OS TONS DA SAUDADE, por Frutuoso Chaves

Imagem meramente ilustrativa (Foto: Arquivo Selasnafes)

Imagem meramente ilustrativa (Foto: Arquivo Selasnafes)

Tudo aconteceu desse jeito mesmo, tal e qual. Era a época em que Rita Pavone buscava um martelo para com ele dar na cabeça daquela exibida de olhos pintados. Também, nas dos casais coladinhos, em baile com música lenta e luzes apagadas. Que raiva isso dava naquela mocinha com modos de criança, mas já então nos palcos do mundo.

Era quando os Beatles tinham vida de cachorro. “A hard day’s night”, reclamavam. Roberto, abaixo da Linha do Equador, gostaria que tudo fosse para o inferno, enquanto o mundo de um Chico à toa na vida parava para ver a Banda cantar frases de amor.

Mas, sobretudo, eram os dias da Luso-Brasileira, do seu mastro de madeira com dois alto-falantes do tipo trombeta e dos discos assim reproduzidos no céu do meu bairro para cinco ou seis quarteirões, em volume agradável.

A difusora, invenção do discotecário Manoel Alexandre, tinha prefixo semelhante aos das rádios de verdade. E mais: tinha notícias do futebol e anúncios da vizinhança. A lojinha, a padaria, a farmácia e o salão de barbeiro garantiam o aluguel da saleta encostada ao barzinho em cuja gaveta ficavam os trocados gastos, também, com as primeiras cervejas, nas noites de sábado.

Manoel bancava a despesa sempre cuidadoso com a possível reprimenda de algum pai: “Quem em casa chegar bêbado aqui não volta”. Entre nós, os mais temerosos contentavam-se, então, com o sanduíche e o refrigerante.

Todos tínhamos horário definido. Eu abria a programação da Luso (encurtávamos o nome, coisa de íntimos) às 14 horas e era substituído pelos três irmãos Vidal, um após outro. A parte da noite ficava com os mais experientes, a exemplo do próprio Manoel e de Cardivando de Oliveira, nome famoso da radiofonia, depois de adulto.

Ah, quantos casais a Luso-Brasileira não acalentou. E quantos não reaproximou ao término de brigas esquecidas com a dedicatória de músicas entre corações enamorados. Eu mesmo, com toda minha insignificância, pus Ronnie Von, Antonio Marcos, Jerry Adriani, Rosemary, ou Vanusa, a serviço de sabidas reconciliações.

Poderia tê-lo feito com melhor repertório, concordo, antes que disso vocês me lembrem. Perdoem, porém, os garotos que, como eu, ainda aprenderíamos a amar os Beatles, os Rolling Stones e o pessoal da Bossa Nova.

Faz um tempão que não ouço falar de Manoel Alexandre. A pouca notícia que dele tive me deu conta de sua aposentadoria pela PRI-4, Rádio Tabajara. Também, de que, já casado e com filhos, havia abandonado o Curso de Engenharia em cujo vestibular fora aprovado. Mas adicionei Cardivando, recentemente, à minha lista de amigos virtuais promovida pelo Facebook.

Estou resolvido a buscar a reaproximação com Waldir, Walter e Waldo Vidal. Na fase da vida em que temos mais passado do que futuro não há perdão para o distanciamento daqueles com os quais compartilhamos a juventude e seus aprendizados.

Saudade de Manoel. Passam-se 20 anos desde a última ocasião em que dele ouvi a voz. Eu saía do expediente no escritório que o recifense Jornal do Commercio montou na Avenida Dom Pedro II, em João Pessoa, quando, na esquina da Beira-Rio com a Rui Barbosa, um carro de som anunciava a revenda de galetos com o timbre imediatamente reconhecido: “Compre no Galeto de Biu. Faça como o jornalista Frutuoso Chaves”.

Ele me vira antes que eu o visse. Passava do lado oposto, em sentido contrário, exatamente no ponto de onde sua difusora animava as tardes e noites da área onde vivemos. Restaram-me a surpresa, o aceno pelo retrovisor e a teimosia de algumas lágrimas.

A sorte, ou a vontade divina, para os que nela creem, fez com que eu chegasse aos dias de hoje capacitado ao bom proveito de alguns milagres tecnológicos, a telefonia celular, o computador e a internet entre eles.

Manejo essas coisas quase com a desenvoltura do neto. Aliás, quando a computação expulsou das redações a velha máquina de escrever, ele nem era nascido. Os três filhos que eu e dona Miriam parimos, sim.

