O GRITO, por Frutuoso Chaves

Recorte do famoso quadro de Pedro Américo (Google Arts & Culture)

Pergunte-se à grande massa dos colegiais do Brasil qual o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante”.

Falo daqueles às vésperas do vestibular, recém-saídos de cursinhos, ou colégios caríssimos. À turma da escola pública desaparelhada e, salvo raríssimas exceções, com professores mal pagos e desmotivados, nem adianta perguntar.

Pois bem, a maioria responderá: “Sujeito indeterminado. Eles, ou elas, ouviram”. Calma, crianças. Vou dar uma boa dica. Antes da resposta, vocês precisam colocar a frase, que está invertida, na voz direta: “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”. Agora, ficou mais fácil, não é?

Perdoemos os poetas. Eles, geralmente, gostam de inverter muito daquilo que compõem. Notadamente, em 1822, quando Dom Pedro I com diarreia correu para a moita à margem do rio que São Paulo já matou há priscas eras.

Sim, há muita gente boa a jurar que o Grito do Ipiranga esteve longe de ser um brado retumbante. E a negar que a cena se tenha passado como descrita na tela gigantesca (tem 4,15m de altura por 7,60m de largura) pintada por outro Pedro, este último o Américo, paraibano de quatro costados. Quem visita São Paulo pode vê-la no Salão Nobre do Museu do Ipiranga. É a mais famosa obra de todo aquele acervo, segundo o catálogo da Casa.

Mas vamos ao Grito. Recorram ao Google e inscrevam no espaço reservado às buscas: “Dom Pedro grito disenteria”. Façam isso e, numa fração de segundo, vocês terão mais de 21 mil resultados.

Adquiri, desde muito novo, a mania de desconfiar dos gestos heroicos. Perdi a fé nessas coisas quando percebi que um dos heróis da minha infância, o barbeiro Parcela, havia me enganado com a história de que, sozinho, pusera para correr metade do time de Cruz do Espírito Santo num jogo contra o Modena, de Pilar, nossa terra. E, isso, na casa do adversário. O que me contaram depois foi que Parcela correu de um vaqueiro que para cima dele partiu com uma faca na mão. O medo fez com que arrombasse no peito uma cerca de aveloz, plantinha leitosa também chamada dedo-do-cão da qual até bicho foge.

Parcela me enganou, porém, depois dele, ninguém mais, nem Dom Pedro. É por isso que estou disposto a acreditar na história da disenteria e da entrega, por Paulo Bregaro, à beira da moita, da carta em que dona Leopoldina, a Imperatriz, informava sobre aquelas exigências de Portugal. Aquelas que teriam feito o homem clamar: “Laços fora, soldados”. Pois, sim. Mas acredito que tenha sido por conta dessa entrega que Bregaro virou o patrono dos carteiros.

Dona Leopoldina… Ah, que mulher resoluta. Aposto, mesmo, na versão de que foi ela quem escreveu e assinou o decreto da Independência. Que paciência tinha com aquele marido farrista e mulherengo. Ou alguém pensa que ela não sabia o que havia puxado Pedro até Santos, de onde voltava com dor de barriga? É claro que sabia. E sabia tanto quanto Domitila, a marquesa.

No meu tempo do Grupo Escolar Dr. José Maria, da farda com calça azul marinho, camisa branca e gravata que eu detestava, um colega de alma pura quase ia às lágrimas durante a leitura do Grito da Independência: “Laços fora, soldados. As cortes de Lisboa querem escravizar o Brasil. Independência, ou morte”. Quase fomos aos tapas quando eu ri disso.

Eu pensava cá, com meus pequenos botões: “Não fora o mesmo Dom João, pai de Pedro, que largara o filho por aqui com o conselho para abiscoitar o trono antes que algum aventureiro o fizesse?”. Já não estava tudo em casa?

Depois, fiquei sabendo que o Grito do Ipiranga custou mais aos brasileiros do que uma barriga ruim e uma garganta rouca. Custou 2 milhões de libras esterlinas pagas à Inglaterra para honrar o empréstimo tomado por Dom Pedro. Débito saudado, a coroa britânica enviou suas bênçãos a este país tropical.

É BOM ESCLARECER
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