Continuo lá, com D. Laura. Os meninos crescidos, estudando, ficou melhor para mim. Nessa idade, você sabe, não dá mais para ficar correndo atrás de criança pequena. Já vou fazer o quê? Quarenta e… Sete! Não ria não, Aleide, jajá você também vai começar a esquecer. É tanta idade que a gente vai parando de contar. O tempo corre, também, repare que já faz mais de ano que a gente é amiga de ônibus, encontro marcado aqui, toda semana.
D. Laura está bem, sim. Esse pessoal vive bem, por mais que não achem. Sempre tem um grande problema que pra gente é pequenininho, é ou não é? Eu bem queria os problemas desse povo. Inventou crise de pânico com a mania de limpeza dela, foi pra médico de cabeça e tudo. Não pode ver uma sacola de supermercado que começa a suar frio. Sobra sempre para mim. É um tal de água sanitária em maçaneta, passar pano na casa três vezes por dia, banho de álcool nas compras, um aperreio só. Hoje, mesmo, minha filha, não foi moleza, a casa estava uma bagunça, ainda bem que tinha lugar aqui pra sentar porque minhas varizes vão estourar.
Você acredita, Aleide, que dia desses sonhei que eu era D. Laura tendo um piripaque desses que ela tem de vez em quando? Eu estava na sala da casa dela, é uma sala meio cafona, mas cafonice organizada, de gente que tem dinheiro. É um tal de quadro de foto de família misturado com santo e time de futebol na parede, que nem em casa de pobre, mas cheio de moldura dourada, não sabe? E a mobília da avó dela: uma mesinha de centro de madeira com um jarro de flor natural, que ela manda comprar toda semana; com mais dois cinzeiros chiques pra ninguém fumar, que ela é asmática; e também tem um troço de madeira, alto, que não serve para nada, só pra apoiar um calendário da igreja dela, com a Virgem Maria olhando praquelas janelas de vidro nas paredes de madeira.
“Rústico”, ela diz, D. Laura. Eu acho é brega, mesmo. Se eu tivesse dinheiro ia querer uma casa toda moderna, os móvi tudo novinho, jamais uns troços daqueles.
Pois eu estava lá, no sonho, bem sentada no sofá listrado, olhando para as flores, quando vi que o jarro branco da avó dela estava todo empoeirado, como se a empregada, que não era eu, lógico, tivesse esquecido de limpar. Aquela sujeira me descontrolava, subia um nervoso pelas pernas até a cabeça, eu começava a me tremer todinha. Eu caía no chão de tanto me tremer, quando acordei.
Trabalhar em casa de família não é fácil não, viu, Aleide? Tem uma hora que a gente endoida com as esquisitices deles. Vá com Deus, minha amiga, daqui a pouco chega meu ponto também. Só eu que falei hoje, depois você me conta as coisas do salão. Até pra semana, amém.