Olho, hoje, para eles agradecido aos céus por serem gente de bem, pessoas felizes, úteis à família e à sociedade. Por se haverem integrado, perfeitamente, em cada fase de suas existências, à evolução do mundo com seus inventos e costumes.

Mas, sem nada dizer, deles me apiedo. Entendo que magia nenhuma da informática, nenhum passatempo eletrônico é capaz de substituir experiências como a daquela pequena difusora de canções e mensagens. Aquilo era enlevo, enternecimento. Era algo que nos permitia falar aos corações enquanto brincávamos de gente grande.

Aviso, entretanto, que aceito manifestação em contrário, por ser isso da minha natureza. Mas alguém deve me fazer crer em que apenas falo com a alma de um sujeito saudoso da mocidade. Preciso mesmo ser convencido de que há o tempo certo, com seus encantos, para cada nova geração. Tudo, igualmente, proveitoso. Será?

A BENÇÃO, JOÃO DE DEUS, por Frutuoso Chaves

João Paulo II abraça Dom Hélder Câmara ao desembarcar no Recife em 7 de julho de 1980 (Foto: Edvaldo Rodrigues/DP)

Foi uma confusão das grandes. O fotógrafo, um dia antes de entrar em gozo de férias, trocou a foto do beijo no chão do Brasil dado por João Paulo II minutos depois de sair da aeronave, naqueles idos de 1980. Aquilo que O Globo exibiu na edição do dia seguinte era o flagrante de um beijo anterior, no Panamá, não lembro bem. Afinal, o Papa era o mesmo e chão é chão.

Ninguém perceberia a troca, não fosse por um detalhe: o homem beijou o solo brasileiro com o solidéu numa das mãos. Falo daquele chapeuzinho feito à semelhança do quipá judaico que também pode ir à cabeça de bispos e cardeais com mudança de cores. O do bispo é roxo e, o do cardeal, vermelho. Os papas o têm sempre branco, posto que isso virou um símbolo de hierarquia.

Na foto, em primeira página do Jornal, lá estava João Paulo II com o solidéu na cabeça. O fotógrafo, é claro, entrou de férias permanentes, sem direito a remuneração, pelo menos, em qualquer das publicações da família Marinho.

Quem bem me conhece há de perguntar como um sujeito habitualmente desavisado de questões e ritos católicos sabe de solidéus. Tenho a resposta na ponta da língua: pela gozação do rival, o Jornal do Brasil, na edição seguinte.

Não menos, pelos temores que a lambança trouxe à Sucursal encarregada, dias depois, da cobertura da visita papal ao Recife com equipe da qual participávamos eu e o colega natalense Aldemar Almeida. “Não podemos dar mais barrigada. Isso acarretará demissão”, dizia o chefe imediato Ronildo Maia Leite a um time de craques composto por Roberto Tavares, Inaldo Sampaio, Romildo Porto, Zé Menezes e Lula Falcão.

Naquele tempo, eu acumulava as funções de editor d’O Norte e de correspondente d’O Globo na Paraíba com a aquiescência das duas casas: uma no Rio de Janeiro e outra em João Pessoa. As dimensões dos dois jornais e das respectivas praças afastavam qualquer possibilidade da concorrência entre si, o que possibilitava essa dupla militância.

Marconi Góes, superintendente dos Diários e Emissoras Associados na Paraíba, liberou-me para a viagem ao Recife, onde fiquei uma semana. O Papa, que inicialmente descera em Brasília em 30 de junho, chegou a Pernambuco na tarde da segunda-feira, 7 de julho, dali saindo na terça, manhã cedo.

Quem não é do ramo dificilmente percebe os cuidados e a trabalheira que exige uma cobertura dessas, em escala nacional. É um planejamento de meses. Fiquei com duas atribuições ingratíssimas: observar de um posto fixo, em Boa Viagem, quase Pina, a passagem de João Paulo II para a Missa na Ilha de Joana Bezerra, ao cabo da qual ele tomaria o rumo do Palácio de Manguinhos, sede da Arquidiocese do Recife e Olinda, onde houve o pernoite por mim e pelo companheiro Aldemar também coberto.

