A CASA DA MINHA SAUDADE, por Babyne Gouvêa

Terraço da casa onde a autora morou (Foto: Babyne Gouvêa)

“Basta de tanta realidade”, frase memorável de Alfredo Gamela, protagonista da peça teatral de Paulo Pontes, início da década de 70 (Um Edifício Chamado 200), dirigiu-me a reminiscências.

Com esse espírito momentâneo fui rever a Rua Heráclito Cavalcanti, nas imediações do Colégio Pio X, onde morei nos anos 50 e 60. No número 72 estacionei o carro e fiquei por instantes mirando a casa da minha infância e adolescência. Com a fachada conservada percebi o restante demolido, em nome da modernidade. O projeto original, de parede dupla e rico em detalhes refinados, tem a autoria do renomado arquiteto Clodoaldo Gouvêa, tio do meu pai.

Enamorada, lá fiquei produzindo mentalmente um filme com tantas recordações. Como estava chovendo lembrei das vestimentas usadas, quando criança, para ir ao colégio em dias de chuva. Recordei os cobertores postos nas nossas camas, por nossa mãe, para esquentar as madrugadas frias. Por incrível que pareça já houve frio em nossa cidade.

Sucessivas lembranças ocorreram, como as peças teatrais mirins ensaiadas e apresentadas nos quintais. Pensei na sanfoneira, escondida, entoando o fundo musical do espetáculo, o que me fez rir. E emendei o riso ao lembrar das brincadeiras com bolas de gude, quando arengava nas disputas com o meu vizinho, embaixo de um sapotizeiro. De tanto receber sapoti no nariz fiquei sem suportar essa fruta até hoje.

Ah, os cozinhados, esses são inesquecíveis. Às escondidas, a meninada da rua surrupiava ovos dos galinheiros que eram fritados em latas sobre fogos improvisados. Foi difícil esconder a queimadura provocada por um desequilíbrio da lata. Mas esse incidente não foi motivo de desistência. Serviu de incremento para traquinagens, como leves furtos das cozinhas de nossas mães.

Ao olhar a demolição da casa vizinha à nossa, lar da família de um coronel da Polícia Militar, recordei os ladrões de galinha. Quando apareciam o coronel era acionado, e a vizinhança curiosa ocupava a calçada da pequena rua com seus trajes de dormir. Para alívio de todos o gatuno era levado à velha delegacia da Rua Duque de Caxias.

A aquisição da radiola portátil e da TV por nossa família foi um acontecimento rememorável. Só faltou uma banda musical para uma merecida comemoração. Nessa época, fui apresentada ao jazz e rock, por meu irmão mais velho. Ele costumava fazer das panelas da cozinha seu instrumento de percussão, para encantamento da nossa mãe que divertia-se com a sua performance. Com a TV adquirida passamos a assistir “Jim das Selvas” em casa. Anteriormente, assistíamos em televisões de gentis vizinhos.

Olhando para o terraço frontal, mantido, graças ao tombamento, fiz uma retrospectiva da época dos namoros. Era o lugar destinado a receber os namorados, com duas cadeiras estrategicamente colocadas, sem condições de uma maior aproximação do casal.

Doces memórias dos momentos com a família, da escola e, principalmente das brincadeiras com os amigos, marcaram a minha infância e adolescência. Todas as fases da vida são importantes, mas a infância é uma etapa que deixa boas lembranças na existência de todo mundo.

O filme teve uma longa produção. Continuou com tantas outras recordações de um período da vida guardado imaculadamente em minha essência.

TEMPO INESQUECÍVEL, por Babyne Gouvêa

Imagem copiada de madinbrasil.org

Imagem copiada de madinbrasil.org

Aos dez anos, estudava em colégio de freiras onde a rotina educacional seguia regras rígidas. As alunas, de uma maneira geral, conviviam bem com a idade pueril. Não atropelavam a infância em busca da adolescência.

Eis que ocorre a chegada de uma colega vinda do Rio de Janeiro, com novidades precoces para a meninada de comportamento infantil. O seu nome era Celina.

Celina comunicou às colegas que tinha um namorado que se chamava Ricardo. O zum zum zum estava formado. A notícia fomentou a curiosidade em saber pormenores sobre o namoro dos dois.

Fiquei atônita. As amigas, serelepes, me chamavam de “A Inocente”. Elas percebiam que eu era avessa ao assunto. Totalmente. Naquela idade só pensava em estudar e brincar.

Lembro bem que um garoto que residia próximo à minha casa jogou pela janela da sala um papel com recados carinhosos para mim. Como chorei na ocasião! Deixei de tê-lo como companheiro das brincadeiras.

A precocidade de Celina, de certa forma, me fez ver malícia em certos garotos. Os olhares, as palavras , os recados dirigidos a mim, desencadearam reflexões sobre a minha infância, que eu teimava em conservar. A puberdade dava sinais mas era ignorada.

Garota bronzeada, com cabelos dourados, Celina se mostrava dona do pedaço quando o assunto era namoro. Algumas colegas a tornaram um exemplo a ser seguido. E aí, como eu ficava? Não queria ser hostil nem hostilizada por nenhuma delas.

A alternativa foi tornar natural o meu crescimento, mesmo contra a minha vontade. Tive no esporte um aliado, não sentia o desenvolvimento vindo à tona. Quando percebi estava formada física e emocionalmente, pronta para encarar a adolescência, sem temores.

Surgiram os paqueras, mas a ideia do namoro me inquietava. Significava perda da independência. Rememoro um namoro terminado às vésperas do carnaval. Foi o melhor carnaval da minha adolescência.

O que me causou essas reminiscências? Simples lembranças de um tempo inesquecível. Ontem, durante o lançamento do livro de um grande amigo, encontrei depois de muitas décadas, um integrante da família da minha querida amiga – Simone Cavalcanti Furtado Rabelo. Família que marcou a minha adolescência.

Que abraço carinhoso! Em segundos, a memória aflorou todos os instantes de plena felicidade vividos naquela família tão acolhedora. Alegria existia em tudo. O elo com a família Cavalcanti me ensinou a assimilar leveza, inclusive quando o assunto eram ingênuas paixonites.

Essa fase foi curta, mas intensa. De repente, adolesci e me tornei adulta. Não houve tempo para as flutuações e rebeldias típicas da adolescência. Vieram as responsabilidades de outra etapa da vida.