NUNCA ME ENGANOU, por Frutuoso Chaves

Conta-se que a invenção do bom velhinho, este ser de alma pura e vida dedicada à felicidade das crianças do mundo inteiro, teve inspiração na figura do Bispo Nicolau, um turco vindo ao mundo nos idos de 280 depois de Cristo.

Pois bem, naquele tempo Nicolau enfiava moedas nas chaminés dos habitantes mais pobres de Mira, a cidade onde vivia. A Igreja o santificaria 500 anos depois disso, em decorrência da profusão de milagres a ele atribuídos.

A associação deste personagem às celebrações de dezembro, fato ocorrido na Alemanha, logo se expandiria. Atribui-se ao cartunista alemão Thomas Nast, antes de 1900, as vestes em vermelho e branco do Papai Noel, como hoje são conhecidas. Antes disso, o homem podia trajar verde ou marrom.

Levado por Nast às páginas da revista americana Harper’s Weeklys, o bom velhinho, então assemelhado a um gnomo, teve os traços sucessivamente modificados até o ganho da barba e da barriga famosas. Já nos Estados Unidos, ele passou a vender Coca-Cola, a partir de 1931.

O mercado não perdoa. O fato é que Papai Noel também já foi propagandista de cerveja, vermute, cigarro e lingerie. Perguntem, por exemplo, à Dulloren, à Mojud, ou à Pall Mall.

Não é este, todavia, o maior dos seus defeitos. “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”, já lastimava o baiano Assis Valente. A marchinha “Boas Festas”, composta em 1932 para atravessar o tempo nas vozes de dezenas de cantores e cantoras, retrata a exclusão e a tristeza dos filhos de Jó. Não há presente sem dinheiro.

Defeito maior, porém, decorre do fato de Papai Noel haver-se apropriado da festa dos outros. Afinal, o aniversariante mais famoso de dezembro não é aquele menino nascido numa manjedoura, lá se vão mais de 2 mil anos? Pois é, esse cara nunca me enganou.

HISTORINHAS DOS TEMPOS DO LICEU, por José Mário Espínola

A COBRA

O bêbado adormeceu encostado numa árvore. A cobra que estava lá em cima, no meio da tarde começou a descer.

A caminho do chão entrou dentro da calça frouxa do bêbado, gostou do calor, enrolou-se, aninhou-se e adormeceu.

Lá pras tantas o bêbado acordou-se com vontade de mijar, abriu a braguilha, e puxou “aquilo” pra fora. Olhou pra baixo, certo de que segurava a piroca, e ao ver a cabeça da cobra perguntou-lhe:

– Ôxente! Onde é que tu arrumasse esses dois zóim?!

***

SALTA UMA BRAHMA!

Todas as noites era a mesma coisa. O bêbado chegava no balcão do bar, e fazia sempre o mesmo pedido:

– Salta uma Brahma estupidamente gelada!

Bebia várias, e sempre caía pela sarjeta, a caminho de casa.

Certa noite estava ele em sono profundo quando passou o tarado. Adepto do provérbio “chinês” que diz: “Conde bêbo num tem dono”, o tarado traçou o bêbado. Este acordou no dia seguinte muito incomodado, sem saber o que era. Foi pra casa.

Noites depois, a mesma cena: o bêbado em sono profundo na sarjeta. O tarado passou novamente, e novamente aproveitou-se do bêbado. Isso se repetiu por mais algumas semanas. Então, certa noite o bêbado entrou no bar e bradou para o balconista:

– Salta uma Antárctica estupidamente gelada!

Estranhando, o balconista pegou uma garrafa de Antártica, e enquanto servia o bêbado, perguntou-lhe:

– Você só tomava Brahma. Resolveu mudar?

O bêbado respondeu:

– Num tomo Brahma mais não! Brahma dá uma dor no reto, danada!

***

O INVERSO

O bêbado ia voltando pra casa bebinho, de madrugada, quando ouviu uma voz vinda do escuro atrás dele: “Bêbado!”

Olhou pra trás, e não enxergando nada, continuou no seu passo oscilante. A voz seguiu atrás dele: “Bêbado, bêbado!” E ele não via nada, só a escuridão.

Até que em determinado trecho do caminho, ao olhar para trás, passando embaixo de um poste aceso, viu um jacaré dizendo: “Bêbado! Bêbado!”

O bêbado enfureceu-se! Ficou indignado com aquele desrespeito, dobrou a esquina e ficou esperando o jacaré. Quando este virou a esquina e abriu a boca para mexer com o bêbado, este enfiou o braço pela goela e puxou o rabo, deixando o jacaré pelo avesso. E foi-se embora.

Não andou dois quarteirões, ouviu a voz inconfundível do jacaré: “Dôbabê! “Dôbabê!”

***

PROMOÇÃO IMBATÍVEL!

