DESEJO NÃO TEM IDADE, por Francisco Barreto

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A prevalência de preconceitos quase sempre desumanos espraiam-se em múltiplas dimensões. Agridem as raças, a sexualidade e suas diversidades, o etarismo, o universo dos gêneros, os pobres e incultos, os preceitos e opções religiosas, o ódio à contradição ideológica.

Repudio a todos e a tudo que cultivam sentimentos odientos de prepotência que resvalam nas diferentes formas de dominação das desigualdades entre homens e mulheres.

Por suas vulnerabilidades corporais, idosos são objetos de renitentes comportamentos absurdos dos que abominam o envelhecimento. Insultantes são os frequentes comportamentos de intolerância, da insuportabilidade social, aos que insistem em seus sagrados direitos de continuar vivendo intensamente em suas idades provectas. Na sociedade humana sempre houve, e continuará havendo, um excrescente desprezo pelos idosos e o seu envelhecer em contraponto ao universo jovem belo, esbelto e forte.

A sexualidade relacionada ao envelhecimento incita mitos e tabus, resultando numa míope concepção de que os idosos são pessoas incapazes e assexuadas. Sabidamente, constata-se que o envelhecimento nem sempre transborda à completa inutilidade do desejo e aos movimentos e atos que continuam existindo. Os seus desejos e a libido podem não mais encontrarem correspondência juvenil nos atos sexuais.

As famílias, dentre outros atores, têm um papel coercitivo na direção de extinguir os impulsos instintivos comandados pelos desejos e as libidos, em que pesem os limites das funções fisiológicas. Ao invés, prosperam as agressões ou incompreensões sobre a difícil trajetória dos velhinhos, sem aceitar a importante normalidade da reinvenção do corpo do envelhecido.

Deploráveis são todos os estigmas e preconceitos da negação peremptória a qualquer vivência com a sexualidade dos idosos. Contra esses imperam as repreensões, a perversidade, atos e condutas repressivas, desumanas.

A sexualidade do idoso, num entendimento mais aprofundado, deve considerar que esta faz parte da totalidade do indivíduo. Mentes e corpos desafiam as idades. Os humanos nascem e morrem buscando as alegrias da sexualidade. Mesmo diante de encilhamentos fisiológicos, os envelhecidos não admitem que esteja tudo terminado. O parâmetro demarcador é a morte.

Ao sublimarem seus incontidos desejos em diferentes modos, os idosos sabem que a sexualidade não implica apenas atos físicos ricos de reciprocidades sexuais. A genitalidade enquanto penetrabilidade é uma coisa. A sexualidade vai muito além.

Sobrevivendo com os seus desejos e as libidos, mesmo exilados dos atos genitais, é possível admitir uma vivência sensorial equilibrada, o que contribui para a adaptação dos diferentes momentos físicos que passe a sentir bem-estar psicológico, equilíbrio emocional, autoestima e otimismo, tudo derivado de um modo inovador e corajoso de abordar a sexualidade.

Imensuráveis são as transições corporais que passam a ter um domínio intenso e íntimo com a sexualidade. Se o corpo nas idades avançadas, mesmo desprovido da virilidade, debilitados os hormônios, a mente e os desejos podem reinventar adaptações que motivam suas venturosas expressões sexuais. Os idosos podem decifrar, redescobrir e usar desejos e afugentar as suas frustrações.

Permanecem nas sociedades humanas graves e desrespeitosas ilações que motivam os preconceitos que consideram os idosos seres assexuados. Diante de uma visão negacionista, muitos podem perpetrar o silêncio absoluto e não expor a sexualidade. Contra esses homens e mulheres são produzidos desconfortos e constrangimentos nas relações sociais.

Os limites da sexualidade são desconhecidos, insondáveis e com profundo recolhimento às intimidades que se subordinam apenas a fios condutores que impulsionam a consciência do ainda ser e dos desejos do viver.

O rígido controle social, o sumário julgamento e a repressão que a sociedade mantém sobre as pessoas idosas fazem com que se tornem amargas e silentes, porque são reprimidas. É necessário deixar aflorar a naturalidade dos sonhos e pesadelos dos cenários mais íntimos de quem não deveria se sentir incapaz e aniquilado. Expressar identidades e motricidades sexuais e desejos é muito importante em qualquer tempo de vida.

