DESABAFOS DE UMA CIDADÃ, por Babyne Gouvêa

A cidadã que vive em mim ainda tem esperanças de encontrar um Brasil de brasileiros respeitando os seus pares. Sou uma mulher que sonha em viver em um Brasil menos desigual, um Brasil cujo símbolo máximo não sejam dedos apontados para nós em forma de arma, um Brasil onde o projeto do governante seja o de salvar vidas e não o de incitar o ódio, o medo, o delírio, o preconceito, a intolerância, a mentira e tantos outros sentimentos avessos a um Estado Democrático de Direito.

Sou de um tempo em que a decência e o dever de cidadania faziam parte incondicional do caráter do homem. Tento externar a minha perplexidade diante da mudança de valores na nossa sociedade, onde a esperteza vence a dignidade. Eu me pergunto que gente é essa que vemos nos governos? Que gente é essa que passou por universidades e se comporta como desumanos? Houve uma inversão de princípios, passados às novas gerações, que levianamente se comportam como se não vivessem numa comunidade civilizada.

Em nenhum momento o presidente assumiu a liderança de ações que pudessem reduzir o impacto inevitável causado pela doença Covid, na população e nas consequências econômicas. Negou a ciência, a lógica e estimulou o caos da ignorância, colaborando para a perda de mais de 260 mil vidas, além de contribuir para o país se tornar uma ameaça à humanidade.

Por outro lado, temos a violência fazendo parte do nosso cotidiano, sendo vista como algo ‘natural’ e o salve-se quem puder tomando proporções indomáveis, totalmente sem controle. E como é triste ver gente cultivando o sentimento de ódio e aversão ao semelhante, numa perversão sem precedentes, sendo estimulada à compra de armas por iniciativas do seu comandante.

Não, a esse caos não podemos assistir inertes; devemos, pelo menos, nos indignarmos. Vivemos um daqueles momentos da História em que pensar profundamente o presente é o único caminho para vencermos a passividade e caminharmos para construir um futuro socialmente justo e verdadeiramente democrático.

  • Babyne Gouvêa é Biblioteconomista

A INDIGNAÇÃO COMO VIRTUDE, por Francisco Barreto

O ator Karra Elejalde interpreta Miguel de Unamuno. Nesta cena, abertura do curso de 1936, na Universidade de Salamanca

O ator Karra Elejalde interpreta Miguel de Unamuno no filme Mientras dure la guerra (Alejandro Amenábar, 2019): cena da abertura de um curso em 1936, na Universidade de Salamanca (Imagem Teresa Isasi/Divulgação, copiada da Revista Continente)

São 3.35h da madrugada, e subitamente me acordo açoitado por uma reflexão que me conduz até o grande humanista Don Miguel de Unamuno, que de Salamanca com humildade ensinou ao mundo.

Um dia lhe perguntaram: “O que lhe parece Anatole France? (o cético Prêmio Nobel que escreveu a ‘Revolta dos Anjos’). E Don Miguel, como um touro Miúra, andaluz, possante e feroz, avança sobre o seu interlocutor: “ Non me gusta Anatole France. É um homem que não sabe se indignar…”.

Indignação, supremo sentimento aos comuns dos mortais, hoje, em via de extinção na conduta humana atual. Estar pasmo, perplexo, convulso diante dos fatos que nos atormentam, pequenos ou grandes incidentes que desafiam a nossa consciente e silente indignação.

Perdi o sono, pensando em D. Miguel, quando foi agredido publicamente – ao dissertar sobre as virtudes humanas – pelo fascista espanhol General Millán-Astray, que vociferou: “Abajo la inteligência! Viva la Muerte!”. Ao que Unamuno respondeu: “Todos me conhecem e sabem que sou incapaz de me calar”.

Todos os dias somos uma plateia inerte, estoica, insensível às condutas públicas inspiradas na perversidade bolsonariana: saiam, vivam, trabalhem e se matem. Suprema perversão. Morre também a indignação pela não palavra, e o não dito tão caro ao pensamento lacaniano.

Diógenes, o filosofo cínico, adoraria viver nos dias atuais, onde teria fartos argumentos para ampliar o seu sentimento de desprezo à humanidade pela ausência da moralidade e da ética.

Homiziados no silêncio estão nossos magistrados, juízes e promotores, que sob o pálio da pandemia se eximem de suas importantes funções. Quantas milhões de pessoas precisam de amparo judicial para conter a violência das injustiças cotidianas e não ultrapassam os batentes do Judiciário. Ninguém sabe, ninguém os vê. Aderiram à tecnologia das nuvens.

Silentes estão igualmente as nossas famílias e amigos que se revelam arredios e embrutecidos pela distância. Nem sempre atentos e afetuosos aos pressurosos apelos dos que confiam as suas esperanças nas metálicas e frias mensagens de WhatsApp.

Quantos dos nossos interlocutores familiares e amigos aderem às perversidades online ao fazerem de conta que não receberam as mensagens desovadas pelo zap? A tecnologia possibilita o silêncio, via a muda simbologia que indica comunicações não recebidas.

Quantos dos nossos se refugiam nestes desprezíveis comportamentos que hoje se balizam no silêncio? Quantos de nós não sabem distinguir a diferença entre um mail e um zap? Quantos se escudam na mais absurda simbologia do não recebido? Cinicamente, muitos silenciam deixando os interlocutores atônitos diante de um mísero silêncio.

A comunicação é um processo enriquecedor: envolve ouvir e responder. No mundo online sem olhar clínico da presença deveria assim ser: aproximar, e não o é.

No cenário nacional não existe apenas o aterrorizante vírus. Precisamos igualmente de vacinas profiláticas contra a não indignação, a perversidade, e a insanidade do desrespeito humano.

O distanciamento profilático é uma coisa indispensável, a mudez e a dissimulação da não comunicação assemelha-se à perversidade com os semelhantes.

O ser online é um meio eficiente de embrutecer. É um protocolo que dissemina o vírus da indignação. Aulas de modo remoto é quase sempre um desastre pela ineficiência. Uma tela fria com dezenas de alunos que nos incomodam pelo silêncio sepulcral e  ensurdecedor, favorecendo a gazeta tecnológica.

Os alunos se evaporam sem nenhuma decência em desrespeito à liturgia de uma sala de aula. Nossos alunos se calam, mas não aprendem sequer a ouvir. O silêncio passa a ser tudo e logo eles não são, talvez nunca serão nada sem a tecnologia e seus algoritmos.

O mundo e a nossa sociedade estão pelo avesso, de cabeça para baixo. Resta apenas a indignação e a consciência crítica do que já não somos. A evitar a morte na alma, já que o vírus nos consome a vida.

  • Francisco Barreto é escritor, economista e Professor de Direito da UFPB

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  • Ilustração: O ator Karra Elejalde interpreta Miguel de Unamuno no filme Mientras dure la guerra (Alejandro Amenábar, 2019): cena da abertura de um curso em 1936, na Universidade de Salamanca (Imagem Teresa Isasi/Divulgação, copiada da Revista Continente)

Ferrari sem placa é liberada em blitz da Lei Seca

Este vídeo postado hoje (18) no Youtube vem chamando a atenção e também causando indignação de muita gente. Principalmente de quem assiste e conclui que na Paraíba, mais do que nunca, “todos são iguais perante a lei”, mas uns poucos – mais ricos e mais poderosos – seriam “muito mais iguais que todos os outros”.

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