MEU COMPADRE, MEU AMIGO, por Babyne Gouvêa

A Luizmar (Lula)

É estranho, muito estranho pensar que você não está mais entre nós, amigos terrenos. Fico imaginando como foi a sua chegada ao céu. Com sorriso largo saudou o recepcionista com uma brincadeira. De imediato conquistou a sua simpatia, não tenho dúvida.

Como é gostoso rememorar os momentos com você. Os sustos que pregava em mim, me faziam sair pulando e você assistia sem remorso. Só risos. Lembra daquele na casa da Av. João Maurício, durante uma interrupção de energia? Só você mesmo, Lula.

E os circos? Íamos eu, você e Juliana, minha primogênita, aos circos de bairros. Montagens precárias me levavam às gargalhadas. Recorda do bode que subia e descia uma escada? E a bailarina com as meias rasgadas? Oh Lula, quantas histórias memoráveis!

Vamos falar de cinema. Como amantes desta arte conversávamos sobre bons filmes e você cometia spoiler. Sabia que, ao contar, despertaria em mim a vontade de correr à sala de exibição. Dias atrás, a nossa amiga Gila, lembrou o filme Deliverance e o clássico duelo de banjos, sobre o qual falávamos com entusiasmo. Ah lembrei agora, você me deu o disco com a trilha sonora. Relíquia!

As passagens hilárias com a sua avó, da qual você herdou o espírito brincalhão, se tornaram inesquecíveis. E a leveza da sua mãe, D. Vivi, e a sua paixão por carnaval, quem vai me relatar agora? A alegria de Momo não será a mesma sem o seu principal folião.

Os aniversários da nossa casa ficarão diferentes. Uma lacuna haverá, seja presencial ou remota. Os seus parabéns emitiam alegria, suavidade e afastava qualquer eventual baixo astral do aniversariante.

Leila, minha caçula e sua afilhada, é privilegiada. Não conheço um outro padrinho mais presente. Durante os seus quarenta anos de vida sempre o teve por perto. A sua proximidade não se restringiu a datas comemorativas, era aleatória. Despertava vontade entrava em contato com ela, às vezes para discutir política ou futebol. Havia respeito entre uma flamenguista e um vascaíno. Só beleza na amizade de vocês.

E os galos, como ficarão? Certamente terão banzo. Deixa eu lhe falar uma fofoquinha: teve amigos que comentavam comigo sobre o seu gostar por galo. Segundo eles, havia contradição entre criação de galos e a sua intelectualidade. Ops, já estou imaginando a sua reação.

Que filhos você deu de presente à sociedade! Vítor e João Pedro são criaturas excepcionais de caráter e brilhantismo profissional. As respectivas mães são envaidecidas pelo pai que escolheram para os filhos.

Lula querido, fico por aqui com o meu coração recheado de saudade. Quero lhe pedir um favor: mantenha o seu bom humor e o seu senso espirituoso onde você estiver. Reflexos chegarão até nós, que lhe amamos!

À LUZ A PRIMOGÊNITA, por Babyne Gouvêa

Juliana, a primogênita da autora (Foto: álbum familiar)

No final de uma madrugada de maio, ela resolveu nascer. Com movimentos desordenados e envolta na placenta, sinalizou a ansiedade de brotar pressionando as costas da mãe, prevenindo a chegada próxima. O aviso se intensificou, deixando contraído o ventre que lhe servia de abrigo. Ameaçou despontar ainda no veículo que a conduzia à maternidade. Resolveu aguardar, enfim, cooperando com aquela que lhe rogava para ter um pouco mais de paciência, para ambas terem mais conforto no momento de nascer. Ficou atestado, ali, que a obediência seria uma regra de vida.

Uma vez na maternidade, sentindo o ambiente mais propício ao surgimento, começou a aparecer, mas sem causar incômodos à mãe. Apenas alongou-se, pedindo passagem para sair de sua protegida bolha. Inicialmente, evidenciou a parte alta da cabeça; logo em seguida, percebendo favorável a receptividade, optou por sair bem apressadinha para conhecer o mundo, proporcionando à sua criadora um estado de prazer incomensurável. Tão logo se viu num ambiente estranho chorou, mas se inclinou com a ajuda de terceiros e se aconchegou no peito da mãe, besuntando-a com resíduos da placenta. O odor exalado seduziu ambas e os olhares se cruzaram, firmando compromisso sublime de eterna cumplicidade.

Entendeu as lágrimas emocionadas daquela que lhe tinha nos braços e fez gestos com os lábios manifestando aprovação. Saiu dos braços da sua protetora para os primeiros hábitos de higiene, voltando em seguida para sugar o colostro que era só seu. Enquanto mamava, tentava abrir os olhinhos, mas com certa dificuldade. Quando conseguiu, o olhar concentrou-se naquela que lhe alimentava, uma mãe recém-saída da adolescência. E nesse enlevo adormeceram, juntinhas e exaustas, certas de que teriam um longo caminho de convivência a trilhar.

A mãe, aprendendo a acomodar a sua bebê nos braços – tudo para ela era novo e atraente -, pegou nas mãos, nos pés, em todo o corpinho, verificando detalhadamente toda a formação daquela mantida dentro dela durante nove meses. O sentimento era de poderio, tinha conseguido gerar um ser humano, como símbolo magnânimo de amor.

A disposição e satisfação da parturiente eram contagiantes, atraindo as atenções da equipe de enfermagem que, movida à curiosidade, visitava o quarto para observar a adolescente – era assim denominada – amamentando a sua menina, e ouvir os mimos evocados pela mãe nesse momento esplêndido. O orgulho da criadora era visível, por ter sido capaz de conceber um ente completo que, ainda recém-nascido, já manifestava sinais de energia e sagacidade, sinais de um futuro próspero.

Com ânimo suficiente para voltar à sua casa, a genitora só pensava em apresentar o novo lar à sua filha. Acolhida em sua nova morada, as duas trocaram olhares coniventes, consolidando um vínculo de sentimento incondicional e infinito de pura amorosidade. De tão promissora, essa bela e pura experiência sequenciou e concluiu uma linhagem com mais três gestações, contemplando todas as expectativas de uma mãe plenamente realizada.