“Vovô, onde é que eu posso recortar estas figuras?”
Dito assim, até poucos anos atrás essa seria uma pergunta fácil de ser respondida. Amanda tinha como tarefa apresentar recortes de figuras e palavras começadas pela letra “h”.
Ora, até há pouco bastava à aluna pesquisar e recortar das revistas e jornais daqui de casa. Simples, né? Não é mais. Pois na era da internet e dos celulares, as revistas e os jornais estão rareando, se tornando avis rara, peças de museu. Está cada vez mais difícil encontrar jornais ou revistas impressos. Caras não vale, pois pràticamente não tem palavras inteligentes, limita-se a exibir figuras.
Com a “notícia” vulgarizada nas tais redes sociais, parece que o jornalismo sério, aquele que se pode ler e conferir, está prestes a desaparecer. Pois ninguém compra mais os noticiosos físicos, de papel.
Ah, o jornal de papel… Saudades do cheirinho desagradável de tinta impressa, cheio de notícias e informações importantes para mim, que a esposa reclamava quando eu esquecia sobre a cama.
Comecei a ampliar as minhas fronteiras além da Paraíba aos sete ou oito anos lendo jornais do nosso Estado e do Rio de Janeiro, que meu pai comprava. Nos anos 1950, ele lia o Última Hora. A partir dos anos 1960, até se desinteressar por tudo na vida em meados dos anos 1980, ele comprava diàriamente o Jornal do Brasil. E também assinava a gaúcha Revista do Globo e a alemã Deutsche Welle.
O JB acompanhou o meu desenvolvimento cultural até chegar à idade adulta. Em 1969, passei a ler O Pasquim, excelente hebdomadário (como eles próprios se intitulavam) que misturava boa dose de humor com política de resistência cultural à ditadura militar de que o Brasil havia sido acometido, desde o golpe de 1º de abril de 1964.
Durante o curso superior passei a ler a Folha de São Paulo, que tornou-se o baluarte dessa resistência político-cultural.
Tomei conhecimento da Folha durante o Projeto Rondon, no Pantanal do Mato Grosso. Eu alternava com o saudoso colega Grimberg Botelho a tarefa de ir comprar um exemplar na cidade de Corumbá, próxima a Ladário, onde estávamos sediados.
Continuei a ler esse jornal quando fizemos residência médica em São Paulo, e depois continuei a lê-lo em João Pessoa.
Recordo-me de chegar ao plantão na UTI do hospital São Vicente de Paula para render o Dr. Lauro Wanderley Filho e encontrar um exemplar da Folha de São Paulo todo despetalado e espalhado pelo chão do quarto dos médicos: Laurinho nunca lia bem-comportado o seu jornal, deixando para o plantonista seguinte o trabalho de juntar as páginas.
A Folha de São Paulo ainda resiste como jornal escrito. Já os nossos jornais, que fizeram e registraram a história do nosso Estado, foram extintos, passaram a freqüentar um longo obituário: O Norte, fundado por Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, que durante muitos anos dominou a imprensa paraibana, e gerou muitos e bons jornalistas. O Diário da Borborema, que era publicado em Campina Grande. O Correio da Paraíba, fundado por Teotônio Neto. O Momento, do bravo Jório Machado, já falecido. O inovador semanário A Carta, do lendário Josélio Gondim, com excelentes entrevistas de capa, como a memorável entrevista com Hosana, a Dama do Cabaré. O Jornal da Paraíba, fundado pelo recém-falecido José Carlos, do Grupo São Braz. E mais recentemente perdemos o Contraponto, de João Manuel de Carvalho.
A lista continua, só interrompida pela brava e heróica resistente A União. !No pásaran!, parece dizer o nosso jornal, porta-voz oficial do Governo do Estado da Paraíba.
A União sempre foi uma verdadeira universidade de jornalismo. Composto de pelo menos seis cadernos, acrescido de uma excelente revista nas edições dos domingos, A União é um jornal noticioso físico muito bem editado e, principalmente, um excelente veículo da cultura paraibana.
O seu viés governista é compreensível e a gente releva, pois é a voz do dono. O que importa é o acervo composto pelas colunas assinadas por excelentes articulistas, a exemplo de Gonzaga Rodrigues e Sitônio Pinto. E as boas reportagens locais e regionais.
Nos domingos, A União traz o Correio das Artes, sempre com reportagens ricas em arte, cultura e literatura. A sua edição é acrescida de uma excelente revista no último domingo de cada mês. Pois foi justamente A União quem me salvou, ou melhor: quem salvou, desta vez, a tarefa de Amanda.
Fica no ar a pergunta: será este o começo do fim deste tipo de tarefa escolar? Como será que os nossos pequenos estudantes irão realizar os seus deveres de casa? É claro que não vai recortar o tablet ou o smartphone. Só o tempo dirá.