O que diabo poderíamos fazer em ambas as situações: ver o Papa passar e vê-lo, por assim dizer, dormir? Nós já havíamos sido advertidos para não repetir clichês jornalísticos, a exemplo da anotação de placas de carros estacionados na vizinhança, a fim de contar que muitos vieram de fora. E havia deles até do Uruguai, Paraguai e Argentina. Para complicar as coisas, Pedro Luiz, o fotógrafo, momentos antes do desembarque do Chefe da Igreja, resolvera sumir na tarde de Boa Viagem. “Sequer uma foto do Papamóvel teremos”, pensei, agoniado. Em 1980, por aqui, celular era ficção digna das aventuras de Flash Gordon. Ou seja, não dava para perguntar à equipe do Aeroporto: “O homem já saiu daí?”.

Mas foi Pedro quem me salvou. Chegou resfolegante e com a história de três meninos, o mais velho com 15 anos, que haviam coberto por bicicleta o percurso desde Garanhuns para ver o Papa.

Abandonei o posto de observação, uma plataforma em cima de estacas de madeira, certíssimo de que isso não me prejudicaria e corri até o restaurante onde Pedro havia molhado o bico e os meninos, então servidos por garçons afáveis e risonhos, comiam de graça. Anotei seus nomes, perguntei dos pais, se podiam comprovar o que me contavam e eles mostraram uma folha de papel que explicava o propósito da viagem. Nela, equipes da Polícia Rodoviária atuantes no percurso apuseram seus carimbos. Pegamos eu e Pedro, no dia seguinte, mais de um quarto de página das cinco que o Jornal dedicou ao visitante.

À noite, fomos despachados para o pátio da Arquidiocese onde repórteres locais e outros provindos de partes diversas do mundo já lotavam o curral, nome que damos àqueles espaços entre cordas onde a segurança de chefes de estado segrega a Imprensa.

Faça você pernoite onde durma alguém famoso e morra de tédio. Não acontece nada. Mas, se acontecer, será notícia. Um piripaque, por menor que seja, em qualquer estadista, é manchete garantida.

Com o passar das horas o enfado aumenta e, daqui a pouco, há alguém já torcendo por uma turicazinha, uma vertigem besta, coisa que não mate, mas traga uma ambulância, pois heresia tem limites. A coisa piora quando o Exército fecha todos os bares das redondezas.

A madrugada se espicha com uma lentidão insuportável e, séculos depois, o Sol começa a sair do mar. É quando também principia a aglomeração. Multidões chegam e se comprimem.

“A bênção, João de Deus”, o hino que o Brasil fez e cantou para o Papa já então sai de todas as gargantas. Você, meu caro herege, começa a se arrepiar numa ocasião dessas. E lacrimeja quando o Papa, sorridente, vem à sacada batendo no parapeito como num bombo, ao ritmo do cântico a si consagrado.

Nos primeiros raios do 8 de julho, a emoção à flor da pele e os corações enlevados davam-nos, de repente, a impressão de um mundo muito melhor, mais puro e mais justo. Aos crentes, e aos não tão crentes assim, restava a convicção de que, se ali tudo acabasse, iríamos todos para o Céu com nossas tripas.

Deixamos o local convictos de que nunca mais nos sairiam dos ouvidos os acordes e os versos do Hino ao Papa, de tão repetido nas ruas, no rádio e na tevê. “Abençoa este povo que te ama”, dizia um deles. Continuei a escutá-los quando, no dia seguinte, fui despachado ao Centro de Convenções de Pernambuco onde o ministro Delfim Neto desembarcava para uma conferência. E os escuto, foi não foi, até os dias de hoje. Agora, sobretudo, quando essa história acaba de completar 43 anos.

Em julho de 1980, um João Paulo II ainda moço e de compleição atlética permaneceu por 13 dias no Brasil, voou milhares de quilômetros e visitou 13 cidades. Incansável, subiu e desceu morros no rumo de guetos e favelas. Abraçou Irmã Dulce, pôs crianças no colo e levou as mensagens e o compromisso social da sua Igreja aos operários de São Paulo, aos camponeses do Nordeste e aos índios do Amazonas. Foi a mais longa de suas viagens desde o Pontificado que então completava 19 meses.

INOVANDO PARA RENOVAR, por José Mário Espínola

Imagem: CRM-PB

Nos dias 14 e 15 de agosto próximo, o Conselho Regional de Medicina promoverá eleições de novos conselheiros, para o quinquênio 2023-2028.

Serão eleitos 20 conselheiros titulares e 20 suplentes. A Associação Médica ampliará o quadro para 42 conselheiros, designando outros dois conselheiros, titular e suplente.