As atitudes preconceituosas são perversas quando impõem sequelas deprimentes. As privações pessoais que determinam freios à sexualidade, por descabidas admoestações expõem os que ousam exercê-la como atores promíscuos de “vergonhosa” erotização na velhice. Tais atitudes geram efeitos negativos sobre a qualidade de vida, o bem-estar e a perda de autonomia dos idosos.

É voz corrente que a subtração ou perda da atividade sexual possa apenas conviver com a “assexualidade”, esta tida como fato normal e irreversível. É preciso desmistificar a concepção errônea de que os idosos tornam-se “assexuados”.

Informações oriundas de relatos da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta de que 78,6 % de idosos consultados com mais de 80 anos declararam que a sexualidade não é um bloqueio intransponível e afirmam que esta limitadamente não se extingue.

Mais grave ainda fazem com as mulheres, onde o fenecimento da feminilidade e da atratividade são injustamente postos pelo preconceito em contraponto à beleza física, juventude e sexy appeal do corpo feminino. A menopausa é um grave limite falaciosamente imposto e aceito tacitamente pelo gênero feminino. As mulheres sofrem angustiadas em suas avançadas fases etárias e enfrentam maiores desvantagens no coro popular.

É bem verdade que as suas identidades estão intimamente ligadas à imagem corporal. Esta constatação se ampara na estreita dimensão estética e relega a compreensão de que a sexualidade feminina é sempre possível ao incorporar importantes componentes de mútuas atratividades como as caricias, ternuras físicas e verbais, olhares, beijos e, de sobremodo, diálogos e companheirismo.

O tempo é capaz de avolumar e diversificar os sentidos, sensações que se cristalizam em formas e atitudes heterodoxas de prazer derivadas dos desejos. O tempo é aliado, nunca inimigo. Este recicla a sexualidade, mostrando que no emocional através do afeto o amor é capaz de inventar a prática de atos sexuais, das preliminares, que podem ser mais determinantes porque derivados da extrema sensualidade.

Pode-se imaginar que estes atos extemporâneos e tardios são muito mais definitivos ao prazer do que a cópula em si, que tem muitos limites fisiológicos.

A sexualidade dominada pela sensualidade madura tem efeitos formidáveis quando são compreendidos e aceitos mutuamente.

A sexualidade tem que extrapolar a dimensão estrita da fisiologia humana. Homens idosos privilegiam a potência sexual e se contentam também com o prazer emocional, nem sempre o fisiológico. Por sua vez, mulheres, em sua maioria, sempre são seduzidas pela dimensão afetiva e veem como natural o fim da vida sexual na velhice. Primam pela proximidade afetiva, o carinho, o companheirismo. As mulheres têm vantagem definitiva,  pois não têm disfunção erétil.

Os que atingiram os limiares da idade, quando estabilizam sua libido, aceitam pacientemente seus limites, mas sofrem muito mais pela ausência de amor e de afeto do que pela invalidez fisiológica. Assim sendo, é presumível que ainda emanem desejos libidinosos atrelados a atitudes comandadas pelas emoções dos afetos.

A idade pedagogicamente nos ensina que as coisas são o que elas são e raramente o que gostaríamos que fossem. A sexualidade é um atributo da vida, nunca a sua essência. Viva a vida e admita-se que libido e desejos não têm fronteiras nem idades!

SENTIMENTOS DA IDADE, por Francisco Barreto

Renitentes, e imperativos como uma sombra, certos sentimentos me perseguem e me fazem deslizar constantemente na pessoal arguição: sou ou estou velho?

Sempre tive a constante cristalização de que ainda não sinto ter esgotado a cronologia da vida. Fragmentos e intensos sentimentos de juventude desmentem a minha idade. Nunca me sinto rígido como um código de barras submisso à tecnologia que impõe o dever.

Nunca me inquietei com as idades que tive. Vivi como um danado. Medo ou coragem não me recordo se os tive ao enfrentar os meus caminhos por mais tortuosos que tenham sido. Não sei se me acometeram também vacilos ou graves temores.

