7 DE SETEMBRO, por Guiany Campos Coutinho

Imagem copiada de Poemas & Ideias

Hoje a data ativou a minha memória afetiva e voltei no tempo… Chego a lembrar o cheiro do café reforçado e apressado ao som da alvorada.

Marchando na cadência da banda marcial, atravessávamos as ruas de Bananeiras, ladeira acima, pra nos organizar no largo da matriz.

A descida triunfante, sob os aplausos da grande plateia que se espremia nas calçadas, fazia o meu pequeno coração palpitar mais forte. Era uma grande emoção ouvir o ritmo da marcha perfeita e tão ensaiada no frio agosto, pelas ruas da cidade.

Jogos, apresentações nos grêmios estudantis, teatros, músicas, festa no clube, desfile… animavam a “Semana da Pátria” e hoje me rendem muitas recordações.

Não lembro da expressão patriota de amor ao país, apesar da disciplina Educação, Moral e Cívica, incluída no currículo pelos governos militares, mostrar um Brasil bonito, ordeiro e justo.

O colorido das fardas, as bandeiras tremulando, a cadência dos desfiles me chegavam como uma grande festa popular e estudantil.

E com o tempo me foram sendo desvendadas as atrocidades da ditadura que na época acontecia e a dureza dos governos da era de chumbo. Me era apresentado um país real, injusto e desigual. Um país violento sobretudo com os pobres, pretos e povos originários. Um país que precisava de minha indignação e mais ainda da minha ação, como gota d’água no oceano, para mudar sua história.

E hoje estou aqui…

Me chamam de esquerdopata, comunista, socialista, radical, vermelha, petista, defenssora de bandido… mas sigo meu caminho… sempre na contramão da história e sempre do lado dos pobres.

O encontro com um “prisioneiro, condenado e morto” que defendia “vida para todos”, me leva hoje a gritar, juntos a meus irmãos no vigésimo sétimo Grito dos Excluidos, embora sem participar hoje do ato, Vida em primeiro lugar! “Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda, já!”

(Republicado do blog Poemas & Ideias. Publicado originalmente em 7 de setembro de 2021)

A METAMORFOSE DE UMA SOCIEDADE, por José Mário Espínola

Operários, de Tarsila do Amaral (óleo sobre tela, 1933)

A Associação Cristã do Brasil (ACB) foi o clube que mais cresceu na cidade, nas últimas décadas. À custa de organização, disciplina de seus sócios, muita labuta e bons exemplos.
Acolheu todos aqueles que eram desprezados nas outras agremiações: mães solteiras, desquitados, drogados, ex-presidiários.

Tinha como principais regras de seu Estatuto Social coisas como hierarquia absoluta com o Criador acima de tudo; amar o próximo; honestidade; preservar a vida; preservar a natureza, que consideravam um dom divino; ajudar os menos favorecidos, que são criaturas do Criador.

O clube cresceu muito e foi se destacando na sociedade local. Seus sócios davam-se muito bem com as outras agremiações, de todas as tendências, e se completavam nas ações pelos pobres, cada um dentro dos seus limites, sempre se respeitando.

Eram pessoas muito gentis, muitos deles simples, porém educados, e todos solidários. Eram polidos na linguagem. Tratavam bem mulheres e crianças. E respeitavam aqueles que eram diferentes.

O crescimento do clube atraiu a atenção de pessoas mal-intencionadas, que enxergaram bons negócios. Bons de conversa, aproveitaram-se da boa fé dos sócios para serem admitidos, e se tornaram minoria influente na agremiação.

Usando toda a sua influência, passaram a dominar, usando os sócios para fazer crescer os seus negócios e realizar os seus interesses. E com isso auferiram grandes lucros.

Com o tempo, cresceram de importância e passaram a influenciar na sociedade local. Garantiram a presença de membros que tinham a mesma afinidade, infiltrando-se nas instituições. E assim promoveram a associação da religião com a política, embora a sociedade tivesse um sentido laico.

Aconteceu que numa determinada época foi eleita democraticamente para a comunidade uma corrente que tinha outras orientações políticas e sociais. Era originária das populações menos favorecidas, pelas quais passaram a zelar. Isso passou a desgostar os membros da ACB, que tinham tendências mais elitistas. Mas, como bons cristãos, respeitaram e toleraram.

Eis que um dia alguém levou um indivíduo para associar-se na ACB. Apresentou-se com um discurso ultraconservador, o que causou uma boa impressão entre os sócios. Mas, como ele tinha outra orientação, foi admitido como sócio honorário.

Passou a se destacar com uma pregação elitista, totalmente contrária à da administração da cidade, porém muito simpática aos membros da ACB. A sua fala foi ao encontro dos seus sócios, embora demonstrasse desprezo por educação, cultura, coisas que achava demonstração de fraqueza.

Eles relevaram isso, achando que ele era um pouco exagerado, mas não era má pessoa.

Com o tempo, começaram a surgir reclamações para a diretoria. Ele está roubando comida na dispensa. Ah, mas é um bom patriota. Está destruindo o jardim. Ah, mas é um bom patriota. Quase atropela um deficiente que atravessava na faixa de pedestres. Ah, mas é um bom patriota. Está maltratando mulheres e crianças. Ah, mas é um bom patriota. É muito grosseiro, a sua linguagem é chula. Ah, mas é um bom patriota. Se comporta totalmente fora do padrão dos sócios da ACB, ferindo os princípios de um bom cristão. Ah, é o jeito dele. Mas é um bom patriota e é anti-populista. E foram o deixando ficar no clube.

E assim, graças à sua falsa humildade ao Criador, e ao seu discurso elitista ele foi crescendo dentro da agremiação, ganhando o apoio incondicional dos sócios, colocando pessoas de sua confiança, e influenciando cada vez mais. Em apoio ao pensamento anti-populista, passaram-lhe um cheque em branco.
Com o apoio incondicional dos associados, ele foi eleito, também democraticamente, para dirigir a cidade.

A sua pregação raivosa dividiu a sociedade local e provocou mudanças profundas nas relações com as outras agremiações da cidade, gerando uma intolerância que jamais tinha acontecido, isolando cada vez mais a ACB.

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Esta é uma história de ficção. Porém está muito perto da realidade que estamos assistindo.