Fundados em 1958, desde então a cada cinco anos essa formalidade se repete nos Conselhos Regionais de todo o Brasil.

Este ano, chamam a atenção duas boas novidades. Em primeiro lugar, a metodologia adotada pelo atual presidente, Dr. João Modesto Filho, para formar a chapa.

Dr. Modesto inovou, em nossa política médica. Pela primeira vez  procurou incluir representações das instituições médicas da Paraíba.

O objetivo seria garantir a participação de todas as entidades, sem necessidade de disputa fratricida que só traria malefícios para a respeitável instituição. E, consequentemente, para a classe médica paraibana, que sairia enfraquecida.

Para tanto, o presidente solicitou que a Associação Médica da Paraíba, a Academia Paraibana de Medicina e o Sindicato dos Médicos da Paraíba indicassem, cada entidade, seis nomes para compor uma chapa única, promovendo uma inédita conciliação das quatro instituições.

Infelizmente, não será desta vez que veremos a tão importante e necessária união da nossa classe, aqui na Paraíba.

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A outra grande novidade que chama a atenção será o elevado percentual de renovação com qualidade.

Lendo os nomes da Chapa 1, vejo que antigos quadros cederam as suas vagas para muitos novos e bons candidatos. Mas tiveram o cuidado de conservar nomes que garantam o conhecimento da atividade conselhal, representado pela presença de conselheiros experientes.

Esse aspecto é muito importante, para garantir a continuação dos trabalhos do Conselho. Sem eles, um colegiado inexperiente poderia levar ao caos, tantas e tão complexas são as atividades conselhais.

Fica aqui, portanto, o nosso aplauso para o Dr. João Modesto pela tão nobre iniciativa de oferecer esta tranquilidade para a categoria médica da Paraíba.

Desejamos sucesso para todos.

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José Mário Espínola é Cardiologista e ex-conselheiro do CRM-PB

PELOS COTOVELOS, por Frutuoso Chaves

Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes. Sabem não? Então, vamos encurtar: Cantinflas (foto). Isso mesmo, aquela metralhadora verbal que encantava o público do cinema em partes diversas do mundo. O mexicano que saiu da extrema pobreza para a fama quase universal.

Lembrei dele ao me deparar, há pouco, com a informação de que seu nome está dicionarizado. Aparece no Dicionário da Real Academia Española para definir “pessoa que fala, ou atua, de maneira disparatada, incongruente e sem nada dizer com substância”.

Cantinflas, de fato, falava pelas tripas do Judas para pouco ou nada dizer. Era justamente isso o que provocava as gargalhadas dos falantes de espanhol e português. Mas foi, infelizmente, o que o afastou da maior parte do público nos Estados Unidos e Europa, dada sua complexa tradução.

Falar pelos cotovelos, portar bigode esquisito, usar camisa de malha colada e calças frouxas à altura da virilha e, ainda, cultivar manias e trejeitos engraçadíssimos, tudo isso junto compunha a figura que sucessivas gerações adoravam, sobretudo, as de alma e sangue latinos.

Mas até que esse moço fez bonito na Meca do Cinema. Sua atuação em “A Volta ao Mundo em 80 Dias” rendeu-lhe o Golden Goble Award para Melhor Ator. Este filme, aliás, abiscoitou o Oscar de 1956. Cantinflas ali contracenou com astros e estrelas a exemplo de Shirley MacLaine, David Niven, Charles Boyer, Marlene Dietrich, Trevor Howard e Frank Sinatra. É mole?

Nascido num reduto pobre da Cidade do México, em 1911, ele teve que trabalhar muito cedo como engraxate, aprendiz de toureiro, motorista de táxi e pugilista até o dia em que teve a oportunidade de substituir, de última hora, o apresentador de um espetáculo mambembe que adoecera. Pronto, havia descoberto a forma de dar certo na vida.

Produziu, ele mesmo, a maioria dos mais de 40 dos seus filmes, porquanto tratou de montar a própria companhia. Morreu em abril de 1993. Tomei conhecimento de sua existência, mal chegado em João Pessoa, ao comprar ingresso para “Pepe”, o segundo filme em que atuou nos Estados Unidos e um fracasso de crítica e bilheteria. Depois, me vieram, não necessariamente nessa ordem, “O Circo”, “Os Três Mosqueteiros”, “Nem Sangue Nem Areia”, “O Sabichão”, “O Analfabeto” e por aí vai…