A morte sempre a releguei a uma condição de uma longínqua ideia com uma desprezível projeção. Calendários existentes, sempre os achei que o tempo e a sua inexorabilidade podem passar, as pessoas não.

Impetuoso e atrevidamente admito até hoje que não se devem perder paixões, e que é melhor se perder nelas pelos desejos com emoção.

Os acertos e os contrários defrontados até hoje fazem a minha mente vivamente querer conservá-los e fazer tudo de novo similarmente. Até por que há uma estranha dialética entre o amor e o desamor. Da vida sem a percepção da morte.

As coisas da vida real ou dos sonhos são o que elas são e nunca o que gostaríamos que elas fossem.

Paixões as tive e também as perdi. Cumpriram um pequeno ou grande ciclo de emoções. O que seria dos amores se não houvesse a evidência dos desamores. Agora, pouco importa. Em outros termos, nos termos de Camus, “o que seria da vida se não fosse a morte”.

Os anglo-saxões têm uma verbalidade extraordinária. “Não somos velhos. Apenas somos – ‘ageless like a wine’ – intemporais”. Até por que todos os idosos são mais interessantes pela sua renitente jovialidade, experiência e equilíbrio. Parece que hoje, mais do que antes, ser idoso é ser e estar up to date. Estamos na moda porque “temos crepúsculo no olhar”, como nos assegurou Rubens Alves.

Ao cérebro e à mente ativos não devem se sentenciar apenas frustações e cultivar saudades e lamentos pela nossa não mais juventude como nos sentenciou Marcel Proust na irrealizável “recherche du temps perdus”.

Devemos nos debruçar com alegria sobre o continuum de todas as nossas idades. Cumpre-nos apenas reinventá-las. Os tempos pretéritos e a idade provecta nos ensinam contemplar que a vida é como o mundo, é uma escola, e que após os aprendizados temos o direito de usufruir dos nossos intermezzos e pausas que nos reservam a recreação e o lazer, ou seja “le bonheur de vivre”, como nos revelou Matisse.

A genética responde apenas por um quinto das nossas vidas. O resto é caudatário apenas do estado de espirito que nos revelam os gênios geneticistas de Havard. A data de fabricação pouco importa. A libido não se aposenta, os sonhos demonstram que os mitológicos Eros e Psiqué já não têm subterfúgios e continuam vivos . O que nos ofende: é o infame preconceito da idade do que hoje se designa de “etarismo”. A morte é apenas um incidente técnico.

A sexualidade não se extingue, recicla-se ao seu tempo. E mais: são fundamentais o que nos ensinam as veredas da idade a sermos pacientes e sábios. A cada tempo se vão as longas partituras e ficam nas lembranças vividas preciosos adágios e que a cada momento, estes sejam dedicados à alegria e à doçura do verbo viver.

A genética tem segredos insondáveis. Cumpre-nos a cada momento domesticar as nossas improváveis façanhas. A nossa condição de veteranos impõem-nos limites às transgressões que o corpo já não mais atende. O espírito e as mentes não têm restrições ao ser e ao pensar que somos melhores do que fomos na juventude. Os desafios que nos impõe a vida não encontram respostas nas juris (prudências) da vida jovem que frequentemente se ampara na frivolidade e na esbórnia que frequentemente se cristalizaram em frágeis e inconsequentes desejos e energias.

Se já não somos, como erámos, temos que ser melhores porque a inteligência, a experiência e o intelecto abençoam as nossas idades. Todo tempo é tempo para abdicar de nossas medíocres impossibilidades e desafios. Só o tempo nos ensina.

Para além da tão questionada e aviltada “velhice”, as nossas úteis e serviçais bengalas nos conduzem também aos certeiros alvos da jovialidade equilibrada nos indicando passos seguros ao prazer de estarmos e sem tropeços sermos o que podemos e temos que ser. Já não trocamos lâmpadas, mas temos lumens a oferecer.

A dimensão temporal pode até ser curta, mas a vida bem vivida, ainda que, minutada, é longa e profícua. Os nossos caminhos podem sempre desembocarem em “blues zones” de prazeres.

(Fotos: arcevo do autor)