FAMÍLIAS FLAGELADAS, por Babyne Gouvêa

Imagem: Jorge Araújo/Fotos Públicas

Abalada, vejo cenas na mídia, de famílias ao léu. Sem moradia os sem teto improvisam seus lares com entulhos recolhidos nas ruas.

Com as últimas chuvas os tapumes de papelão, servindo de paredes, se desfazem. Os moradores desses improvisados não têm para quem apelar. A solução é encontrada entre eles.

Aqueles mais “afortunados”, por terem encontrado mobílias descartadas no lixo, abrigam os mais necessitados. Reciclam tecidos e madeiras dos móveis imprestáveis e acomodam seus pares de acordo com a criatividade. Ratificam a máxima ‘Querer é poder’.

Como se não bastassem as imagens da mídia, assisto ao vivo árvores servindo de morada, e lençóis velhos usados como divisórias entre arbustos. Em área verde no bairro Manaíra. Como os desassistidos se protegem da chuva, sem teto, só Deus sabe.

Há na comunidade local ações solidárias. Transeuntes acobertam os desamparados com as suas próprias roupas. Mas ocorre, também, de serem observados com olhos enviesados.

Enquanto isso, vemos dados que nos estarrecem. Durante a pandemia de Covid – 19, o Brasil registrou um aumento substancial no número de famílias despejadas de suas moradias, mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal que impedia desocupações até o dia 31 de março de 2022.

Dignidade humana, no contexto em que está o Brasil, precisa ser defendida. Despejo de milhares de pessoas no país pode gerar uma desenfreada convulsão social. Some-se a essa conjuntura a estatística da fome.

Vulneráveis da nossa sociedade, população de rua, historicamente sofre com o descaso da falta de políticas sociais específicas. É preciso colocar a vida acima de qualquer outro interesse. É primordial levantar com força o direito humano à alimentação e à moradia.

Dormir sob marquises é indigno. Catar restos de comida em caminhões de lixo é sub-humano. O Estado tem o dever de criar condições para a população exercer a sua cidadania com integridade. Flagelado é uma condição cruel, sem espaço num país que clama por justiça social.

IMPACTO DA FOME, por Babyne Gouvêa

A Cufa (Central Única das Favelas) doou cestas básicas às famílias que buscavam restos de comida em caminhão de lixo em Fortaleza (Imagem: Reprodução/Revista Fórum)

Simplesmente impactante. A cena veiculada nos meios televisivos, durante a semana, foi desoladora. Nossos irmãos à procura por alimentos num caminhão de lixo doeu nas entranhas, literalmente.

A dor de ver um ser humano à cata de gêneros alimentícios dentre produtos fétidos e deteriorados corrói a alma. A avidez estampada no semblante dos catadores se assemelhava a cães farejadores. A comparação é grotesca, mas fiel.

Não se observa esse cenário desumano com passividade. A situação exige pragmatismo, sem maiores delongas. Alguma medida tem que ser tomada, uma iniciativa que parta dos poderes públicos com a coadjuvação da sociedade civil; salientando que não basta somente sensibilizar acerca de doações que até podem ajudar a abafar a fumaça, mas jamais apagarão o incêndio.

A realidade da Covid-19 mostrou diversas fragilidades. A maior delas, a fome. Esse cenário nos leva a uma temática: renda mínima, ou seja, um valor suficiente para atender parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade com as despesas mínimas, principalmente a alimentação.

“Quem tem fome, tem pressa!”. Quem não lembra a frase repetida diversas vezes pelo sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho? Mas essa pressa leva a uma reflexão sobre a consciência da identidade entre todos os homens: a garantia do direito à alimentação.

Ninguém pode tolerar a destruição de seu semelhante sem colocar em perigo sua própria humanidade, sua própria identidade.

São 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil. A comparação com 2018 (10,3 milhões) revela que são 9 milhões de pessoas a mais nessa condição, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Para esses milhões de brasileiros, a fome é algo crônico e duradouro. É não ter acesso regular a alimentos. Ter fome é não ter o direito a uma vida digna. Mais indigno é assistir inerte a fome comendo um semelhante.

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” Essa é do imortal Dom Hélder Câmara. Retrata uma mentalidade equivocada que pode comprometer – e tem comprometido – iniciativas públicas como aquelas que até 2015 riscavam o Brasil do Mapa da Fome.