O machão embriagou a namoradinha linda e levou-a para uma praia deserta. Estacionou a Hilux entre as dunas e conduziu a namorada para a areia fofa da beira-mar. Aos poucos foi convencendo-a despir-se totalmente, e deitar-se.

Antes que conseguisse alguma coisa, a mocinha queixou-se que a areia estava incomodando-a. O machão, então, foi até a Hilux, procurou e encontrou uma esteira, trouxe até à mocinha, que estava dormindo, estirou a esteira, limpou a mocinha e deitou-a sobre a esteira.

Ao deitar-se sobre ela foi que notou que o vento dobrava a esteira, incomodando o casal, que não conseguia concentrar-se para o melhor.

Deixando a mocinha adormecida, voltou à Hilux, pegou quatro garrafas de Coca-Cola na mala do carro, retornou, fixou as pontas da esteira com as garrafas e, mais tarado do que nunca, atirou-se sobre a jovem, acordando-a excitada.

Mas logo ela começou a incomodar-se com os mosquitos, picando a mocinha nua. Então ele lembrou-se de que tinha um repelente na Hilux. E foi procurar.

Enquanto o machão estava procurando o repelente, passou um bêbado pela praia, e deparou-se com aquela cena: uma bela mocinha nua, deitada numa esteira de palha, fixada por quatro garrafas de coca-litro, adormecida. O bêbado olhou em torno, e como não viu mais ninguém, CRAU!

Depois levantou-se, pegou uma das garrafas, foi saindo da cena e disse, como quem voltado para uma câmera cinematográfica:

– Duvido a Pepsi-Cola faça uma promoção igual a esta!

***

FRÁGIL DELIRIO

O nosso amigo Ivo Bichara (foto), à época do fato que passarei a narrar, morava em Recife, ao final dos anos 60 do século passado. E foi lá que ele contou a meu irmão Silvino, a história que se segue.

Ivo foi o primeiro beatnik de João Pessoa. E ao longo da vida tornou-se hippie, permanecendo assim até vir a falecer, na última década do século passado. Faleceu no final dos anos 1990.

Ivo foi também um excelente enxadrista, mestre no sacrifício de peças importantes para alcançar a vitória. Jogava muito bem.

Pois bem, Ivo contou que certa noite, madrugada já avançada, ele voltava de porre para o apartamento onde morava, na Recife Velha, quando ouviu passos atrás dele. Ficou preocupado: alguém o seguia!

Nesses anos, a cidade era tranquila, segura. À noite só quem fazia medo eram as forças da repressão, pois estávamos vivendo o pleno AI5.

Mais do que assustado, Ivo ficou curioso: de quem seriam aqueles passos furtivos? A cidade em torno estava vazia, adormecida.

Ivo resolveu tirar a limpo. Ao dobrar a próxima esquina, atravessou correndo a rua e escondeu-se. Logo a seguir, ficou assombrado com o que viu!

Dobrando a esquina, surgiu um geladeira aberta, carregada de garrafas de Ron Montilla! Arrepiou-se todo, nunca tinha visto uma cena daquelas, as garrafas brilhando como que piscando para ele! E disparou pela calçada.

Mas logo freou os passos, pois ouvia o tilintar das garrafas de rum. E teve medo que elas se quebrassem.

E foi assim até chegar ao velho prédio em que morava: dava uma carreira com medo da geladeira, mas tinha que diminuir, temendo que as garrafas quebrassem e perdessem todo aquele rum.

Logo Ron Montilla Carta Ouro!

RUM AND COCA-COLA, por Frutuoso Chaves

Imagem: Wikipedia

Notícias recentes dos combates na Ucrânia trazem o desmentido de autoridades ucranianas ao propósito do uso de bombas sujas contra a Rússia. As boas casas do ramo definem como “suja” a bomba que combina material radioativo com explosivos convencionais. É coisa destinada à contaminação de área apenas restrita à da explosão. Mesmo assim, é ataque condenado pela arbitragem dos conflitos modernos com assento na ONU.

Os americanos não acreditam. Entendem que a acusação é pretexto de Moscou para a escalada da guerra. Daqui, do meu insignificante poleiro, não sei em quem confiar. Mas entendo que todas as bombas são sujas e todas as guerras são abjetas, indecorosas. Servem à dominação, à espoliação dos povos e somente ocorrem por haver quem ganhe com elas.

Vivi o suficiente para presenciar a Crise dos Mísseis, aquela de 1962, ano em que John Kennedy deu à Marinha de Guerra dos Estados Unidos ordem para afundar qualquer navio de bandeira soviética disposto a aportar em Havana. É que, dias antes, seus aviões haviam fotografado escavação em solo cubano logo identificada pelo Pentágono como providência para a instalação, ali, de foguetes russos. Isso significaria ogivas letais inimigas a menos de 200 quilômetros da Flórida.

