A grade de programação do Canal Arts & Entertaimment, da NET, traz “O Grande Kilapy”, filme saboroso de Zezé Gamboa, homem que se tornou a mais importante referência do cinema angolano.
A narrativa fluida, segura, tem encanto especial para o público paraibano, em razão de passagens pela orla e prédios que assinalam a diversidade arquitetônica de João Pessoa. Chamam, particularmente, a atenção dos que moram, ou conhecem a cidade, as cenas tomadas diante da antiga sede dos Correios e Telégrafos e do Liceu Paraibano, prontamente reconhecidos.
Conta-se que Zezé Gamboa tomou-se de amores pela Capital da Paraíba ao participar da quarta edição do Cineport, o Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa aqui abrigado.
Ele teria enxergado grande semelhança da paisagem urbana local com a Luanda dos últimos anos da colonização portuguesa, onde parte do enredo transcorre. Os tratos com a Prefeitura Municipal iniciaram-se em meados de 1999 e, um ano depois, o pessoense deparava-se com as filmagens das quais participavam atores do quilate de Lázaro Ramos (com o papel principal), Antonio Pitanga, Maria Ceiça e nomes europeus a exemplo de Manuel Wiborg, Sílvia Rizzo, Filipe Crawford e Alberto Magassela, este último um ator moçambicano radicado em Lisboa.
Lázaro encarna “Joãozinho”, amante das noites e das mulheres, um boa-vida transformado em herói e retirado da prisão (com a libertação de Angola) para onde fora levado em razão de subtrações do Banco Nacional a serviço de amigos revolucionários, mas, sobretudo, como bom malandro, em proveito pessoal.
Ficcional, o enredo é um tanto anárquico. Começa num terraço de Lisboa, onde um amigo, provocado sobre o assunto, relembra as peripécias de Joãozinho. Ficção à parte, há artigos acadêmicos nos quais o filme é citado por incorporar aspectos desprezados da memória coletiva relacionada à colonização portuguesa.
O espanto ante o envolvimento amoroso de um negro com mulheres brancas e o inconformismo com a boa situação econômica de Joãozinho, ou seja, o racismo, ali emerge por trás da atuação da Polícia Política portuguesa.
O termo “kilapy” – está em todas as resenhas deste que é o segundo longa-metragem de Zezé Gamboa – vem da língua kimbundu e significa “golpe”, “tramoia”. Premiado em festivais sucessivos, o filme tem enredo palatável, ágil, resultante da sucessão de tomadas curtas. Mesmo nos momentos de maior dramaticidade, não há diálogos demorados, enfadonhos. Vale a pena vê-lo, ou revê-lo.