NO TEMPO DO CANAL 100, por Frutuoso Chaves

Garrincha em ação no Maracanã (fotograma do Canal 100)

A estrada larga da internet me leva ao portal do Canal 100, “o maior acervo cinematográfico do futebol brasileiro”, na justa avaliação dos seus idealizadores.

Na verdade, aquilo que ia, semanalmente, aos cinemas do Brasil era muito mais do que a cobertura dos campeonatos e jogos amistosos. Leio que, de 1959 até 1986, com um cinejornal por semana, o Canal 100, criação de Carlos Niemeyer com ajuda luxuosa de Jean Manzon, difundiu 70 mil minutos de imagens sobre os principais acontecimentos jornalísticos de sua época.

Aquisições outras de cinejornais mais antigos possibilitaram a cobertura de conquistas, dramas e situações por quase todo o desenrolar do Século 20. O suicídio de Vargas, os carnavais, o evento da Bossa Nova, o da Jovem Guarda, os festivais da canção, o golpe militar de 1964 (assim não retratado, evidentemente), o movimento das “Diretas Já” e a eleição de Tancredo foram às telas de um Brasil que, à época, detinha um número de cinemas, no mínimo, quadruplicado.

Porém, foi com a cobertura futebolística que o Canal 100 tornou-se aplaudido e festejado, desde as maiores e mais requintadas, até as pequenas e humildes casas de exibição do interior. Eu vi edições suas pela primeira vez nos cinemas do Recife, o São Luís entre eles. Depois, na tela modestíssima do cineminha de Seu Zé Ribeiro, no Pilar da minha infância, onde chegava com atraso de meses. Na adolescência e na fase adulta, acompanhei o cinejornal de Niemeyer das cadeiras do Plaza, Rex, Municipal, Brasil, Tambaú, Santo Antonio, Glória, Torre e Metrópole numa João Pessoa que tinha dois cinemas em cada bairro mais populoso. Jaguaribe teve três.

O ritual era sempre o mesmo, qualquer que fosse a sala. As luzes apagavam, surgiam na tela alguns trailers de filmes futuros, o indispensável desenho animado, os seriados da ocasião – Tarzan, Capitão Marvel, Os Perigos de Nyoka…, antes de caírem em desuso – e, então, o Canal 100 com seu noticiário variado e seu momento mágico, o do futebol, antes do filme principal.

Neste momento, os acordes de “Na cadência do samba”, compostos por Luiz Bandeira e tomados como trilha da cobertura esportiva já levavam o público ao delírio. 

A tela grande e a angulação de câmaras, até hoje não aprendida pela televisão, punham cada espectador dentro do gramado. Nada nem ninguém aproximou tanto o público dos passes, dribles e gols quanto o fizeram os cinegrafistas do Canal 100.

O genial Nelson Rodrigues assim descreveu a coisa: “Foi a equipe do Canal 100 que inventou uma nova distância entre o torcedor e o craque, entre o torcedor e o jogo, grandes mitos do nosso futebol, em dimensão miguelangesca, em plena cólera do gol. Suas coxas plásticas, elásticas enchendo a tela. Tudo o que o futebol brasileiro possa ter de lírico, dramático, patético, delirante”. 

Talvez, o cinejornal não fizesse mais sentido neste momento em que os acontecimentos do mundo, esportivos ou não, têm difusão imediata com a ajuda de satélites que dispõem o que quer que seja, em tempo real, nas telas da tevê dos computadores e smartphones. Mas, nos idos de 1986 as maquinações do Ministério da Cultura com os lobistas da mídia tradicional apressaram a morte do Canal 100. Como? Resposta: impedindo a ideia da propaganda em cinejornal. Lastimavelmente.

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