O debate promovido em ambiente virtual no último dia 5 pelo Seampo – Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB, trouxe, desde o título e na exposição dos debatedores, dois conceitos e, mais que isso, duas propostas, duas realidades nucleares para a Universidade pública, ou seja, autonomia e democracia.
Permitam-me lembrar a origem grega dos dois termos. Autós, próprio; nomia, normas, regras, leis. Autonomia, conforme os dicionários, é a capacidade de governar-se pelos próprios meios. Demos, povo; cracia, governo. Ou seja, governo do povo. A etimologia aponta a direção a seguir, para usar esses conceitos. É claro que não esgota a realidade.
A lei maior do Brasil, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 207, prescreveu explicitamente. Cito: “As Universidades gozam de autonomia didático-pedagógica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
A Constituição, pelo fato de ser deliberativa, não explicita todas as consequências do conteúdo legal. A autonomia universitária é, pois, uma conquista legal, que vem se aprimorando, com momentos de dificuldades, para o seu exercício, especialmente com o atual Governo Federal. Registre-se, por ser verdade, a importância dos sindicatos do movimento docente e dos trabalhadores em educação superior e do movimento estudantil, em âmbito nacional e local, nas conquistas democráticas das Universidades públicas.
É preciso insistir que a autonomia tem que conviver com a democracia. O exercício das diversas funções no ensino, na pesquisa e na extensão só obtém resultados se houver integração entre dirigentes, professores, estudantes e pessoal técnico-administrativo, além da população, na sua mais ampla concepção, a que a Universidade serve.
Costuma-se falar que autonomia não deve ser soberania. Evidente que não é soberania, pela própria função da Universidade e de sua responsabilidade com a democracia. É preciso ter clareza de que a autonomia faz a Universidade se desvincular do governo, não do Estado. Gostaria de elencar alguns dos prejuízos do não respeito à autonomia das Universidades.
Sem autonomia não há democracia. A não autonomia não respeita a diversidade deste país tão grande e tão diverso. Não visa melhorar o repasse de recursos para as Universidades. Contraria o diálogo da Universidade com o espaço em que ela atua. Dá lugar a interferências que dificultam a história de cada Universidade. Prejudica a criatividade de gestores, professores, estudantes, pessoal técnico-administrativo. Submete as Universidades aos caprichos do governo federal como um todo.
O ex-ministro da Educação, Weintraub, para ficar apenas com um exemplo, pretendeu usar o tempo difícil da pandemia para ter o direito de nomear, sem qualquer respeito, os reitores das Universidades Federais. A não autonomia mata o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Perturba o espírito crítico. Fere o estabelecimento de currículos que levem em conta a realidade local. A não autonomia interfere no processo de escolha democrática dos dirigentes das Universidades.
Como ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, de 1992 a 1996, posso dizer que há mais de trinta anos a UFPB vem elegendo, democraticamente, os seus reitores. Falo de Jackson, de Sobrinho, de mim, de Jader, de Polari, de Margareth. Nesse tempo a Universidade vem crescendo no exercício da democracia.
O único processo complexo foi a minha nomeação para a Reitoria da UFPB. Em eleições democráticas, no mês de abril de 1992, no primeiro turno, com seis candidatos, obtive o primeiro lugar, com mais de 45% dos votos. No segundo turno, com dois candidatos, recebi cerca de 65% dos votos. Deveria tomar posse em setembro. Terminou o reitorado anterior, assumiu o então vice-reitor e, passado mais um mês, finalmente tomo posse em Brasília, para cumprir um mandato de quatro anos. Foram seis meses de luta, foram seis meses de espera. Costumava dizer que foi preciso derrubar Collor do poder, para, duas semanas depois, ser nomeador reitor da UFPB.
Não fui indicado antes porque não aceitamos propostas de interferência político-partidária, com a intenção clara de obtenção de privilégios na Universidade. Na última vez que fui a Brasília, ainda no governo Collor, foi-me proposto que eu nomearia, para algumas pró-reitorias estratégicas, colegas de Universidade que não tinham qualquer afinidade com a nossa proposta, construída democraticamente, fruto que foi de debates nos então sete campi da UFPB. O objetivo era que a Universidade viesse a servir a interesses que não se coadunavam com a concepção de Universidade, voltada para os interesses da população.
Devo relatar o papel importante da Imprensa em levar à população o que acontecia na Universidade. No discurso de transmissão de cargo, adotei um título que explicitava, de um lado, a dificuldade, e de outro, a união de forças, para que a autonomia e a democracia da Universidade viessem a prevalecer: Nunca foi tão difícil. Nunca foi tão bonito!
Tivemos problemas durante o reitorado, é bem evidente. Mas saí em paz, com a certeza do dever cumprido. O reitor Jader, cuja candidatura nós apoiamos, deu continuidade à proposta e ao trabalho democrático. Foi eleito no primeiro turno, tomou posse, sem problemas.
Podemos contabilizar 28 anos de uma história de respeito à decisão democrática da Universidade na escolha dos seus reitores na UFPB. O que se espera do Ministério da Educação e do Presidente da República é uma atitude clara, pelo bem da Universidade Federal da Paraíba: a nomeação da chapa recentemente vencedora da consulta aos três segmentos da Universidade, professores, estudantes e pessoal técnico-administrativo.
• Neroaldo Pontes de Azevedo, ex-Reitor da UFPB
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