O pessoal, em Itaporanga, era chegado ao jogo do bicho, talvez em função da falta de outros lazeres, na cidade. Quando eu trabalhava lá, no Banco do Nordeste, lembro-me de uma senhora que me azucrinava todas as manhãs, na hora em que me dirigia ao trabalho, inquirindo qual o bicho que eu tinha sonhado.
Para não bancar o mal educado, inventava um sonho com determinado bicho, ela anotava para fazer, mais tarde, sua ‘fezinha’. Isto era uma constância!
Certo dia, um daqueles em que nossa serotonina amanhece muito baixa, quando abri a porta de casa para ir ao trabalho, lá estava ela. Foi logo me perguntando: “Abençoado, o que você sonhou, hoje?”. Um tanto quanto aborrecido, respondi-lhe: “Sonhei, dona Maria, com João, seu marido, correndo pela Getúlio Vargas”.
Fiquei, então, na expectativa de uma resposta dura. Mero engano! Ela olhou pra mim e disse: “Mesmo? Sonhastes com João? Vou quebrar a banca, hoje, vai dar cachorro! Obrigada, meu anjo!”
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Era comum os bicheiros interpretarem os sonhos dos clientes, para orientá-los sobre que bicho deveriam jogar. Muitas vezes eles ficavam por ali, esperando. Quando alguém chegava com um palpite, eles pediam para contar o sonho. E a partir daí davam a sua opinião. Mas o cliente ficava livre para jogar o que quisesse.
Certa vez, uma senhora chegou a uma banca para jogar e com o bicheiro travou o seguinte diálogo:
– Quero jogar no gato.
– Por que a senhora quer jogar no gato?
– Porque sonhei que o meu gato caiu do telhado.
– Jogue burro.
– Por que?
– Porque gato que cai do telhado é burro.
Deu burro!
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Mas a melhor, o maior exemplo da engenhosidade do exercício de raciocínio dos bicheiros, foi a da vaca. O cliente chegou e jogou 10 reais na vaca. O bicheiro perguntou por que. O moço disse que sonhou com duas vacas de caudas cortadas, esfregando os traseiros uma na outra. O bicheiro foi enfático: “Jogue cobra!”. O cliente não aceitou. Não deu outra: cobra!
O cliente voltou à banca para saber como o bicheiro sabia que ia dar cobra. Este fez uma exposição da sabedoria dos bicheiros: “Vaca de cauda cortada? Vaca surú. Uma esfregando o rabo na outra? Surú-cum-cú: COBRA!”.