HOLOCAUSTRUM NOSTRO, por José Mário Espínola

Corpos de prisioneiros amontoados em Auschwitz (imagem copiada de Instituto Humanistas Unisinos)

Foi chocante! Inacreditável. Será possível que o lado pior da história tenha se repetido?! Pois é o que está acontecendo no nosso país. Contra o nosso povo. Nos últimos dias, o Brasil assistiu estarrecido a cenas que de repente trouxeram à baila a lembrança dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Foram divulgadas imagens de índios da etnia yanomami. Nelas, vemos homens, mulheres e crianças esquálidos, em sua maioria esqueléticos mesmo. Apresentam estados físicos e clínicos idênticos aos das vítimas dos nazistas encontradas nos campos de concentração, ao final da guerra, após a libertação dos territórios ocupados.

É triste ver a história se repetir nos seus piores aspectos. Mas ao longo dos últimos quatro anos vínhamos assistindo no nosso país a tentativa de se impor uma ideologia cruel, a política de perseguição a grupos distintos.

Se outrora, na Alemanha nazista, foi contra judeus, comunistas, homossexuais, negros, ciganos, nos últimos anos foi gritante a perseguição a nordestinos, pretos, pobres, esquerdistas, índios, homossexuais. Contra todos, enfim, identificados como possíveis adversários dessa nova ideologia desumana. E que quase conseguiram através da tentativa de um golpe frustrado, contra o regime democrático e tudo o que este representa.

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Ao ocupar os territórios até então dominados pela Alemanha (inclusive na própria Alemanha), nos estertores da Segunda Grande Guerra, as forças aliadas se depararam com algumas das piores cenas de horror do mundo moderno: os campos de concentração nazistas.

Lá dentro encontraram incontáveis corpos em valas comuns. E muita cinza nos seus respectivos crematórios. A maioria desses campos da morte era dotada de câmaras de gás, onde eram assassinadas coletivamente as vítimas do nazismo, obedecendo à política de Estado criada por Adolf Hitler e seus mestres do horror, com destaque para Heinrich Himmler e Reinhard Heydrich.

Com o primeiro Hitler deixou a responsabilidade de solucionar os gastos de alimentação e acomodação com as hostes vencidas, e também com os seus inimigos internos, que vinham se acumulando desde 1933. Himmler passou essa tarefa para Heydrich.

Cognominado o Açougueiro de Praga, Heydrich foi o Arquiteto do Holocausto do nazismo. Ele planejou e executou a morte de judeus, comunistas, negros, homossexuais, ciganos, e todos aqueles que foram considerados inconvenientes para o regime nazifascista.

Tratava-se da política de extermínio em ritmo de produção industrial, que Heydrich elaborou e executou com toda a sua competência.

Ele seria assassinado em um atentado no dia 4 de junho de 1942, aos 38 anos, na cidade de Praga, para onde havia sido nomeado por Hitler para o cargo de Vice-Protetor da Boêmia e Moldávia.

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Ao final da guerra, o espetáculo que se revelou diante dos olhos dos Aliados era realmente dantesco: elevado número de homens, mulheres e crianças esquálidos, em sua maioria esqueléticos mesmo, espalhados por esses lugares de horror que eram os campos de concentração. E muitos corpos insepultos.

Sobraram poucos vivos para contar a história. Mas foi o suficiente para testemunhá-la perante o mundo horrorizado.

A maior parte dos cidadãos alemães era nazifascista, mas desconhecia o que se passou nos campos de concentração. Ou fazia vista grossa, como se dissesse: “Não é comigo”. Eles diziam que era mentira dos vencedores. Foi necessário obrigá-los a ir até lá, aos campos da morte, para que vissem com seus próprios olhos o que acontecera. Em muitos casos esses cidadãos “respeitáveis” foram obrigados a enterrar os corpos insepultos.

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Para fugir da responsabilidade pelos crimes que cometeu contra a humanidade, vendo a inevitável derrota, Hitler suicidou-se com um tiro na cabeça. Antes, ele matou Eva Braun, por decisão desta.

