TIA ERCÍLIA, por Babyne Gouvêa

Num instante de contemplação penso na minha Tia Ercília (foto), irmã do meu pai. Que as demais tias não fiquem enciumadas, mesmo em outro plano, mas foi a ela que, instanteamente, a minha mente se dirigiu. Inspiração sobre ela terei infinitas vezes.

Essa tia foi realmente marcante em minha vida. Era uma mulher que não se sobressaía por um belo rosto, mas o corpo era esbelto e realçava com todos os vestidos de cintura que costumava usar. Por baixo deles vestia uma combinação de seda para se sentir mais composta.

Usava sapatos salto baixo e, nem por isso, rebaixava o seu porte elegante. Seus cabelos grisalhos estavam sempre alinhados com uma discreta presilha, indispensável para segurar as madeixas muito lisas e finas.

Aplicava pó de arroz no rosto, um delicado tom de batom nos lábios e um moderado rouge nos seios da face, para amenizar a palidez.

Envolvia no colar uma medalha com o seu santo protetor, orgulhosa de sua devoção. Tinha um sorriso bonito a quem lhe era caro, mas sempre evitava apertos de mãos e troca de beijos. A sua acentuada misofobia impedia a aproximação de corpos. Costumava se borrifar com fragrâncias leves para não aborrecer o olfato de quem estava por perto.

O cuidado com a pele era estendido a todos com quem tinha intimidade. A sua cútis – era assim que ela falava -, era incrivelmente alva. Recomendava não se expor ao sol, e sempre usar uma sombrinha para se poupar das irradiações solares e suas consequências.

Mulher nascida no final da primeira década do século XX tinha consigo um arsenal de histórias que repassava para os sobrinhos, e eu era uma espécie de xodó por manifestar interesse em suas memórias. Sempre foi enorme a minha admiração por ela, como o amor aos livros – leitora de Camões, Dante Alighieri, Machado de Assis e tantos outros célebres escritores.

Escrevia poemas, transcritos no papel com uma grafia de provocar elogios pela beleza e esmero. Memorizava trechos do que lia e reproduzia com ênfase e oralmente para os seus familiares, despertando neles a curiosidade em saber de quem era a autoria.

Caprichava na pronúncia correta de todas as palavras, e os erres eram bem acentuados. Eram instantes prazerosos, dificilmente reproduzidos pelas atuais gerações.

A sua existência foi notável em minha formação. Do seu inesquecível legado destaco a retidão de caráter. Viveu sem conhecer a mentira. Alguém podia lhe contar algo absurdo e ela acreditava, porque no seu mundo não existia o moralmente incorreto.

Tia Ercília era entusiasta da juventude e abominava o fato de ter saído da mocidade – termo assíduo em suas conversas. Dizia sempre ser velha contra a sua vontade. Não demonstrava ter consciência de que a sua velhice era sábia e, contribuía, sobremaneira, para a formação intelectual dos seus sobrinhos.

Foi um prazer imensurável tecer palavras sobre essa criatura iluminada por quem tenho enorme gratidão – minha Tia Ercília.

É BOM ESCLARECER
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