NOITE INESQUECÍVEL, por José Mário Espínola

Imagem meramente ilustrativa copiada de dessiral.blogspot.com

Este é um São João inédito para nós. Ora, quem diria, São João sem fogos?? Muito fraco… Impensável para mim.

Até mesmo quando moramos em São Paulo comemorávamos esta noite tão significativa para nós. Pelo menos um vulcão nós soltávamos, para homenagear Chico Espínola, meu pai, que nos acostumou a gostar de fogos e comemorar a data. Mas outras deliciosas lembranças a noite de São João me evocam.

Escuto ao longe, muito longe, lá na Tambiá dos anos 50 e 60, a sanfona tocada com tanta graça por Mabel Teixeira. Era na casa de um amigo muito querido por todos nós, Alberto Teixeira, que considerávamos um tio.

As festas juninas eram sempre muito bem comemoradas por sua família numa noite inesquecível, visto que também coincide com o aniversário de seu filho Beto.

Lá, a festa de São João começava bem mais cedo, ao amanhecer o dia. Pois bem cedinho Dona Lindalva, esposa de Seu Alberto e mãe da família Andrade Teixeira, ia até o Mercado Central e comprava mãos de milho verde, selecionadas criteriosamente por ela.

Em casa ela comandava pessoalmente um time de cozinheiras e assistentes de cozinha, debulhando todo o milho, que moía em seguida. E rapando côco para extrair o leite. Comprava a melhor manteiga do mercado.

Depois elas cozinhavam a mistura, mexendo sem parar, fazendo muitas travessas de canjicas e pamonhas, bolos de milho e pé-de-moleque.

A cena da atividade febril na cozinha é coisa de cinema, no melhor estilo de “Vatel, Cozinheiro do Rei”, excelente filme francês com Gerard Depardieu.

No final da manhã nós, meninos, disputávamos às tapas para raspar o fundo dos tachos. À tarde a casa era lavada, o assoalho rigorosamente esfregado, depois toda decorada por balões, bandeirolas coloridos e muita palha decorada pendurada nos pilares. As cadeiras eram afastadas para junto das paredes. Estava pronto o cenário para o filme da noite: A Quadrilha!

Enquanto isso, lá fora Seu Alberto administrava a construção de uma das suas marcas: a fogueira. Esta tinha uma estrutura encorpada, à altura do telhado da casa, um bangalô inglês estilizado.

Cedo da noite começavam a chegar os convidados. Entre eles, nós, da Família Espínola. Compareciam também muitos amigos e colegas dos filhos Teixeira, que eram oito: Fernando, Beto, Mabel, Olivia, Ângela, Regina, Artur e Lucinha, todos muito bem relacionados. Apareciam também os paqueras das meninas, todas muito bonitas, e nessa noite vestindo alegres e coloridos trajes juninos.

O som da sanfona de Mabel era o que dava início à comemoração e fazia a Quadrilha começar. Geralmente era Carlos Joubert quem fazia a marcação da quadrilha, dava o ritmo.

Os casais desfilavam pelos corredores da casa, arrastando os pés ao som da música. Depois se perfilavam na sala de visitas, obedecendo à marcação:

Anavantú!
Anarriê!
Chã de damas!
Chã de cavalheiros!

E por aí ia…

Logo após o encerramento da Quadrilha, no jardim lá fora começavam as batalhas de fogos. Mas se engana quem pensar que eram traques e bombinhas inocentes.

Na luz da fogueira, que iluminava todo o terreiro, Fernando, Beto e os amigos, a turma mais velha, deflagravam guerras de buscapés, mijões e bombas que nada ficavam a dever aos morteiros militares.

Outra figura que a gente não esquece era Chimba, a cadela boxer de Seu Alberto, tão fiel a ele que parecia um tapete marrom deitado debaixo da sua rede, no terraço.

Chimba não tinha medo de fogos: corria atrás dos mijões e segurava-os pela boca, às vezes se queimando.

A festa avançava até tarde da noite, quando a fogueira finalmente arriava e só restavam as cinzas, que permaneciam fumegantes até o dia seguinte.

Eram realmente inesquecíveis as noites de São João dos Andrade Teixeira, que continuam lembradas mais de 60 anos depois.

Que saudades…