SOL E CHUVA, CASAMENTO DE VIÚVA, por Ana Lia Almeida

(Imagem: Exame/Stringer/Reuters)

O dia acordara ensolarado junto com Rita, às cinco da manhã, mas de repente desembestou a chover. Sol e chuva, casamento de viúva _ era a sua avó soprando-lhe uma lembrança do dia em que a menina Rita conhecera um arco-íris enquanto ela agora, já crescida, meio dormindo, meio acordada, se aprontava para o trabalho.

Ainda sonolenta, Rita saltava sobre as poças de lama em direção à parada de ônibus, os pés molhados escorregando nas sandálias, a barra da calça ensopada dos respingos que subiam do chão às suas pernas. Equilibrava-se como podia naquela caminhada de grandes obstáculos, uma mão ocupada com a bolsa, a outra com a sombrinha vermelha de bolinhas brancas. A sombrinha já era velha desde o inverno passado, quando D. Laura enjoara dela e resolvera comprar um guarda-chuva maior.

A bem da verdade, Rita não se agradara do presente. Mas onde já se viu recusar doação de patroa? A pessoa faz cara de feliz e agradece pela bondade de receber aquela coisa mais bonita do mundo quase sempre meio quebrada e vai-se embora sorrindo, nem que seja para abandonar numa próxima esquina.

Era o que Rita deveria ter feito, porque logo na primeira chuva três aros se quebraram e a sombrinha ficou meio capenga. Ainda assim, Rita a carregava para cima e para baixo, até mesmo em dias de sol, precavida, porque o tempo podia sempre mudar, como naquela manhãzinha.

Hoje, para completar, o vento dava uma de valente e acabou vencendo a disputa contra os aros restantes da sombrinha já tão sofrida, invertendo o arco do tecido de nylon, virando ao contrário aquilo que tornou-se definitivamente uma não-coisa de proteger da chuva, uma ilusão de não se molhar ainda mais. Na esperança de que o vento desvirasse a sombrinha, Rita conteve o ímpeto de abandonar o trambolho pelo chão e conseguiu chegar ao ponto de ônibus sem cobertura, ali se pondo à espera de destino melhor.

Quando o busú finalmente despontou na esquina, Rita ficou tão animada que foi logo se posicionando próxima à beira da calçada, esquecendo das pequenas tragédias da vida do cidadão comum. Tarde demais. A mecânica das rodas desacelerando sobre a hidráulica da falta de escoamento nas ruas da cidade resultava matematicamente no banho que Rita tomou.

Uma senhora que também aguardava o transporte, com a devida distância, levou a mão à boca, compadecida. Um rapaz que observava a cena da janela do ônibus não conteve a cruel gargalhada. Rita, encharcada, atirou a sombrinha na calçada antes de subir no ônibus. Pagou a sua passagem e atravessou a roleta. Mirou raivosa o rapaz da gargalhada, que prontamente cedeu-lhe o assento, arrependido. Ajeitou-se na janela, de onde pôde assistir o tempo virando de novo e a metade de um arco-íris despontando no pouco horizonte do seu trajeto.