Roupas coloridas, semblantes risonhos, fragrâncias no ar. O conjunto de duas guitarras, um órgão, um contrabaixo, uma bateria e um cantor iniciava o longo repertório com músicas alegres, os sucessos da época apropriados à dança solta e livre.
Qualquer par, então, servia aos requebros e trejeitos. Afinal, ninguém se enroscava naqueles começos de baile quando, não raramente, o salão acomodava grupos de quatro ou cinco na comunhão da mesma música e mesmo ritmo. E não se corria o risco de abrir a festa sozinho. “Vamos lá?”… Assim combinado, uma turminha inteira ia, ao mesmo tempo, à pista de dança com suas calças boca de sino, camisas apertadas e semiabertas, minissaias e sapatos à Luís XV. Sim, plataformas para machos.
Lá para as tantas, com o acúmulo das garrafas já vazias de cerveja, uísque ou guaraná em cada mesa, na conformidade das proibições, ou dos gostos e bolsos, a banda reduzia o volume da bateria e o das guitarras. O cantor, por sua vez, respirava fundo, ordenava a mudança de compasso e punha tons de veludo na voz para a interpretação das músicas lentas, sentidas.
A partir de então, um par qualquer já não mais servia. Era chegado o momento de tomar coragem e convidar para a dança aquela menina antevista desde o ingresso no clube ao lado dos pais.
Pouquíssimos decifravam aquelas letras de canções americanas, em sua maioria. Ou porque o salão quase inteiro não falasse inglês, ou porque, em sua totalidade, não entendesse o que saía da boca do cantor, um intérprete de idioma próprio, exclusivo: o embromês.
Mas não importava, pois o que se queria mesmo era aquela garota nos braços, era aquele perfume, era o roçar de bochechas e corpos. O que se pretendia, enfim, era a eternização daqueles momentos. E, sem mais pensar, dançavam-se dores e tragédias com a alma nas nuvens.
Poemas deprimentes assim não percebidos, cantos de dor e agonia, reclamos ao céu e ao inferno embalavam, desse modo, aqueles jovens corações no tempo da incultura, da inconsequência e do alheamento agravados pela ebulição dos hormônios.
É disso que lembro sempre que sou informado da morte de qualquer intérprete de antigos sucessos ainda repetidos nas trilhas de programas no rádio, os do tipo “painel de recordações”. Estes costumam passar nas altas horas em benefício, por assim dizer, de uma espécie de gente para quem o avanço da idade agudiza a impressão das grandes perdas. É para os idosos com suas insônias, ausências e saudades que tais canções ainda ecoam nas madrugadas.
Basta morrer alguém cujo canto embalou minha juventude e tudo isso me vem à mente. Assim me ocorreu, por exemplo, quando o premiadíssimo B.J. Thomas deixava o palco e a vida. Tão logo obtive a triste notícia, surgiram-me os acordes do seu inesquecível “Rock Lullaby”, a história de uma menina de 16 anos e de seu filho, ambos postos a enfrentar um mundo indiferente e cruel. Ela assustada, mas com uma modinha, um acalanto, para o filho em prantos: “Vai ficar tudo bem”. Uma criança a embalar a outra, no dizer do autor. Dele mesmo que, na fase adulta, diante das agruras da vida, pedia: “Mãe, deixe-me ouvir aquela velha canção”.
Perdão, meu camarada, aquele perfume e aquele vestido fininho embotavam-me a percepção dos teus versos e da tua dor. E perdoa, pelos mesmos e compreensíveis motivos, os da minha geração. Até porque dançávamos com igual insânia “Bridge over troubled water”, um louvor à dedicação, ao companheirismo e ao amparo sem limites.
Ah, sim. Aproveito a oportunidade para também pedir desculpas, em nome de todos nós, a Bitão, a Hélio Santistebam, a Osvaldo Malagutti e a Paulo Roberto Fernandes, os Pholhas de tantos e tantos bailes, pelo absurdo da excitação em “My mistake”, o drama de um sujeito que, traído, matou a mulher e foi em cana. Vão desculpando aí.