A ONU interveio e Nikita Krushev desistiu da empreitada, mas não sem o mundo prender a respiração por dias sucessivos. A encrenca de hoje inverte o endereço. É a Rússia que agora trata de impedir a anexação da Ucrânia pela Otan, posto que isso significaria ogivas atômicas ocidentais a 300 quilômetros de Moscou.

Abstraído o fato de que os Senhores da Guerra sem elas não vivem (a indústria bélica em escala mundial não pode parar), ainda contribuem para o agravamento da presente crise os negócios trilionários do petróleo e do gás numa Europa em 40% dependente daquilo que os russos fornecem. Califórnia, para que te quero? – perguntaria o velho Biden.

As guerras, além disso, são o palco de muitas outras perversões, são o campo onde melhor atuam os agentes da devassidão e da indecência. Quem não lembra daquele ex-deputado, daquele predador de moças fragilizadas pelo desamparo e pela orfandade? Daquele sujeito que sugeriu à sua turma o roteiro criminoso do turismo sexual no Leste Europeu porque, ali, as garotas são pobres e, portanto, seriam ‘fáceis’?

É preciso dizer que as meninas da Ucrânia não são os únicos seres humanos na mira desse tipo de gente. Somem-se a elas as mulheres pobres de todos os continentes em tempo de guerra, ou de paz. E, assim também, todos os filhos da miséria sem distinção de raça, gênero e credo. Estes últimos, desgraçados e indefesos, não são menos explorados, individual e coletivamente.

Mas é preciso acrescentar que a história tem registrado a iniquidade em tom e amplitude até mais graves, pois cometidas, institucionalmente, para o riso e a satisfação da soldadesca. De quando em quando, o insulto, o deboche e a humilhação têm, de fato, a magnitude dos exércitos.

No início de 1940, as Irmãs Andrew, o trio que percorria as bases americanas no palco da 2ª Guerra Mundial, aconselhava às tropas uma visita a Trinidade. “Rum and Coca-Cola”, a música mais aplaudida, recomendava que, além desse coquetel, a rapaziada ali desfrutasse dos favores das belas caribenhas, mães e filhas, em busca de dólares.

Eis o refrão em tradução livre: “Bebendo rum e Coca-Cola/vá ao Centro de Cumaná/Lá, ambas, mãe e filha/trabalham pelo ianque dólar”. Os soldados iam ao delírio.

Todo o Caribe há muito estava sob as asas de Tio Sam. Cuba, particularmente, desde 1898, quando os Estados Unidos derrotaram a Espanha na guerra pela Ilha. O estopim fora o afundamento do USS Maine, enviado ao porto de Havana, para “garantir a segurança dos cidadãos e dos interesses americanos”, onze dias depois de o governo autônomo de Cuba haver tomado o poder. Uma explosão no paiol do navio – interna, segundo investigações posteriores – foi atribuída à sabotagem espanhola, precipitando o conflito açulado pelos jornais da cadeia Hearst e Pullitzer.

Nos anos de 1940, época das Andrew Sisters, o esforço de guerra americano já havia levado Hollywood a descobrir as pernas de Carmem Miranda e a cobrir-lhe a cabeça com aqueles imensos chapéus de banana. Walt Disney, em pessoa, era despachado, enquanto isso, ao Rio de Janeiro, onde criou a figura do Zé Carioca, cicerone do Pato Donald.

Um Getúlio Vargas, premido pelo torpedeamento de navios da Marinha Mercante brasileira por submarinos alemães empenhados em cortar o transporte de víveres e matérias primas, embarcava o Brasil na guerra e cedia o espaço da Base Aérea de Parnamirim às tropas aliadas.

No Rio Grande do Norte, que exportou o biquíni, o chiclete e a Coca-Cola para o restante do País, os americanos também encontravam os favores de Maria Boa, uma paraibana de Campina Grande, dona de cabaré e, então, no comando de moças fugidas da fome e da miséria. Ela chegou a ser homenageada com a inscrição do próprio nome na fuselagem de um dos B-25, os aviões que faziam estragos nas tropas de Hitler, Hirohito e Mussolini. Trinidade e Tobago, o pequeno país de língua inglesa nos costados da Venezuela, também era, na ocasião, base americana no transcurso dessa guerra.

Mas voltemos às três irmãs e seu grande sucesso musical, um calypso com milhões de cópias vendidas. Letra maledicente e desmoralizante. Nenhum cuidado com os brios da população nativa.

As irmãs, de qualquer modo, estouraram nas paradas de 1945 enquanto a música era pivô de outra batalha, a travada na Justiça por direitos autorais. Um compositor acusava o outro de plágio. Além do mais, havia, ali, a propaganda indevida de duas bebidas. Há quem diga que este fato, naquele momento, chegou a contrariar de modo mais sério o senso de ética e decência das pessoas de bem. Lastimável, não?