BONS BELARMINOS, por Babyne Gouvêa

Imagem meramente ilustrativa copiada de declamaria.wordpress.com

Eles eram irmãos, de baixa estatura, de cor morena e cabelos lisos. Ele tinha bigode espesso, bem preto. Ele se chamava Manuel Belarmino – apelidado de Seu Mané e ela, Socorro Belarmino, carinhosamente também chamada de Help.

Vieram do interior da Paraíba procurar trabalho. A seca provocou a migração para a capital. Aportaram à casa dos meus pais e de imediato se estabeleceu empatia de ambas as partes. Ela ajudou a minha mãe nos serviços da casa e ele foi executar o seu ofício no Esporte Clube Cabo Branco.

A disposição física dos irmãos era admirável. Músculos dos braços e pernas faziam inveja a qualquer fisiculturista. A musculatura foi resultante do esforço físico diário em busca de água – do campo, onde moravam, a uma cacimba nas proximidades da cidade de Belém do Brejo do Cruz. Caminhavam com latas d’água na cabeça.

Socorro não tinha registro de nascimento. Foi convencida por minha mãe a providenciar a carteira de identidade. Inicialmente, foi ao cartório e conseguiu diminuir quinze anos na idade real. De trinta e três foi registrada com dezoito anos. Não sabemos até hoje como ela conseguiu essa proeza.

Um dos meus irmãos tentou alfabetizá-la. As lições eram ministradas com a Cartilha do Povo. Aquela mesma do Vovô viu a Uva. Ele era enérgico e aplicava repreensões à aluna, na ânsia de vê-la lendo. Ela, temerosa, decorava a sequência das palavras na cartilha. No final das contas, foi possível deixá-la familiarizada com as letras.

Quem passava pela sede social do Esporte Clube Cabo Branco via Seu Mané movimentando uma vassoura ou uma enceradeira. Era incansável. Mesmo nas horas de descanso ele não conseguia parar de trabalhar. Os colegas interrogavam de onde vinha tanta disposição. Respondia sem tergiversar, com dúvidas se estava satisfazendo a curiosidade dos amigos: “Não abro mão de trocar uns arrochos com a minha esposa, diariamente, nos primeiros raios de sol”.

No seu dia de folga, Mané se dirigia à casa dos meus pais e pedia para fazer algum serviço. Importante era não ficar ocioso. Em uma das ocasiões minha mãe lhe orientou a retirar umas manchas na parede do terraço; e que usasse um produto chamado Vim, que se encontrava na cozinha. Quando terminou o serviço quis mostrar o resultado, como de praxe. Ele passou vinho localizado, casualmente, na copa. A parede, evidentemente, ficou cor de rosa. Recebeu elogios bem típicos da personalidade delicada da minha mãe.

Determinado dia, Seu Mané seguiu para a Feira da Bicicleta. Fez compras e apareceu ostentando um relógio no pulso esquerdo. Gostava quando a minha mãe conversava com ele. E vendo a novidade em seu braço se estabeleceu o diálogo:

— Muito bem, Seu Manuel, me mostre o relógio mais de perto; ué, só tem um ponteiro!

— É porque com dois ponteiros é mais caro, D. Cidinha.

A beleza dos dois irmãos estava na pureza revelada em suas ações. Foram criados em ambiente sem malícia, mesmo enfrentando as adversidades que lhes foram impostas. Belarmino significa, gramaticalmente, indivíduo tolo. Belarmino, sobrenome de Seu Manuel e Socorro, significa servir ao próximo sob o credo da honradez.