DILEMAS DE UM ALVINEGRO, por José Mário Espínola

(Imagem: radiobotafogo.com.br)

“Yo no creo en brujas,
pero que las hay, las hay!”
(Miguel de Cervantes Saavedra)

É bastante conhecida a fama de tradicionalmente supersticioso dos torcedores do Botafogo. Isso não existe! Eu, por exemplo, não o sou. É claro que tem uns torcedores que abusam de algumas das nossas tradições.

O meu grande amigo João José Moreira Neto, que hoje torce nos estádios lá do céu, certa vez estava assistindo a uma final do Botafogo contra o Flamengo. Fazia 21 anos que não conquistávamos um título. O jogo estava muito difícil e surgiu uma falta que, de tão próxima da área, de tão perigosa, para Zico era o mesmo que cobrar um pênalti.

Moreira, para não ter o risco de ver o nosso time levar um gol, aproveitou o momento para ir ao sanitário, que era vizinho à saleta aonde assistíamos jogos do Botafogo. Acontece que enquanto ele estava lá Zico errou e no contra-ataque o Botafogo fez o gol! Cadê que Moreira quis mais sair do banheiro?! Permaneceu lá até o apito final. Assistiu o resto do jogo por um espelho. Ele temia que o Flamengo empatasse se saísse do banheiro.

Mas isso não acontece comigo: sou muito materialista! Embora há 52 anos eu seja torcedor do Botafogo, nunca tive manifestações semelhantes.

***

Pego o jornal, e vejo: quarta-feira tem jogo do Botafogo contra o Flamengo. Ih!, rapaz, vai ser televisionado pela Globo, e ela dá um azar danado ao Botafogo, os locutores e comentaristas são todos flamenguistas…

Telefona Fernando:

– Aonde vai assistir o jogo, em casa ou na Torcida do Ricão?

– Olha, Fernando, é lá pras dez da noite, fica tarde para mim ir pro Ricão.

– Então vamos assistir na sua casa. Inaugurar a sua TV nova!

– Acontece que é na Globo. E não gosto de assistir jogo na Globo, dá um azar… Sei não…

– Vai dar Botafogo: o time está jogando por música. E o Flamengo está um timeco, ladeira abaixo no campeonato. E tem mais, o Botafogo joga completo: Jefferson, Josimar, Sandro, Gotardo e Márcio Azevedo. Leandro Ávila, Carlos Alberto Santos, Sérgio Manuel e Paulinho Criciúma, Loco Abreu e Túlio. Uma seleção!

– É… Tá bem, vamos lá pra casa.

– Vamos torcer juntos. Chego às nove e meia.

Na quarta-feira, chega Fernando com o neto e o cunhado. Começa o jogo. Botafogo dominando o meio-de-campo. Perigoso contra-ataque para nós: Josimar pela direita corre até a linha de fundo e centra a bola para a área:

– Ô, bola! Lá vai! Lá vai!

Loco Abreu recebe, dá um drible e chuta pra fora.

– Não!!!! Era pra ter passado a bola pra Túlio, ele estava livre-livre dentro da área!

Escanteio para o Bota:

– Eu! Eu! Eu, na cabeça do Abreu!

Loco Abreu cabeceia e a bola bate no travessão:

– Na trave!!! Se tivesse cabeceado de cima pra baixo era gol…!

Começo a pensar: “Está acontecendo alguma coisa. Só dá Botafogo e a bola não entra. Será que é por causa do meião cinza que eles estão usando? Acho que não…”

Falta perigosa, em frente à área do Flamengo:

– Dessa distancia, pro Sérgio Manuel é meio-gol!

Uuuhhhhhh! Passou raspando a trave! Termina o primeiro tempo. Só deu Botafogo, mas a bola não entrou. Penso: “Será que é porque estou sem a cueca preta, que eu uso nos jogos do Botafogo? Não deveria ter deixado lavar, logo hoje…”

Segundo tempo, só uma alteração no time: Leandro Ávila sai para entrada de Túlio Souza. No jogo, ataque a toda hora, domínio total. Mas o Flamengo ataca perigosamente. Jefferson faz uma defesa espetacular e passa a bola rapidinho para Márcio Azevedo. Este corre pela esquerda, caindo para o meio, embolando o jogo e perdendo a bola.