Os outros grandes expoentes do nazismo tiveram fins semelhantes. Os suicídios de Joseph Goebbels e sua esposa Magda foram levados pelo fanatismo: eles decidiram que não tinha sentido existir sem o seu líder, Adolf Hitler.

Mas o toque de crueldade foi que, antes de se matarem, eles assassinaram os seus seis filhos, pois não admitiam que eles vivessem em uma Alemanha que não fosse nazista.

Heinrich Himmler suicidou-se com uma cápsula de cianeto, pouco depois de ser capturado pelo exército britânico. Ele tentava fugir da Alemanha disfarçado, mas foi reconhecido por um sargento inglês.

Hermann Goering foi capturado pelas tropas aliadas. Ele foi condenado à forca no memorável julgamento a que ele e outros nazistas foram submetidos na cidade alemã de Nuremberg, sede do tribunal penal internacional criado para julgar os crimes contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra.

Goering suicidou-se antes do enforcamento. Mastigou uma ampola de veneno duas horas antes de sua execução. A teoria mais aceita é que a ampola lhe tenha sido passada pela esposa, num beijo da morte.

Outros nazistas tiveram melhor sorte, fugindo para países simpáticos, à época, a essa ideologia, como a Argentina e o Paraguai de Stroessner e até mesmo estados do sul do Brasil que ainda hoje têm grande concentração de alemães, caso de Santa Catarina.

Mas as figuras do segundo escalão do nazismo foram julgadas e condenadas, a maioria à morte por enforcamento.

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A tragédia yanomami revelada há pouco ao mundo parece ser o fio de uma longa meada de crimes cometidos contra a humanidade nos últimos quatro anos, por autoridades brasileiras. A investigação independente pela justiça, sem a interferência das autoridades federais, é que será capaz de comprovar quem são os responsáveis por esse e outros crimes que inevitavelmente virão à tona e serão denunciados.

Paralelo a isso, já se faz notar o movimento de suspeitos na tentativa de fugir à responsabilidade. Alguns já se ausentaram do país. Outros estão providenciando cidadanias estrangeiras (italianas, por exemplo), com a nítida intenção de preparar um plano de fuga para escapar da lei.

Outros mais aproveitaram o fato de ainda vivermos em um regime democrático e conseguiram se eleger para algum lugar no Congresso, tentando esticar a própria impunidade.

A desumanidade contra os ianomâmis não ficará impune. Serão responsabilizados aqueles que por ação ou omissão favoreceram o garimpo ilegal e a exploração predatória da floresta, com isso matando de fome e sede esses indígenas. Aí estão incluídos o ex-presidente, que traçou essa política da crueldade, justificando-a como uma necessidade econômica para o Brasil, e o seu vice, que ficou encarregado da proteção da Amazônia e deu no que estamos vendo.

Também há que ser investigado e julgado o ministro passador de boiadas que, tal e qual o Arquiteto do Holocausto, deu materialidade e pôs em prática o programa de genocídio do povo amazônico. A ministra responsável pela “salvação” da família branca e evangélica também tem o que explicar à nação brasileira.

Os ministros da Justiça do governo passado também têm explicações a dar: por que desmontaram a Funai, abandonando o principal órgão de atuação da causa indígena?

Será investigado, ainda, o papel das Forças Armadas, que tem a responsabilidade de proteger as nossas fronteiras, inclusive a Amazônia, e fez vista grossa para a sua ocupação por quadrilhas, sob a tolerância do então vice-presidente.
Enfim, esperamos que um dia todos sejam submetidos a um novo, amplo e justo Julgamento de Nuremberg para responderem por acusação de crimes contra a humanidade.

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Vendo as imagens de sofrimento dos ianomâmis, vem a pergunta: algum brasileiro, por mais fanático que seja; por mais aversão que tenha ao governo eleito; por mais religioso praticante que seja; por mais preocupado com família, política de costumes… Enfim, algum brasileiro será capaz de justificar o horror que aconteceu a esse povo?

Não acredito. Nada justificará tamanha infâmia.

  • Ilustrações: o horror da fome e desnutrição em cores (yanomamis) e em preto e branco (judeus na Alemanha nazista)