MEU PAI, por Babyne Gouvêa

Imagem: Portal Alegrete Tudo

Um amigo sugeriu e acatei – escrever sobre o meu pai, Inácio Henriques de Souza Gouvêa. Tentarei descrevê-lo, embora não seja fácil, por ele ter sido especial para mim.

Ele era bonito física e moralmente. Avesso radical à mentira. Sinceridade, muitas vezes, o fazia indelicado. Não se continha diante de erro do idioma, escrito ou verbal. De imediato, corrigia, fosse quem fosse. Mau hábito de higiene era demais para ele. Não suportava e procurava uma maneira de receitar algo para sanar o mal: “Passe um limãozinho e Leite de Rosas”. Achava que estava colaborando com o receitado. Este é um bom preâmbulo para o seu perfil.

De susto queria distância, um estrondo inesperado o deixava vermelho de raiva. Certa vez, deitado, tentando consertar algo embaixo do carro, passou o vendedor de macaxeira e anunciou o seu produto de venda, em tom alto. Ele se assustou, bateu a cabeça no silenciador e, prontamente, disparou uma frase inconveniente para ser escrita aqui. Mas abalado mesmo ficou o vendedor, que correu léguas com o grito. Esse gesto fazia parte do seu temperamento.

Chamava a sua caçula de “Meu Ai Jesus”. Uma vez no quintal, a filha pequena foi bicada por um galo. Foi o bastante para o galináceo apressar-se para não receber uma surra. Coitada da ave. Mas era uma das formas de manifestar proteção à filha.

Foi tesoureiro da Secretaria de Finanças do Estado da Paraíba. A sua competência e retidão diante do cargo eram reconhecidas por todos. Sabia desempenhar a sua autoridade com respeito e austeridade, contribuindo para o harmonioso desempenho dos funcionários. Vaidoso, usava sempre terno branco impecável, pulverizado com ‘Bond Street’. Sua elegância suscitava elogios dos colegas.

Após a aposentadoria exerceu o cargo de Diretor de Finanças do Esporte Clube Cabo Branco, clube pelo qual tinha paixão. Procurava não atrasar o pagamento dos salários daqueles que lá prestavam serviços. Motivo para ter se tornado admirado e estimado pelo corpo de auxiliares que, costumeiramente, o homenageava.

Gostava de jogar gamão e cartas, na sede central do mesmo clube. Há um coletivo de histórias hilárias dele nessas ocasiões. Jogava gamão, estava ganhando e chegava alguém que não lhe trazia sorte. Dizia ao ‘peru’ que fizesse o favor de se afastar porque tinha passado ‘isipra’ (azar) para ele. Supersticioso, ainda se levantava e rodava a cadeira algumas vezes para atrair bons fluídos.

Quando o adversário no jogo estava com mais sorte do que ele, falava: “Você está com uma sorte cornal”. E assim criava sucessivos termos engraçados, de melhor entendimento para aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

Empregava as suas criativas frases também em casa. Na velhice, gostava de lhe fazer companhia num jogo de dominó ou crapô (jogo de cartas). Ele se levantava, algumas vezes, e dizia eufemisticamente para mim: “Licença, vou verter água”. Era motivo para eu sorrir, com o conteúdo engraçado dito com o seu jeito sério.

Hipocondríaco, diariamente comprava fármacos antes de voltar para casa. Junto ao pãozinho, comprado na Padaria Fluminense ou na Flor das Neves, chegava com as últimas novidades do que era bom para o fígado, estômago e outros órgãos. E não abria mão da banana maçã, no almoço, para fortalecer o tecido muscular.

Fazia parte da fobia à doença o hábito de estimular espirros, no retorno ao lar. Primeira providência ao retornar era seguir para o quintal onde espirrava bastante para eliminar bactérias ou vírus, que porventura tivesse adquirido na rua. A lavagem das mãos era sagrada. Várias vezes ao dia. E quem chegasse na sua casa era convidado a se dirigir ao lavatório, numa espécie de imposição delicada.

Domingo era dia de acompanhar, pelo rádio, jogo do seu time de futebol – Fluminense. Ficava tenso e a alternativa era compensar no cigarro, consumido durante toda a transmissão. Muitas vezes a sua filha caçula se juntava ao seu entusiasmo. Quando o Flu vencia era uma festa. Motivo para iniciar a semana com bom humor. Porém, quando derrotado, imaginem os adjetivos dirigidos ao time vencedor.

Não era de dar gargalhadas, preferia ar sério. Seu sorriso era um leve movimento dos lábios. Costumava perguntar à filha menor: “Por que você sorri tanto?”. Ele não sabia que a simples pergunta já era ensejo para rir.

Aquela face sisuda escondia um grande coração. Podia emitir reprimendas, mas procurava auxiliar todos que a ele recorriam.

Gratidão é a palavra que mais se adequa por tê-lo como meu pai.