PREPOTÊNCIA OFENDE E PODE MATAR, por José Mário Espínola

(Imagem copiada do JusBrasil)

Após rever a paciente em seu consultório, analisar os exames apresentados, especialmente a ultrassonografia muito bem detalhada, feita pelo Dr. Roberto Ney, o médico-assistente (MA) chegou a um diagnóstico definitivo. E disse à paciente ansiosa, à sua frente:

– A Senhora é portadora de um tumor, benigno, na glândula suprarrenal, acima do seu rim esquerdo. E esse tumor o que está provocando as crises de hipertensão, elevando a sua pressão a níveis preocupantes.

A paciente ficou aflita:

– O que fazer, doutor?

– O caso tem tratamento, mas exclusivamente cirúrgico. A senhora ficará boa, definitivamente, saindo da área de riscos de um acidente vascular cerebral, por exemplo.

– O senhor opera?

– Não, sou apenas clínico. Vou procurar me informar quem faz esta cirurgia aqui na nossa cidade. Quanto mais rápido, melhor.

O MA consultou os colegas da área. Foi então informado que a cirurgia era muito difícil e delicada, não havendo ainda suporte pós-cirúrgico na cidade.

Um colega nefrologista recomendou um médico de Recife, uma sumidade na especialidade, que fazia essa cirurgia rotineiramente, inclusive nos Estados Unidos. O médico-assistente lembrou-se imediatamente dele. E disse para o colega:

– Logo o Dr. Medalhão?! Ele é muito estrela…

– Mas é uma sumidade… Deixe comigo! – prontificou-se o nefrologista, garantindo que falaria com o Doutor Medalhão, recomendando o caso.

Dois dias depois, o MA comunicou à paciente as informações obtidas. Que à época ninguém fazia esse tipo de cirurgia em João Pessoa, mas em Recife havia um excelente cirurgião, que trabalhava num bom hospital, que poderia operá-la. E repassou o número do telefone do Dr. Medalhão, que no contato informou que não operava por planos de saúde, que a cirurgia teria que ser em caráter privado.

Consultada a família, que tinha em Teresa, irmã da paciente, uma líder, a data, o hospital e os valores da cirurgia foram acertados. Durante as tratativas, ela perguntou ao Dr. Medalhão se o Dr. MA poderia assistir e este, por sua vez, informou que não poderia estar presente em razão de compromissos profissionais. Mas procurou tranquilizar a família.

No dia marcado, Teresa deu a noticia ao Dr. MA: na data agendada, a paciente fora operada e estava passando bem. Relatou, contudo, que algum problema acontecera durante a cirurgia, pois fora bem mais demorada que o esperado.

Teresa pediu encarecidamente que o Dr. MA fosse com ela fazer uma visita à irmã, no hospital. Pediu com tanta veemência que o médico aquiesceu. No dia seguinte, partiram para Recife.

No hospital, MA encontrou a paciente com bom aspecto, ligeiramente descorada, porém sem queixas. Pressão arterial normal. Ausculta cardíaca normal. Mas, quando foi auscultar os pulmões da paciente, o Doutor gelou! A incisão cirúrgica, muito longa, da cicatriz umbilical à região dorsal, logo acima da crista ilíaca, estava visível. À DIREITA!

Veio a dúvida: não era o rim esquerdo?? Dr. MA não se precipitou. Nada disse à paciente nem à família. E retornou à capital paraibana com aquela dúvida martelando a cabeça. Uma viagem sem graça.

Na mesma noite, foi até o consultório para ver o prontuário da paciente. Lá estava bem claro o resultado da ultrassonografia: tumor na glândula suprarrenal ESQUERDA!

MA constatou que havia sido operada a glândula errada da paciente. A paciente teria que ser reoperada.
Pouco dormiu essa noite, pensando nos riscos e consequências. Ela ficaria sem as duas glândulas, teria que fazer uso de hormônios para o resto da vida.

Dia seguinte, ligou para a irmã da paciente, relatando tudo: a constatação do erro, a sua confirmação, os riscos, a necessidade da reoperação. Ligou, também, para o nefrologista que havia indicado o Dr. Medalhão, pedindo-lhe que se comunicasse com o colega do Recife, para tomar uma decisão sobre o que fazer com a paciente. Afinal de contas, havia sido uma referência dele, nefrologista, que se havia prontificado a comunicar o caso ao cirurgião, assim tendo feito.

O nefrologista recusou-se a admitir que o seu ídolo tivesse cometido algum erro médico. Após MA ter lido para ele o laudo da ultrassonografia, disse que iria pensar. Mais tarde ligou de volta, para dizer que não telefonaria para o Dr. Medalhão, pois era uma situação muito vexatória. Assim, deixou o Dr. MA com a batata quente na mão.

