TIRO-DE-PAZ, por Jesuíno Lacerda

Recorte de ilustração publicada em Futmarx

A notícia chegou com o aracati varrendo as ruas vazias e empoeiradas de Princesa e não era nada boa… O bando de Virgulino Ferreira tomou direção da cidade e não tardava chegar.

Doeu nos ouvidos do sargento Jovelino da Silva, oficial competente formado no mais tradicional Tiro-de-Guerra paraibano, mas como se diz no estado, “na Paraíba pra ser doido precisa ter juízo” e de imediato convocou sua tropa composta por dois soldados e deu a ordem de sair correndo da cidade em direção de Tavares, município mais próximo e de maior efetivo policial.

No início do século passado, o Sertão era uma terra de duas leis: a dos cangaceiros e a dos “macacos”. Até hoje ninguém sabe qual era a pior.

O oficial deu a ordem:

– Soldado Macário e soldado José Maria, peguem as armas e vamos simbora pra Tavares, pois o bando de Lampião tá vindo pra cá e o diabo é quem fica esperando…

Não perderam tempo e sebo nas canelas. A tarde ia embora quando chegaram na cidade. Estranharam o silêncio sepulcral. Indo direto pro posto da polícia tiveram a grande e má surpresa de bater de testa com os cangaceiros do Capitão.

Distante, ele viu o Tenente Mano de Araçagi com as mãos amarradas cochichando no ouvido do Capitão. Apontando com o nariz, o militar disse pro fora-da-lei:

– Aquele ali é o oficial responsável pela guarnição de Princesa…

A revelação tinha uma ponta de veneno. O cangaceiro-mor convocou de imediato a presença do macaco fujão junto com os dois samangos que tremiam mais do que vara verde. O sargento Jovelino, de cara pétrea como uma estátua de Rodin, foi encarado por Virgulino por cerca de um minuto. Pareceu uma eternidade.

– O sargento deixou Princesa desguarnecida, não foi?

– Foi sim, senhor. Como é que ia proteger só com esses dois homens?

– Tem razão. O senhor se mostrou um covarde, mas escapou de virar herói!

A barriga do sargento roncou de alívio. O suor escorreu em segredo aos borbotões dentro da farda, enquanto esperava a sentença.

– Pois bem, tu e esses macacos vão comigo até Princesa e não vou fazer nada com vocês. Lá o senhor vai me dar comida, bebida, dinheiro e mantimentos. Depois seguiremos destino.

***

Foi a única vez que o cangaceiro fez uma concessão. E a última de Jovelino como polícia.

  • @jesuinoaoliveira
    Junho de 2023