SURTO DE ESTUPIDEZ, por Babyne Gouvêa

Cena de ‘Amarcord’, de Fellini

As manifestações em frente aos quartéis me despertaram curiosidade em observar in loco o comportamento dos participantes.

Simulei fazer compras em lojas posicionadas em frente ao Grupamento de Engenharia, na avenida Epitácio Pessoa e, posso afirmar, a visão foi perfeita para o que eu queria.

Percebi que os presentes eram de meia-idade e idosos, todos vestidos com as cores verde e amarela. Olhando as cenas, mergulhei fundo nos momentos que o cinema me proporcionou. Pensei logo em Federico Fellini, diretor italiano, que daria tudo para registrar aquela bizarrice.

Na calçada, um grito chamou a minha atenção. Vi um homem numa árvore urrando pela intervenção militar. Achei que estava vendo o Tio Teo, personagem louco felliniano do filme Amarcord.

Faltou a freira anã, a única que conseguiu domar o Tio Teo e o fez descer da árvore. O tio louco (grande interpretação de Ciccio Ingrassia) sobe ao cume de uma árvore e diz que quer uma mulher, diferentemente dos gritos do golpista histérico provocador de vergonha alheia, em situação não ficcional.

As cenas eram grotescas, em nada diferentes das demais ocorridas no país. Grupos brancos difusos, desorientados, sem direção. O Hino Nacional cantado em diversos tons, de forma correta por uns e dissimulada por outros.

Terços em mãos de algumas mulheres, que suplicavam com o olhar fixo no céu. Certamente, Deus devia estar pensando em conceder intervenção psiquiátrica já. Seria viável para os transtornados. A sensatez divina não falha, é certeira e magnânima. Creio nela.

Enquanto isso, as redes sociais à toda, conclamando os “patriotas” para um lanchinho à frente do quartel com direito a outras refeições. Paralelamente, a população de fato faminta é esquecida e preterida dos banquetes em reverência à unidade militar.

Outra coisa chamou a minha atenção. Percebi que não havia unanimidade entre os manifestantes sobre as razões de estarem ali. Uma vez me sentindo mais à vontade no meio deles, troquei pequenos diálogos com os mais receptivos.

Os motivos eram vários, da invocação da intervenção militar (sem conhecimento de causa) ao simples estado delirante, num estilo Maria vai com as outras. Obtive informação de um deles que a ordem era manter as manifestações até a culminação do golpe.

A histeria coletiva foi assim instalada. Imaginem se o espírito de Jim Jones – aquele reverendo que matou 908 pessoas envenenadas, na Guiana, em 1978 – resolve baixar em um dos mandantes dos atos delirantes, atingindo os reféns da estupidez!

LÁGRIMAS DE NATAL, por José Mário Espínola

Na calçada do Grupamento de Engenharia, manifestante pede ‘socorro’ militar contra a democracia (Imagem: YouTube)

Até alguns anos atrás, a decoração de Natal dos logradouros de João Pessoa era destaque entre as capitais do Nordeste.

Predominantemente, as árvores das nossas principais avenidas, praças e parques, envoltas em listas de luzinhas brancas brilhantes, exibiam efeitos belíssimos e inusitados, como a aparência de casais de namorados abraçados nos canteiros.

Podiam ser vistos, também, os símbolos que tradicionalmente adornam as árvores de Natal de nossas casas: bolas, botinhas, pirulitos, trenós, renas, todos coloridos e pendurados nas árvores, deixando claro o sentido da época.

Por dois meses, a cidade entrava no clima da festa, para a alegria de todos aqueles que percorriam as nossas artérias.

Neste final de novembro, porém, percorremos a Avenida Epitácio Pessoa, cartão postal da cidade, e ficamos decepcionados com o que vimos.

A princípio, a decoração parece resumir-se a tiras de luzinhas brancas, cadentes, oferecendo um belo efeito de pingos caindo. E só. Espero que a administração nos surpreenda, mas até o agora é só o que tem para mostrar.

