Eu não circulava pelo centro de João Pessoa há um bom tempo. Mas eis que amigos me recomendaram a busca do Terceirão, o Camelódromo instalado sobre um pedaço do teto daquele túnel escavado no eixo da Miguel Souto por baixo dos cruzamentos com a Visconde de Pelotas, a Duque de Caxias e a General Osório. E lá fui eu.
Não consegui estacionar, apesar da grande extensão de faixas apelidadas “Zona Azul” e do credenciamento obtido da Semob após o chá de cadeira numa dessas Casas da Cidadania. Cadê as vagas prometidas aos de idade avançada como a que hoje tenho e a Prefeitura confirma?
Assim atesta, mas atribui prazo de validade ao cartão de idoso que me concede. Para quê? Por acaso, o transcurso dos anos me rejuvenescerá? Entendo que assim o faça apenas para abater um ânimo já alquebrado. É que bastaria ao fiscal a percepção das rugas e cabelos brancos que o tempo me deu sem que nada eu lhe pedisse. E entender, em seguida, que o transcurso dos anos, ao invés de remoçar, me agravará a situação. Portanto, o cartão de idoso sempre me será, a cada instante, mais legítimo, correto e válido. Pelo menos, até que a morte nos separe.
Desisti das vagas mais próximas do Camelódromo depois de três voltas e rumei até o pátio do antigo Colégio de Nossa Senhora das Neves, ao lado da Basílica, onde pude estacionar. Fechei o carro e dali subi a pé até a esquina da Biblioteca Pública, ponto onde começa o primeiro corredor da série imensa de boxes especializados, em sua maioria, na venda e conserto de produtos eletroeletrônicos.
Eu procurava casca e tela novas para o tablet que o neto trincou com a licenciosidade dos seus poucos anos de idade. Dias antes, na oficina autorizada, o atendente olhou-me como se eu fosse um marciano quando pedi o orçamento para o reparo. “Melhor comprar outro”, sentenciou. “Isso foi presente de um filho, meu camarada. Tem valor afetivo, insubstituível”, assim pensei, mas calei. Ninguém pode falar à consciência dos estúpidos.
E a imprevidência me fez rodar feito um doido nas ruas e no interior do Camelódromo. Desculpem, do Shopping Centro Terceirão, como está na placa da obra assim batizada em memória de Dorgival Terceiro Neto, o ex-governador, o sujeito mais informal que eu tive a oportunidade de conhecer em cargo tão importante (o dele, não o meu).
Bem que tentei, mas não consegui lembrar do nome do prefeito-tatu que por baixo daquilo perfurou aquele buraco todo. E perdi meu tempo. Não encontrei, também ali, casca nem tela do mesmo modelo. Contudo, ganhei a chance de observar umas tantas coisas. Aquilo é informalidade ao ponto da esculhambação. É território onde a China e o Paraguai dividem fronteiras sem rusgas nem ruídos. Imposto? Talvez, só aquele que a Prefeitura deva cobrar pela ocupação do solo nessa terra de ninguém.
A meio caminho, de volta ao carro, observei que o infeliz proprietário de um automóvel não deixa de pagar pelos cuidados dos flanelinhas, apesar de o fiscal da Zona Azul já tê-lo alcançado. Presumo, enfim, que seja melhor dispensar algum à turma da flanela do que ter o carro riscado.
Por curiosidade, retornei ao lar, já sobre rodas, pela Ladeira da Borborema até a Cardoso Vieira e, daí, pela Beaurepaire Rohan e Rua da República. Também, nessa área, quase já não há espaço para gente e carros. Então, senti saudade dos meus verdes anos, do tempo em que nossos pais ali podiam caminhar por calçadas livres, olhar vitrines e entrar em lojas a fim de escolher entre tantas outras coisas, sem barulho nem correria, os cortes de tecidos para a saia, a calça, a camisa ou o vestido preparados sob medida pelo alfaiate do Centro, ou pelas costureiras existentes nos bairros.
Na idade do primeiro salário, era eu que por conta própria percorria aquilo tudo, também sem pressa, à cata de sapatos e da roupa prêt-à-porter, invenção dos franceses que os americanos massificaram com seus jeans, sobretudo, com isso. Casei-me e, de certa forma, virei menino. Dona Miriam, sabedora das minhas preferências, incumbiu-se de me vestir. Desde, então, tem sido assim, o que, para tanto, me dispensa a ida ao comércio, mesmo o praticado nos shopping centers.
A aventura do Camelódromo mostrou-me um trecho da cidade no qual, por anos seguidos, eu quase tudo via pelo para-brisa. Fora do carro, pisei em outro mundo.