Mais um dia e a paciente teve alta hospitalar, retornando para João Pessoa. Dr. MA recebeu, então, a visita dos irmãos da paciente que vieram do sertão para saber com detalhes o que havia acontecido. Dispunham-se a ir até Recife para tomar satisfações com o Dr. Medalhão.

Dr. MA procurou acalmar os ânimos: o momento exigia serenidade, pois havia a necessidade de tomar uma atitude que beneficiasse a paciente. E telefonou para o Dr. Medalhão. Que esperneou do outro lado da linha, não admitiu que tivesse cometido um erro médico, que aquilo nunca lhe acontecera na vida profissional.

Dr. MA esperou que o Medalhão parasse de estrebuchar, disse-lhe que tinha provas documentais de que tinha havido um erro e lembrou-lhe o artigo 29 do então vigente Código de Ética Médica, que versava sobre erro médico. O doutor continuou a bradar, indignado.

Dr. MA disse-lhe, por fim, que os irmãos da paciente, todos sertanejos brabos, vieram da cidade de Patos dispostos a ir conversar com ele, caso MA não obtivesse sucesso. Silêncio do outro lado da linha… Segundos após, mais calmo, voz mansa, Medalhão anunciou que iria rever o caso, se necessário reoperar a paciente. Mas pediu que somente Teresa lhe telefonasse, para acertar tudo o que fosse preciso.

A cirurgia foi remarcada para dali a duas semanas. A irmã da paciente exigiu a presença do Dr. Médico-Assistente na cirurgia. O que foi acertado.

***

Na data marcada, Dr. MA estava lá na sala com a paciente, após ter se apresentado a um afável e atencioso Dr. Medalhão, que ficou na sala de estar do centro cirúrgico, aguardando a sua equipe preparar a paciente. Só então ele entraria, com o toque-de-mestre.

Na indução anestésica, a paciente logo adormeceu e o anestesista passou a tentar a intubação da traqueia. Foi quando começaram as dificuldades. O médico não conseguiu fazer com que a cânula endotraqueal entrasse pela glote, pois a paciente tinha o pescoço muito curto e não exibia o ângulo laríngeo. Nervoso, suando em bicas, tentou um bom tempo e… Nada!

Chamaram o anestesista da sala vizinha, que também não obteve êxito. Para piorar o clima, surgiu o Dr. Medalhão nervoso, que brigou com todo o mundo e falou, aos brados:

– Foi a MESMA COISA NA OUTRA CIRURGIA! Vocês não têm a competência para realizar uma intubação!

Nesse ínterim surgiu uma luz. Foi quando a sedação começou a perder o efeito, a paciente esboçou uma respiração. Aí, foi possível ao anestesista visualizar a epiglote, podendo passar a cânula pela glote. E a cirurgia pode ser realizada com sucesso.

***

Analisando o acontecido, as palavras do Dr. Medalhão deixaram claro para o Dr. MA o que havia causado o erro: na primeira operação, o cirurgião, prepotente e arrogante, diante do que estava acontecendo deu um show de grossura e contaminou toda a sua equipe, criando um clima de medo generalizado. E retirou-se para a sala de estar, deixando seus assistentes com o problema.

Pouco depois, muito provavelmente a paciente voltou a respirar, viabilizando o acesso da cânula, permitindo assim que a cirurgia pudesse acontecer. Quando finalmente prepararam a paciente para ser operada, esta foi colocada no DECÚBITO ERRADO. O cirurgião, retornando à sala de cirurgia, operou a glândula oposta.

Esse tipo de cirurgião era muito encontrado na medicina do passado: ostentava arrogância e prepotência para que nunca fosse questionado. Não sabia trabalhar em equipe. Comportava-se sempre como uma prima-dona. Felizmente, não existem mais. Os cirurgiões de hoje sabem o que é trabalhar em equipe, com maior benefício para os seus pacientes.

***

O episódio acima, real, deixa bem claro a importância do líder, quando se está diante de um problema coletivo. Se ele for tranquilo, porém decidido, transmitindo firmeza, chega-se à melhor solução possível e desejada. Se ele, reconhecendo as suas limitações, não tem liderança, não tem serenidade, só sabe agir provocando um clima de terror e de insegurança, contaminando os seus liderados, termina levando-os para a direção errada.

Com muita preocupação, vemos que atualmente é o que está faltando ao paciente Brasil: uma liderança sábia e serena, que saiba trabalhar em equipe e dê o bom exemplo. Que comande todos os seus liderados, especialmente aqueles que têm poder de decisão para resgatar a saúde plena da população. Caso contrário, o resultado será uma catástrofe. O genocídio a que estamos assistindo, por exemplo.