FORÇA, MARROCOS! por Francisco Barreto

Rick’s Café, cenário de encontros e desencontros em ‘Casablanca’ (Imagem do filme)

Subitamente, o futebol me trouxe algumas remotas lembranças sobre a minha tênue convivência com o mundo marroquino. Revivi minhas andanças que tangenciaram as minhas proximidades com o diferente e extraordinário mundo árabe.

Até 1969, a única referência memorial era com o filme Casablanca, um clássico que ganhara o Oscar de melhor filme dos melhores roteiro e direção de Michael Curtiz, e que me evocou o romance do filme de 1942, estrelado por Ingrid Bergman e Humphrey Bogart. “Play again it, Sam”, o pianista-ator do Rick´s Café, interpretado este por Arthur “Dooley” Wilson o pianista que atendia à comanda lindamente feita numa certa cena em que Ingrid Bergman pedia para que Sam tocasse novamente a melodia “As Time Goes By”, uma inesquecível musica de Max Steiner.

Era tudo que sabia do Marrocos. Muito pouco. Apenas uma distante referência a Casa Blanca, cenários num hotel, o piano, as ruas da Medina, e a guerra de 45 nas cercanias. Décadas depois, seduzido pelo filme,  em janeiro de 1973, há 50 anos aterrissei no Marrocos, precisamente em Casablanca.

Estava comigo minha irmã Sandra. Fora apenas uma escala de dois dias. O suficiente para me sentir atraído pelo agitado e arriscado mundo árabe marroquino. Ir a Medina, ver a deslumbrante mixagem das arquiteturas mouriscas e o art-déco de Casablanca me deixou pasmo.

O deslumbrante Quartier Habous com seu formidável Mercado de Antiguidades nos deixou abismados e nos consumiu quase um dia todo. Exaustos, eu e minha irmã nos aboletamos numa pequena Riad, numa tenda árabe com estilo berbere plantada num um aprazível e lindo jardim e lá nos deleitamos com uma especialidade típica da África do Norte, um baratíssimo Cous Cous Royale que era uma caldeirada de variados tipos de carnes, exceto porco, acompanhando um cuscuz feito à base de sêmola de trigo.

Escoltava a formidável comida um molho com uma pimenta chamada Harissa, que não tocamos, pois sabia do explosivo efeito incendiário. A nossa má humorada malagueta era uma guloseima infantil comparada a Harissa.

Caminhamos por horas naquele extraordinário mercado, e tivemos uma inusitada abordagem de um berbere qualquer que em francês me perguntou sobre a mulher que estava comigo, a minha irmã, e antes que viesse me oferecer por ela um escambo qualquer, quiçá um dromedário, o adverti curto e grosso e lhe disse: “É minha esposa”. Conversa encerrada.

Em uma outra ocasião, o amigo Humberto Espínola enfrentou uma situação inusitada quando um grupamento berbere no interior do Marrocos manifestou o interesse de fazer um escambo qualquer com a esposa dele, Arlette, ao que, imbuído de seu DNA sertanejo de Misericórdia, brabo, reagiu. Entraram no carro e foram embora deixando para traz a barbárie.

A minha mais remota memória, poucas vezes quando aterrissou no Marrocos, sempre tinha sempre impulsos que recorriam a passadas incursões cinematográficas, estas de modo distante e impreciso me impregnaram fortes imagens do mundo árabe norte-africano.

Revendo as minhas lembranças sobre o Marrocos emergiu à minha lembrança outro belo filme, Beau Geste, com Gary Cooper e Susan Hayward sobre a Legião Estrangeira,  grupamento militar francês que atuava no Saara dando combate aos berberes e tuareges para assegurar o violento domínio imperial colonial da França com massacres em toda a África do Norte. Trouxe-me a película a aventura de ter estado com meu pai muito criança no Cine Plaza. O entusiasmo de meu pai com as cenas de combate naquele filme Beau Geste marcou para sempre minha memória, e a minha admiração por Gary Cooper, apesar do seu fanhoso sotaque americano.

Hoje, na ambiência da Copa do Catar, mergulho muitas décadas atrás refazendo as minhas imagens sobre o Marrocos, os árabes tendo hoje diferentes conceitos que me foram revelados pelas asfixiantes e xenófobas atitudes da França e dos franceses metropolitanos. Contra os árabes e nós brasileiros, quando confundidos com os mouros.

Contemplo hoje com prazer os marroquinos que demonstram a alegria e o orgulho de serem hoje os vencedores árabes, os mesmos que há séculos atrás enobreceram a península Ibérica, notadamente a Andaluzia tristemente massacrada pelos campeadores, como o tão decantado D. Rodrigo de Bivar, o El Cid.

Quem já esteve em Málaga, Granada, Sevilha, Córdoba, Jerez, Cadiz, Valencia, Alicante, Murcia ou Almeria saberá avaliar a histórica contribuição da civilização moura vinda de Fez, Marrakech, Rabat, Meknès e Casablanca, cidades imperiais do Marrocos.

Força, Marrocos,!