Do vício de fumar à rejeição da menina do Liceu

Liceu Paraibano (Foto: G1/O Globo)

Liceu Paraibano (Foto: G1/O Globo)

No antigo Conjunto Boa Vista, primeiro bairro em que os Barbosa da Nóbrega residiram na Capital a partir de 1972 , vivi uma primavera de eventos antes impensados e talvez impossíveis em Bananeiras. Simultâneos a alguns prazeres que estragavam a saúde sem o dono da saúde perceber, graças à energia que a juventude permite acumular e desperdiçar com a mesma facilidade. Desperdício aumentado no vício de fumar.

Fumei tanto que somente encerrei a carreira há pouco mais de 15 anos, quando tragava três carteiras por dia. Comecei aos 14, nas piolas de amigos e colegas mais velhos, em Bananeiras. Parei em João Pessoa, quando morava no Conjunto Pedro Gondim. Parei no dia em que não consegui levantar a minha caçula, então com dois ou três anos, quando ela correu para os meus braços ao me ver abrindo o portão do terraço. O fôlego faltou, a consciência pesou.

Mas até a consciência pesar Das pontas de cigarro em Bananeiras a cigarros inteiros na Capital deu-se o passo seguinte no consumo. Passei a comprar meia carteira no retalho, fiado, na bodega de Seu Pedro, a 50 metros da casa do Boa Vista. Pagava com os trocados juntados para o final de semana. Vez em quando, o apurado era maior e patrocinava um maço lacradinho de Hollywood ou Minister King Size. Sem o patrocinador de tais aquisições desconfiar, evidentemente.

Com a fumaça nos pulmões veio junto o gosto por bebida mais forte e quente, que também passei a consumir entrando na ‘vida de rapaz’ em João Pessoa. Mas nem os dois juntos – cigarro e álcool – tiraram ligeiro o gás e a vontade de jogar futebol por toda uma tarde nos campinhos de pelada que mais tarde cederiam suas áreas ao mercado do Bairro dos Estados ou à garagem da Mandacaruense, empresa de ônibus que atendia a toda aquela banda da cidade.

De qualquer modo, o gás acabaria, como acabou. O corpo deu avisos; a vida, sinais. A disposição física começou a falhar pra valer quando sobreveio a responsabilidade na forma de trabalho com carteira assinada. Acumulava o eito noturno de revisor-emendador em uma gráfica do saudoso Jório Machado, no Tambiá, com o Científico do Liceu Paraibano. E um agravante: saídas noturnas movidas a cerveja ou rum e interações com o sexo oposto para muito além do que permitiam os namoros contidos em casa de família.

***

Passamos três ou quatro anos no Boa Vista, tempo suficiente para ter certeza de que a mudança do nome do conjunto para Bairro dos Ipês teve a ver como o fato de os moradores dos chamados conjuntos residenciais serem discriminados dentro da própria classe a que pertenciam ou fora dela. Aqueles situados um grau acima na ‘escala social’ não gostavam “de se misturar”. Pelo menos foi isso o que senti da coleguinha de primeiro ano de ensino médio que eu planejava ter como namorada.

Aconteceu de chamá-la para estudarmos juntos, na minha casa, para as provas bimestrais. Ela perguntou onde eu morava. Quando falei, veio com pergunta besta. “Boa Vista? Onde é isso?”. Informei o que então, para ela, deveria ser um ponto de referência merecedor da mais veemente rejeição: “Fica perto das Cinco Bocas de Mandacaru”. A reação dela me chocou, na ocasião. “O quê? Ah, então você mora naquele conjunto de Mandacaru, é? Vou nada, vou o quê!”.

Aquilo me arrasou. Fiquei desse tamanhinho. Por alguns dias, detestei o Boa Vista e a minha condição de morador de conjunto. Mas passou logo. Logo compreendi o quanto aquela menina era tola e mais tola ainda ficou depois que a ouvi contando a outras garotas da nossa sala de aula que estava namorando “o filho de Accioly”.

Não sei até hoje quem era o Accioly a que ela se referia, mas deveria ser pessoa importante e rica na Capital e o filho dele, um bom partido. Bem melhor do que eu, claro. Tanto que o rapaz não precisava sequer do próprio nome para ser referenciado, além de reconhecido por sua personalidade ou algum mérito que tivesse. Pelo visto, para a sua namorada bastava que ele fosse ‘o filho de Accioly’.

 

É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para Do vício de fumar à rejeição da menina do Liceu

  1. Grande Rubens Nobrega. Meu abraço fraterno. Como sempre faço pois sou como tu sabes teu leitor diário, li mais esta obra literaria. Sei como é dificil escrever para outros lerem e mais ainda lerem o que agente tenta escrever sobre nós mesmos. Mas tua pena é facil de entender. Facil de ler. No final foi bom saber que te livrastes do cigarro e da namorada do “filho do Aciolly”. Deus sabe o que faz. Saude e Paz.