Bem que eu achei muito chique quando a minha amiga Suzana, há uns três anos atrás, contou que ia entrar no regime de Home Office. Agora assim, dizia ela, tem de tomar cuidado para não misturar demais a casa com o trabalho. Tem de ter um escritório, nada de levar o trabalho para o quarto; tem de tomar banho e se aprontar antes de bater o ponto, nada de trabalhar de pijama; tem de cuidar de encontrar os amigos, também, porque senão a pessoa fica muito isolada.
Na ocasião, invejei demais a vida perfeita da minha amiga. Sem trânsito, sem salto alto, sem encontrar aquele colega de trabalho que fala cuspindo nem outras inúmeras chateações de ter de viver nesse mundo de sair de casa todos os dias úteis com o único e obstinado desejo de voltar umas 10h depois. “Não me inveje, trabalhe”, pode ter pensado a minha amiga com a sabedoria exata das placas dos caminhões.
Eis-me aqui, aos sete meses de uma pandemia. Aborrecida. Exausta. Aplacada pelo mesmo trabalho remoto que um dia invejei como um sonho bom. De nada me valeram os conselhos da minha amiga. Até que eu tenho um escritório, mas permanecer ali concentrada para qualquer coisa são outros quinhentos. Quando não me interrompem o cansaço ou o desânimo, é a minha filha a xingar toda a escola online dela.
Ao contrário do conselho, ele, o trabalho, está sempre comigo por toda a casa: na cozinha, na sala e até no banheiro. Aliás, atire a primeira pedra a cara leitora ou o estimado leitor que não tiver atravessado a rica experiência de satisfazer a necessidade de número dois no meio de uma reunião importante. Câmera e microfone desligados, e esse delicioso alívio vai para o nosso querido chefe!
Além do mais, só o que fiz nesses meses foi trabalhar de camisola e passar o dia inteirinho com ela. Não falem da minha camisola, ela é ótima! Macia, arejada, e ainda esconde de mim os quilos sobressalentes da pandemia. Muito prático: a gente acorda, pula da cama, prende os cabelos e vai trabalhar. Quando tem mais coragem, lava o rosto. Lá pra depois do almoço, após vencer o combate contra a pia lotada, a gente toma um banho e troca de camisola.
Por último, a parte de encontrar os amigos depois do trabalho. Aquilo de estar passando bem pertinho da sua casa, então venha tomar um café; essa coisa de brindar a pouca alegria da vida numa mesa de bar qualquer. É quando tenho mais vontade de ser normal e esquecer o compromisso de preservar a espécie em extinção das pessoas isoladas.
Deixemos mais uma aos caminhões: “Jamais inveje o que não conhece muito de perto”.