Contra-ataque do Flamengo, o meia chega à linha de fundo, mas é desarmado por Gotardo. Imediata reposição de bola. Túlio Souza toca a bola até o meio do campo, passa para Criciúma, que passa por dois volantes e chuta:

– Ô, bola!

– Vai! Vai! Agora!!

Túlio Souza faz um lançamento de profundidade para Criciúma sair correndo. Ele dribla dois e lança para Túlio, que é derrubado na área.

– Pênalti! Pênalti!

– Foi falta pra cartão! Era pra ter sido expulso!

Túlio, o Maravilha Alvinegra, pega a bola, põe na marca do pênalti, não olha pro goleiro, chuta e…:

– Perdeu!?! Não pode! Perdeu!!??

E eu pensando: “Tem coisa errada aqui… Será que é a minha bandeira do Botafogo? Nos outros jogos eu não abri bandeira nenhuma e nós vencemos…”

O Botafogo está todo em cima, o Flamengo todo recuado. Súbito, um contra-ataque do Flamengo: gol!

Fernando não aguenta:

– Que merda! Que merda! Foi gol!?

– O cara tava impedido! O bandeirinha não fez nada…

– Só pode ser comprado.

– Cadê que a Globo mostra o impedimento?

– Zagueiro imbecil! Pra que avançou tanto?!

– É o que dá ter um time todo ofensivo.

Começo a me preocupar: “Só pode ter urucubaca! Coméquiagente tá perdendo pra um timinho desses, que na única jogada ofensiva o jogo todo fez um gol melado?”

– Vamos virar! Vamos virar! Nosso time é bem melhor.

– Isso mesmo: vamos virar! Vamos virar!

Loco Abreu sai para a entrada de Donizete. Botafogo em cima o tempo todo, e a bola não entra. Falta frontal, mas na intermediária. Sandro cobra com um tiro de canhão, a bola raspa a trave:

– Uuuuuuuuhhhhh!

Insisto: “Acho que é a bandeira. Nunca a estendi na sala em hora de jogo, vou levá-la pro terraço”.

Logo a seguir, ataque mortal: Criciúma recebe de Josimar, tabela com Sérgio Manuel que passa para Donizete fazer o pivô para Túlio: gol de empate do Botafogo! Túlio Maravilha!!!

– GOOOOOLL!!! Foi goooooolll!

Alegria geral.

– Ui, ui, ui!! – Fôgooo! Fôgooo! Fôogooo!

Penso: “Eu sabia que era a bandeira!”

Segundo tempo, uma repetição do primeiro: Botafogo é todo ataque, o Flamengo se defende como pode. Muitas chances de gol. Bolas perdidas…
O time jogando com raro controle de bola, a bola de pé em pé. Carlos Alberto e Túlio Souza, duas muralhas protegendo a zaga. Sérgio Manuel se machuca e é substituído por Lúcio Flávio.

O jogo está no fim, o juiz deu 3 minutos de acréscimo. Súbito um contra-ataque mortal do Flamengo. Confusão dentro da área. Bola rebatida na pequena área, sobra para o lateral deles: gol do Flamengo! Que merda!!!

Fernando explode:

– PUTAQUIUPARIU! Vou deixar de torcer! Toda vez é isso, a gente leva gol nos acréscimos!

– Vambora, Neto.

Na saída, puxo Fernando de lado e digo baixinho:

– Não traz mais teu cunhado pra assistir jogo aqui: ele dá azar.

Tudo mundo vai embora, mas fiquei pensando: “O que foi que deu errado? 66% de posse de bola, bola na trave, 19 chutes a gol, e perdemos para esse timinho…?”

De repente, tudo fica claro: “Já sei! Descobri o que deu azar! Foi aquela camisa do Botafogo, presente do meu cunhado! Eu bem desconfiava daquela camisa horrorosa. Ela tem o mesmo padrão do uniforme do antigo colégio Getúlio Vargas! Ele diz que não gosta de futebol, mas acho que é um flamenguista enrustido, só pode ser! Mas ele vai ver: vou dar uma corneta e um chocalho bem barulhento pro filhinho dele!”

Tem coisas que só acontecem ao Botafogo. E ao botafoguense também!

José Mário Espínola
Alvinegro-modelo

É BOM ESCLARECER
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.