HERANÇA MALDITA, por José Mário Espínola

Congresso Nacional (foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

A vida mostra que a vaidade é o melhor artigo de se vender. Está na calça de marca, no carro do ano, nos óculos, sapatos, bolsas, cirurgias plásticas, botoxes, jóias, viagens do tipo “Eu fui para a Disney!”. Ou “Conheci 20 países em 20 dias!”. O vaidoso, ou a vaidosa, não mede esforços para satisfazê-la.

A propósito, dizem que a mulher é vaidosa por natureza. Eu não acho, são exceções. Por outro lado, conheço homens que se comportam como verdadeiros pavões.

No nosso mundo capitalista, a vaidade é estimulada já na infância, em peças publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação e voltadas para o público infantil, num estímulo deletério ao consumismo. Poucos escapam.

A vaidade é, portanto, inerente e exclusiva da espécie humana. A história tem muitos exemplos de atitudes vaidosas, e o que fizeram para satisfazê-las.

Reis, príncipes, condes, duques, marqueses vaidosos, famosos ou não, chegaram a cometer crimes para satisfazerem os seus desejos. Mas jamais eles conseguiriam se não tivessem o apoio de figuras como bajuladores, aristocratas, conselheiros e bobos da corte, todos pendurados nas tetas do monarca.

Mas eles não dariam esse apoio garantidor da vaidade senão comprados a peso de ouro.

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A história moderna também registra atitudes políticas impensáveis no momento atual da evolução, num país moderno, embora composto por sociedade atrasada. É o caso da reeleição.

Em 1998, principalmente para satisfazer a própria vaidade, mas também por outros motivos inconfessáveis, Fernando Henrique Cardoso moveu mundos e fundos (êpa!) para aprovar Proposta de Emenda Constitucional que permitiria a reeleição para cargos executivos: presidente, governador e prefeito.

Bem documentado à época, o esforço exercido por FHC causou escândalo entre os cidadãos honestos e de bom senso, que predominavam na sociedade da época. Não entre os políticos, como se viu, que já se mostravam como seriam no futuro. E assim FCH conseguiu a garantia de ser reeleito.

Por sua vez, eleito quatro anos depois, Luiz Inácio Lula da Silva, um dos cidadãos que mais estrebucharam denunciando a manobra de FHC, e que foi eleito em 2002 detendo a maioria na Câmara dos Deputados, ao tomar posse não teve a hombridade de enviar para o Congresso PEC que extinguiria a reeleição. Por omissão, agiu em causa própria.

Nós temos assistido, ao longo dessas quase três décadas, o imenso prejuízo que a reeleição tem causado ao Brasil. Ao tomar posse no primeiro mandato, o presidente, governador ou prefeito, em sua quase totalidade, não pensa em outra coisa senão em se reeleger. E passam quatro anos fazendo de tudo para alcançar esse intento. Tudo mesmo!

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Este é o caso do atual presidente, Jair Bolsonaro. Desde o dia 1º de janeiro de 2019, esse cidadão só fala em se reeleger. E só toma atitudes administrativas e políticas que possam concorrer para alcançar esse fim.

Para isso não tem escrúpulos. Compra tudo e todos que estiverem à venda no mercado negro da política minúscula, principalmente nesse limbo político chamado Baixo Clero, que ele conhece muito bem, pois foi de onde veio.

São muitas as manobras e atitudes que ele e sua turma têm tomado com esse fim. O caso mais recente é a PEC dos Precatórios.

Ano passado, o país foi paralisado pela grave doença que se abateu sobre o mundo, a pandemia de Covid 19, gravíssima, de imensa facilidade de contágio, podendo levar à morte ou causar a incapacidade física por longo período.

As autoridades de saúde, baseadas em estudos científicos aceitos por entidades respeitáveis, como a Organização Mundial de Saúde, recomendaram o isolamento para evitar o contágio. E o uso de vacinação em massa logo que surgissem vacinas de eficácia comprovada.

Era inegável que o isolamento refletiria de forma negativa sobre a economia. Porém evitaria o pior: a morte de um número elevado de cidadãos brasileiros. Por outro lado, permitiria salvar o maior número possível de pessoas até que chegassem as vacinas.

