FALANDO PARA O MUNDO, Frutuoso Chaves

Conheci o antigo slogan da Rádio Jornal do Commercio, em fins dos anos de 1950, quando aportei no Recife para os estudos primários. Logo percebi como aquilo enchia de orgulho o peito de alguns colegas de escola. “Rádio Jornal do Commercio – Pernambuco falando para o mundo”, dizia, a todo momento, um locutor de voz grave, cheia e pausada.

Entendi, passado o tempo, que a frase, mais do que presunçosa, decorria dos esforços de F. Pessoa de Queiroz, o empreendedor disposto a revolucionar a radiofonia brasileira. O homem trouxera de Londres um equipamento para emissão de sinais em ondas Hertz, mais potentes e de muito maior penetração do que as até então irradiadas. Li, há pouco tempo, que a emissora instalada em 1948, no prédio luxuoso de oito andares, era a única, nas Américas do Sul e Central, a possuir oito torres de transmissão.

O menino que eu fui juntava-se aos da vizinhança para assistir ou comentar os capítulos de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, a radionovela escrita, originalmente, por Moysés Weltman para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e que, dado o sucesso de público, seria levada para a televisão, quando esta surgiu por estas bandas, e transformada em gibis. Na versão recifense, Jerônimo era interpretado por Geraldo Liberal. Não lembro o nome da moça que emprestava a voz para Aninha, a namorada do herói.

Tanto no Recife quanto em Pilar (durante as férias), a meninada quase toda mantinha, diariamente, um encontro marcado com Jerônimo, seus amigos e seus inimigos. As histórias – com influência forte do faroeste americano – eram levadas ao ar, a cada final de tarde.

Dávamos asas à imaginação. Para mim, Jerônimo era um sujeito moreno, alto e musculoso. O amigo Wolney, que também estudava no Recife e passava as férias em Pilar, o supunha loiro. Concordávamos, porém, que Aninha era branquinha e tinha os olhos azuis. O Moleque Saci, companheiro de Jerônimo, evidentemente, seria negro como carvão. Os passos mancos do Caveira a ressoarem nos corredores da casa de uma Aninha adormecida, sempre que isso ocorria, davam-nos arrepios. Diziam-me que eram feitos com o bater de quengas de coco sobre uma mesa. E que as mesmas quengas faziam o barulho dos cascos de cavalos. E os tiros? Bem, esses eram tiros mesmo, com balas de festim, assim assegurávamos com todas as certezas do mundo.

Certa vez, uma prima da minha mãe, de nome Terezinha, levou-me para um fim de semana em sua companhia, num sobrado da Rua da Aurora. Tinha uma escola de acordeon e era radiatriz, do “cast” da Tamandaré. Fui, na esperança de que ela me apresentasse a Jerônimo e já me deliciava com a inveja que de mim sentiriam Wolney e outros amigos, mesmo os do Recife, metidos a besta. Estes zombavam de Pilar. Vinguei-me, certa vez, com a informação de que minha cidade, apesar de pequena, era tão importante que dava nome a uma fábrica de biscoitos.
E houve quem nisso acreditasse.

Na sacada da Rua da Aurora, arregalei os olhos para os letreiros luminosos que, do alto dos prédios, eram reproduzidos nas águas do Capibaribe. As letras em neon acendiam uma a uma até completarem a mensagem. E apagavam todas juntas, noite a dentro, sem descanso nem cansaço. Ainda bem que Terezinha – orgulho dos parentes de Serrinha e Pilar – não me mostrou Geraldo Liberal. Imaginem, se assim o fizesse, o tamanho do desencanto… Um pouco balofo, de Jerônimo mesmo ele só teria a voz.

O sinal da Rádio Jornal do Commercio, forte e claro, também punha Pilar inteiro em contato com as agonias e os prantos de “O Direito de Nascer”. Vi, muitas vezes, minha mãe e minha avó enxugando as lágrimas compadecidas das dores de Maria Helena, uma mãe solteira na sociedade moralista. Eram tempos mais inocentes aqueles nos quais Pernambuco falava para o mundo.

É BOM ESCLARECER
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