UMA NOVA FARSA HISTÓRICA? por José Mário Espínola

Al Capone (Imagem: www.history.com)

Já estamos todos cansados de ouvir que a história só se repete sob a forma de uma farsa. Sabemos que não é bem assim. Muitos fatos históricos se repetiram de forma muito semelhante, porém bem identificados com o presente. O mais recente foi a repetição do caso da prisão do Al Capone, acontecida em 1931.

Alphonse Gabriel Capone, ítalo-americano nascido em Nova Iorque em 1899, tornou-se um gangster muito temido, pois era um matador cruel, e quando ele próprio não matava tinha muitos assassinos que fizeram o trabalho a seu mando. Porém nunca pagou pelas muitas mortes que foi responsável.

Capone ingressou no crime aos 11 anos, em Nova Iorque, pelas mãos do gangster também ítalo-americano Johnny Torrio. Depois Torrio mudou-se para Chicago, convidado pelo gangster Big Jim Colosimo. Em 1920 o Congresso americano aprovou a Lei Seca, que durou até 1933. Surgia aí um bom filão, que renderia muitos milhões de dólares aos gângsteres. Porém Colosimo não quis entrar no comércio ilegal de bebidas alcoólicas, que eram contrabandeadas do Canadá.

Então Torrio planejou e executou o assassinato de Cosimo, e tornou-se o chefe da máfia de Chicago. Capone, então, foi levado por seu padrinho para Chicago, para trabalhar como segurança de um bordel. Em 1925 Johnny Torrio caiu numa cilada e sobreviveu com ferimentos graves. Então se afastou, deixando Capone como chefe.

Após tornar-se chefe da máfia de Chicago, Capone ganhou milhões de dólares com venda ilegal de bebidas alcoólicas, prostituição, jogo ilegal, agiotagem, cafetinagem e tráfico de drogas. Ele não cometia os crimes sozinho. Obedecendo as suas ordens, seus capangas invadiam territórios, cobravam proteção, abriam cassinos clandestinos, contrabandeavam bebidas alcoólicas na fronteira com o Canadá, e drogas vindo da fronteira com o México e dos principais portos dos Estados Unidos.

Capone foi preso em 1931, julgado e condenado por um motivo prosaico: sonegar o imposto de rendas. Pois nunca conseguiram provar os piores crimes que cometeu: assassinatos cruéis, geralmente de rivais.

Capone morreu no leito em casa, acometido de complicações das seqüelas da sífilis. Portanto morreu sem ser punido pela justiça dos homens por tantas mortes pelas quais foi responsabilizado. Se o foi pela justiça de Deus, há controvérsias.

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Numa farsa com desfecho parecido com o da história de Al Capone, o messias de muitos brasileiros viveu a vida de um parlamentar medíocre, no porão do baixo-clero da Câmara Federal. Até que um dia foi escolhido para encarnar o bezerro de ouro de um golpe contra a democracia.

Forças não muito ocultas, da direita brasileira, incomodadas com as conquistas sociais das minorias do país, aproveitando o péssimo momento que a esquerda vivia, produto da incompetência administrativa com um panorama mundial desfavorável, organizaram um golpe em surdina.

Aglutinaram a extrema-direita, segmento importante das Forças Armadas, a elite brasileira, os evangélicos, boa parte do empresariado e o agro-negócio. Para essa operação dar certo, eram necessárias duas medidas: tirar de cena o principal candidato popular; e encontrar um candidato que tivesse grande apelo.

Alguns elementos do judiciário, que professam a mesma ideologia, encarregaram-se de tornar o candidato da esquerda inelegível. E elementos pertencentes às Forças Armadas prepararam o candidato da direita. Foi, então, escolhido o Inconfessável.

Hoje sabemos como a história aconteceu.

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Esse falso messias presidiu o Brasil por quatro anos, realizando péssimo governo. Foi o pior mandatário que o Brasil já teve, depois de Pedro Álvares Cabral. E olha que Cabral nunca governou, apenas descobriu, tomou posse e foi simbora pras Índias. Portanto ele é hors concours em incompetência para administrar um país. Ele destacou-se por ações que prejudicaram milhões de brasileiros, inclusive causando mortes. Veremos algumas.

Fez de tudo para acabar com a saúde pública, até que conseguiu. Com ciúmes do seu primeiro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que estava realizando excelente trabalho profissional na contenção da doença no Brasil, ele forçou a demissão deste, e em seu lugar colocou um militar incompetente, porém capacho, subserviente.

Este cidadão, seguindo obedientemente as ordens do chefe, começou pelo desmantelamento do Programa Nacional de Imunização. O PNI, criado no governo militar, posteriormente foi valorizado e aperfeiçoado pelos governos civis que sucederam a ditadura. Até 2018 o PNI era a menina dos olhos do Ministério da Saúde. Era tão eficiente que se tornou modelo para as outras nações; era realmente o melhor do mundo.

A maior conseqüência, e mais imediata, foi a negação da vacina contra covid 19, que se tivesse sido adquirida e distribuída quando foi oferecida a ele, ainda em 2020, poderia ter evitado a morte de centenas de milhares de brasileiros.

O SUS foi totalmente sucateado, com prejuízo inestimável para a população que não tem plano de saúde, especialmente em programas como o da Farmácia Básica. Além da quebra do Ministério da Saúde, o cidadão ordenou a invasão da Amazônia, levando o crime e a poluição para a região, com a morte de muitos indígenas que lá habitavam.

Também provocou o desmantelamento do Ministério da Educação, causando o atraso de uma década para a educação do Brasil. E a sabotagem da Cultura e da Ciência. Em todos os ministérios deixou o mal-cheiro de alguma coisa errada.
Armou boa parte da população civil, tendo como conseqüência o aumento da violência, além do abastecimento de armas para o crime. Paralelo a tudo isso, deu ordens para realizar a contaminação ideológica das polícias militares, das Forças Armadas e da Polícia Rodoviária Federal. Tudo foi cumprido por seus sicários.

Pois bem, qual Al Capone, o nosso miliciano será preso por um motivo prosaico: o furto de jóias! É o que está se desenhando. Ele não pagará pelas mortes que provocou, por ação ou por omissão. A não ser que seja enviado à corte do Tribunal Penal de Haia. Mas, por enquanto o seu destino será outro.

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De alguns pra cá. Por onde ando eu tenho a sensação de ouvir um côro crescente. É semelhante ao início de uma música de Chico Buarque. A bela canção Apesar de Você, de 1978, de Chico Buarque de Holanda, inicia com um côro crescente:

Amanhã, vai ser outro dia
Amanhã, vai ser outro dia
Amanhã, vai ser outro dia

Pois o momento me evoca essa canção, justamente no seu início, porém com outras palavras. Para onde eu vou, ouço o côro como num Maracanã lotado: 

Papuda!
Papuda!
PAPUDA!