Passado o primeiro momento, começamos a pensar: com que se associa essa ornamentação? Pingos luminosos? O Natal não é associado a chuvas. É associado universalmente à neve, devido à sua origem no hemisfério norte.

Aqui no Brasil, a estação não é chuvosa: o verão é mais representado por calor, raios solares e praia, muita praia. Não por pingos de chuva caindo das árvores.

Foi quando, seguindo a Avenida Epitácio Pessoa, com tristeza descobrimos o verdadeiro significado da nova decoração natalina.

Pois ao longo da avenida, à altura do bairro de Tambauzinho, estão acampadas centenas de homens e mulheres, enrolados em bandeiras do Brasil, vestindo trajes verde e amarelo, ocupando as calçadas do quartel do I Grupamento de Engenharia e das lojas, farmácias e clínicas dos arredores do quartel.

Até butiques especializadas em patriota chic podem ser encontradas nas calçadas, muito disputadas, naquele trecho da Epitácio.

Lá, manifestantes passam a noite fazendo apelos patéticos aos militares, choramingando por cima dos muros do quartel, pedindo socorro para que os salvem de ameaças anacrônicas e surrealistas.

Desesperadas, essas pessoas chegam a enviar com os seus ricos celulares apelos delirantes para eventuais marcianos que estejam passando sobre o local.

Exibem também faixas com apelos para que as Forças Armadas tomem a atitude criminosa de violentar a Constituição, persigam e prendam autoridades,  quem eles acham que não é verdadeiro patriota e acabem com a liberdade daqueles cidadãos que não apoiam o quase ex-presidente derrotado na última eleição, apesar de ter usado de tudo o que foi expediente desonesto para comprar votos.

Ele desviou criminosamente verbas da Saúde e da Educação, além de outros órgãos federais, para serem torradas no nefasto orçamento secreto, comprando escancaradamente o apoio dos deputados do Centrão e respectivas carteiras de votos. Não colou!

Em consequência, universidades e institutos superiores federais tiveram suas verbas bloqueadas e desviadas. Desse modo, não têm como pagar água, luz e telefone; internet, limpeza e segurança. Não têm, portanto, nenhuma condição de funcionamento.

Já as verbas desviadas da Saúde, com a cumplicidade das altas autoridades da área, estão deixando UPAs, PSFs e hospitais sem dinheiro para comprar medicamentos, soro, analgésico, esparadrapo.

Os hospitais também não conseguem realizar exames nem higienizar enfermarias nem leitos. Cirurgias estão suspensas, atendimento ambulatorial também.

As Farmácias Populares não têm medicamentos para oferecer aos milhões de hipertensos, diabéticos, doentes renais e oncológicos. As consequências são a cronificação de doenças e até mesmo a morte por falta de remédios. A expressão “morrer à míngua” está em moda.

Do seu lado, as escolas não têm material escolar para oferecer aos seus alunos, a quase totalidade carente. Nem as refeições que os atraiam para as escolas estão sendo distribuídas. Muitas vezes nem mesmo lanches. As creches estão fechando, com prejuízo para as mães, que não podem trabalhar porque não têm com quem deixar os seus bebês.

O resultado é que estamos assistindo a uma evasão escolar em massa. Esses meninos e meninas passaram a engrossar o Bloco dos Famintos nas ruas e nos sinais das cidades.

***

Está explicado o verdadeiro sentido da nova decoração natalina de João Pessoa. Ela não simboliza pingos de chuva. Na realidade, são lágrimas derramadas pela natureza, triste com o surto de insanidade que grassa na elite da nossa sociedade e de várias cidades do Brasil. Sem que ainda existam vacinas para essa doença.

É inevitável recordar uma paródia da última estrofe da marcha Rancho da Goiabada (que me perdoem João Bosco e Aldir Blanc!), adaptada para o momento:

São patriotas, são pastores, são fascistas
Aristocratas, fazendeiros, elitistas
Palhaços, marcianos, canibais, lírios, pirados
Dançando dormindo de olhos abertos à sombra
Da alegoria dos faraós embalsamados

Chora, Brasil…