DEO GRATIAS, WALTER GALVÃO! por Francisco Barreto

Mesmo distante, ele me brindou com muita suavidade e alegria. Senti vivamente que a sua distância se desanuviou, passada a angústia que me assomou com a sua passagem. No lugar dela, sem abdicar da tristeza que todos nós sentimos com a sua ausência, vejo que continuará nos contemplando com a sua exemplar presença.

Senti-me indulgenciado com as belas lembranças que recebi de sua sempre delicadeza me presenteando os seus livros, permitindo-me que tenha sempre a companhia imaterial dos sentimentos que dominaram o seu mundo.

Aportou em minhas mãos, açodando a minha curiosidade, um envelope branco que o abri com ansiedade. Que alegria imensa! Fui reverenciado pela sua extremada generosidade ao me enviar seus dois últimos e extraordinários livros, que me foram delicadamente encaminhados por Jória e Clarice.

Os seus envios me chegaram na companhia de um belo cartão com flores, tudo com delicados dizeres que refletiram a beleza e a intensidade de sua alma. Confidenciaram-me os seus anjos o orgulho que ele tinha “em dedicar os livros aos amigos queridos”. Ser perfilado na sua vasta lista de afetos e admiradores é uma extremada indulgência que me projetou ficar em estado de graça.

Deo gratias, Walter Galvão. O seu desejo foi ultimado por suas mensageiras, que franciscana e generosamente me concederam um intermezzo ao se devotarem a você e à sua generosa alma. O sofrimento e a dor não as impediram de realizar as suas sacras e renitentes intenções.

Sei bem que Walter, na sua via crucis, remeteu a muitos de nós as suas últimas homenagens. Posso, com toda a imprecisão do mundo, sentir o quanto lhe invadiu o altruísmo na sua derradeira caminhada. Deve ter sido contemplativo e corajoso, lembrando-se dos amigos e se debruçando sobre as suas dádivas que tinham que ser oferecidas a nós, seus irmãos. Essas dádivas eram seus escritos.

Em sua dolorosa caminhada, no seu ofertório final brindou os amigos com os mais preciosos souvenirs, frutos de suas mais profundas reflexões, repartindo assim a sua maior riqueza, os seus livros e escritos. Através dos pensamentos e palavras enviadas, premeditou nos abraçar mesmo em outro plano. E, mais do que isto, estar junto e nos estimular a ficarmos sempre por perto dialogando sobre o que nos dizem os seus livros e o que as nossas almas hoje transpiram. Feliz por ele ter me procurado e achado.

Receber as afetuosas homenagens de um caríssimo amigo que ao partir nos deixa a luminosidade de seu ser é algo belo e surpreendente. É o mesmo que nos lembrar e sentir que só existimos para os outros, nunca para nós mesmos. O quanto é sublime saber quem tinha nas veias a grandeza do pensar e da escrita nunca desaparecerá, jamais será esquecido. Como nos diz João Cabral de Melo Neto, “escrever é estar no extremo de si mesmo”. E se doar. É o começo e o fim de tudo.

Enxuguemos as nossas lágrimas, porque as homenagens a ele devidas devem se inspirar no olhar de quem sempre teve um espírito elevado e que em vida soube ver, sentir e verbalizar a grandeza da condição humana. Hoje revelo os meus mais profundos sentimentos de alegria a Jória e a Clarice que me concederam a felicidade de me sentir cúmplice, além de sujeito e objeto do afeto de Walter Galvão.

Não tenhamos outro sentimento. Galva, como elas disseram, vive. Walter Galvão está em cada um de nós, refém do nosso afeto, respeito e admiração. Deo gratias.