Manhã de supermercado. Vagueio por entre gôndolas quando me chegam os acordes de um hino que eu costumava ouvir aos meus 11 ou 12 anos.
Pronto, bastaram-me as primeiras notas para eu recordar, de imediato, os versos que supunha perdidos num recanto qualquer da memória: “Senhor meu Deus, quando eu maravilhado/contemplo a tua imensa criação./A terra e o mar e o céu todo estrelado/me vêm falar da tua perfeição./Então, minha alma canta a Ti, Senhor/Grandioso és tu”.
Deixo as compras aos cuidados de dona Miriam e saio em busca do camarada que soprava aquilo, à perfeição, numa gaita de mil encantos.
Reparo como são inexplicáveis essas coisas da mente e do espírito. Juro como senti o cheiro da pipoca estourada do outro lado da rua, em frente ao Cine São José, cujas portas logo mais se abririam para a matinê.
O bairro de Coqueiral, no Recife, apareceu-me por inteiro ao som daquela gaita: a Igreja da Tia Mariinha que me queria um pastor adventista, a linha do trem no meio da rua e o cinema em cuja calçada eu comprava pipocas e gibis.
Ah, Coqueiral… O lado esquerdo, para quem sai da estação, conduzia-me ao recolhimento e às preces. O lado direito, ao pipoqueiro, à banca de revistas e à bilheteria do cinema. Se dependesse da Tia querida eu nunca atravessaria aqueles trilhos. Era carão antes e carão depois das matinês.
“Deixa o menino, Mariinha”, até isso, a defesa do Padrinho Tito, o sopro daquela gaita me trouxe aos ouvidos. Padrinho, sim, com vela e pia batismal, na Igreja do Padre Gomes, em Pilar, onde a irmã mais velha da minha mãe tomou-me nos braços para a primeira apresentação formal a Deus. Na época, ela e o marido eram católicos.
No meu coração de menino cabiam o hino e o cinema, cada um por vez e a seu tempo. Em idade provecta, cabem-me, hoje, todos os bons credos e atos de boa fé. Coqueiral, com seus dois lados, deu-me esse prumo e essa balança.
Ao que li, o “Grandioso és Tu” tem música de autor desconhecido e versos compostos pelo sueco Carl Gustaf Boberg, num verão de 1895. Houve a tradução para o inglês em princípios do Século 20 feita por Stuart Hine e, daí, para idiomas sucessivos. A versão em português deu-se por obra e graça do hinólogo João Gomes da Rocha, em 1938. Seu cantar combina com todos os templos e credos porquanto exalta as realizações divinas.
Vejamos outros versos: “Quando as estrelas, tão de mim distantes,/vejo brilhar com vívido esplendor,/relembro, oh! Deus, as glórias cintilantes/que meu Jesus deixou, por seu amor./ Então, minha alma canta a Ti, Senhor”…. Fazer o quê?
Aproximei-me do gaitista, comprei-lhe um disco e o fotografei. A tempo: chama-se Jediel Veras e costuma fazer ponto em espaços de grande público.
(Imagem: foto pinçada do Canal que o artista mantém no YouTube)