se na pequena lanchonete mais do que deveria e a notícia do seu retorno, endinheirado, chegou aos ouvidos paternos antes dele.

O aborrecimento logo cedeu vez ao alívio. Pensando bem, a surpresa talvez matasse pai e mãe, ambos em idade na qual sempre será prudente se evitar grandes choques. Além disso, o que mais agoniava aqueles dois e, não menos, a irmã cujos filhos ainda não conhecia, era sua demora na lanchonete. Achara pouco o sumiço de oito anos? Já em casa, teve a impressão de que não sobreviveria a tanto chamego do seu pessoal e da vizinhança que dele também se acercava.

Presentes para todo mundo, avisos aos que, porventura, ainda não soubessem do seu regresso e, então, a recomendação a Tereza, dona do salãozinho de festas, para um jantar a capricho, a que não faltassem boa música, bufê bem farto e muita bebida. Ninguém, jamais, em tempo algum, tanto quanto ele, impressionaria aquela cidadezinha. Pelo menos, era este o propósito.

Hora da festa, circulou por todo o ambiente, de mesa em mesa, apertando mãos, ou distribuindo beijos e abraços entre as pessoas mais íntimas. Em nenhum momento, deixou de temer que notassem seu coração aos pinotes, seu olhar na busca ansiosa de quem tanto queria rever.

Já desanimava quando a viu ao fundo, acompanhada dos pais e outros parentes. Risonho, aproximou-se do pequeno grupo. Como a cidade, ela pouco havia mudado. Ali estavam, finalmente, diante de si aqueles cabelos castanhos, a mesma boca e os mesmíssimos olhos. Quantas vezes aquela imagem não lhe aqueceu o peito nas noites canadenses feitas de gelo e de ausências.

Enquanto se erguia para o abraço há tanto esperado, ela apresentou o marido. Sua vista escureceu, o sangue gelou e ele, a fazer das tripas coração, disfarçou o choque o quanto pôde.

Demorou-se na terra natal pouquíssimo tempo. Um avião logo o teve de volta a suas noites geladas. Mas a festa foi motivo da conversa de um povo inteiro por dias e dias. Isso e a história de que alguém o vira, no banheiro, a chorar como um desgraçado.

Antes que eu me esqueça, algumas más línguas também passaram a comentar que a velha empregada da moça cansou de vê-la aos prantos na casinha verde dos pais, templo de tantas memórias.

SEGUNDA-FEIRA DE CINZAS, por José Mário Espínola

Foto: Ricardo Stuckert

Amanhã, vai ser outro dia
Amanhã, vai ser outro dia…
(Apesar de Você – Chico Buarque)

“Acabou! Acabou!” Esses são os gritos que a gente costuma ouvir nas finais de campeonato, quando já estão chegando ao fim os acréscimos de tempo e o árbitro ainda não apitou o fim da prorrogação.

A torcida está prestes a invadir o gramado para comemorar, enrolada nas bandeiras do nosso time, que lutou bravamente até o fim de um campeonato atípico, superando todo tipo de catimba do adversário, que jogou o tempo todo de forma desleal, criando todos os tipos possíveis de obstáculos. Mas a gente acabou vencendo!

Aos torcedores da equipe derrotada cabe o sábio conselho do professor Genival Veloso: enrolar a bandeira, e esperar o próximo campeonato. Essa é a atitude democrática correta.

Esta segunda-feira será a festa da redenção. Será como uma verdadeira quarta-feira de cinzas, na qual vai passar nessa avenida um samba popular, cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar, num desfile pós-carnaval dos blocos que foram impedidos de ganhar as ruas, já que a verdadeira festa da democracia foi usurpada por esses quatro anos.

Amanheceremos revigorados para mais um ano e uma vida nova, após a noite escura que durou quatro anos, com nuvens plúmbeas cobrindo o céu do Brasil, a atmosfera tóxica, qual filme de Blade Runner, tendo envenenado quase toda a sociedade brasileira.

Foi um mau carnaval, que durou não apenas quatro dias, mas quatro anos, o Brasil assistindo a passarela ser invadida por um único bloco, que tomou conta do país de forma egoísta e irresponsável.

Seu mestre-sala, em vez de um elegante fraque e cartola, trajava farda, e estranhamente portava uma bandeira de navio pirata, com ossos e caveiras, revelando a índole ruim do bloco. Foi desse jeito que eles se apossaram do nosso carnaval, como fariam mais tarde com o nosso Dia da Pátria.

Nesta segunda-feira vamos comemorar. Pois nossa gente voltou a sorrir, nosso povo será amistoso de novo, irmãos voltarão a se falar, os pais voltarão a beijar seus filhos. Vizinhos se cumprimentarão sem baixar a vista, mesmo que ainda um pouco encabulados. Namorados se reconciliarão.

E todos cantarão com Beth Carvalho, o refrão da música ‘Esse é o Botafogo que eu Gosto’:

Tanto tempo esperando esse momento, meu Deus
Deixa eu festejar que eu mereço

A eleição deste domingo abrirá um novo tempo onde vamos sobreviver, como diz Ivan Lins na sua canção Novo Tempo:

No novo tempo, apesar dos perigos
De todos pecados, de todos enganos, estamos marcados
Pra sobreviver, pra sobreviver

E aos poucos o povo brasileiro voltará à normalidade plena, respirando aliviado, pois a democracia foi salva.

Numa segunda-feira atípica, o Brasil emergirá das cinzas, qual uma bela fênix auriverde.

MONGA ONLINE, por Ana Lia Almeida

(Foto: Madriana Nóbrega)

Sem a querida Festa das Neves, até a Monga precisou se adaptar. Providenciou logo um post para o Instagram, devidamente replicado no Facebook, no Whatsapp e no Twitter: “Prepare seu coração: vem aí a Monga online!”.

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