No Congresso surgiu projeto que visava criar um auxílio temporário para o exército de profissionais diretamente atingidos pelo isolamento: artistas, trabalhadores informais, faxineiras, pessoas que perderam o emprego pelo fechamento dos milhões de estabelecimentos em que trabalhavam pelo Brasil afora, e muitos outros brasileiros atingidos pela tragédia sanitária e econômica.

Embora tenha sido bem aconselhado pelo ministro da Saúde da época, o presidente Bolsonaro foi veemente e publicamente contrário à criação de qualquer auxílio.

A princípio, Bolsonaro sabotou como pôde a tramitação do Projeto. Quando viu que o auxílio seria inevitavelmente aprovado na Câmara Bolsonaro, fez de tudo para diminuir o valor que seria concedido.

Posteriormente, à luz da reeleição, e ao ver que a sua popularidade se derretia, ele correu para assumir descaradamente a autoria do benefício. Até aí, nenhuma novidade, considerando a falta de caráter.

As pesquisas mais recentes mostram que a popularidade do presidente derreteu tanto que já exala mau cheiro. Nesse momento, entram em cena os garantidores de vaidosos: bajuladores, aristocratas, conselheiros e bobos da corte, travestidos na forma de deputados federais, todos pendurados nas tetas do presidente.

Capitaneados pelo presidente da Câmara Artur Lira, de Alagoas (que no início do ano foi cooptado, no mínimo seduzido, por Bolsonaro), eles aprovaram em primeira votação uma PEC que vai permitir estourar o teto de gastos, instrumento criado para conter extravagâncias de presidentes irresponsáveis.

O estouro estimado é de 91,5 bilhões de reais, mas apenas 50 bi serão usados no bolsa-reeleição de Bolsonaro e de sua bancada, que vão rachar os 40 bi restantes com emendas parlamentares e otras cositas mas. 

Essa PEC representa um calote criminoso contra uma parcela da população, que poderá ser penalizada com a proibição de pagamento de parcela considerável de dívidas do governo com cidadãos que ganharam causas na Justiça em razão de prejuízos perpetrados pela União, especialmente em planos econômicos como o famigerado Plano Cruzado, que roubou as economias de imensa parcela da população.

Ao longo de décadas, prejudicados pela proverbial lentidão da Justiça brasileira, homens e mulheres que tiveram seus direitos finalmente reconhecidos esperam pacientemente ser ressarcidos. Agora, vão morrer sem receber o que é deles por direito.

Parte dessas dívidas de precatórios será usada para pagar a bolsa-esmola com a qual Jair Bolsonaro espera recuperar a popularidade, o que poderá garantir a satisfação da sua vaidade de ser reeleito presidente.

O auxílio-miséria que Bolsonaro autorizou poderia muito bem ser pago com a verba destinada aos partidos para financiar a eleição do próximo ano. Mas esses deputados não dariam de graça o apoio à PEC, que vai garantir a realização da vaidade de Bolsonaro. Eles não agem assim por “amor à arte”. De alguma forma foram ou serão beneficiados.

Votaram a favor de Bolsonaro e, portanto, contra os brasileiros que têm precatórios a receber, os deputados paraibanos Agnaldo Ribeiro, Edna Fenandes, Julian Lemos, Efraim Filho, Pedro Cunha Lima, Hugo Mota (que defende a PEC com unhas e dentes, pois é o seu relator), Rui Carneiro, Wellington Roberto e Wilson Santiago.

O único deputado paraibano que teve a coragem de votar em favor dos cidadãos que têm precatórios a receber foi o deputado Gervásio Maia.

Estão em jogo os direitos de milhões de pessoas simples, na maioria funcionários públicos esperando o resgate da economia de toda uma vida, o sonho da casa própria escorrendo pelo ralo da velhice, de quem talvez morra sem ver os seus trocados.

É esperar para ver se os congressistas da Paraíba fazem mesmo parte do grupo garantidor de vaidades do presidente ou se estão a favor dos brasileiros.