Em todo o país, UTIs lotadas e milhares de infectados em estado grave à espera de um leito (Imagem: R7)
Hoje a Família Alvinegra amanheceu com uma notícia que deixou a todos nós muito tristes. Um bom amigo, nosso companheiro dos bons e maus momentos do Botafogo, que sempre estava presente em todos os jogos da Torcida do Ricão, perdeu para a Covid 19 o seu segundo filho em pouco mais que uma semana. Ambos adultos saudáveis e ainda gozando da plena juventude.
É muito difícil conformar-se e superar semelhante perda. Considero uma inversão da ordem natural: pai enterrar filho. Torcemos para que o amigo botafoguense e sua família tenham forças para superar essa dor. O terrível acontecimento nos leva a perguntar, contudo, por que chegamos a isso. Como chegamos? Poderia ter sido diferente? É muito difícil responder. Mas alguns fatos nos fazem pensar que, sim, poderia ser diferente.
***
Na década de 1970, mais exatamente em 1975, o Brasil vivenciou uma experiência inusitada. Diante da epidemia de meningite C, foi necessária uma operação gigantesca e inédita: vacinar toda a população brasileira num curto espaço de tempo, para vencer a velocidade de expansão da doença.
Na época estávamos em plena ditadura militar. O presidente era o general Ernesto Geisel e o ministro da Saúde, o mineiro Paulo de Almeida Machado. Num prazo exíguo, o ministro aparelhou como pôde o Programa Nacional de Imunização (PNI) e realizou a primeira grande campanha nacional de vacinação em massa num curto período de tempo. Foi um sucesso.
Segundo historiadores, depois dessa campanha o PNI foi praticamente abandonado pelo ministro Almeida Machado, não realizando mais campanhas nacionais, ficando a vacinação limitada a ações isoladas na rotina dos postos de saúde.
Nos governos seguintes, o ministério da Saúde incrementou o PNI, que se aperfeiçoou e tornou-se modelo para o mundo, especialmente na área de imunização em massa. E atingiu o seu ápice na administração José Sarney com o ministro Seigo Tsusuki, que realizou a primeira Campanha Nacional de Imunização contra a hepatite B. Logo depois enfrentou um surto de meningite meningocócica B.
***
Foi com esse elevado conceito, nacional e internacional, que o presidente eleito Jair Messias (?) Bolsonaro encontrou o Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde. O programa era capaz de realizar campanhas de vacinação quase que relâmpagos, atingindo facilmente níveis de imunização superiores aos 90% em muito pouco tempo.
Para titular da pasta, Bolsonaro nomeou o deputado federal Henrique Mandetta. Ortopedista pediátrico de formação, o ministro Mandetta soube montar uma equipe respeitável, especialmente na área da epidemiologia. Passou o ano de 2019 administrando discretamente, como parece ser o seu estilo, respeitando as características de cada um dos seus auxiliares. Organizou todos os programas de sua pasta, inclusive o PNI.
Demonstrando capacidade de trabalhar em equipe, ao assumir em janeiro o ministro Mandetta jamais imaginaria como essa equipe seria útil para o país, um ano depois.
Em dezembro de 2019, surgiram na cidade de Wuhan, na China, os primeiros casos de uma síndrome respiratória aguda gravíssima, extremamente contagiosa e letal, causada pelo coronavírus, e que foi batizada de covid 19.
Logo, logo Wuhan se tornaria o epicentro dessa doença viral grave como a humanidade moderna nunca tinha vivenciado, desde a epidemia mundial de gripe espanhola, na década de 1920 do século passado.
Depois de se espalhar pela Europa, foi no mês de fevereiro de 2020, durante o carnaval, que surgiram os primeiros casos de covid 19 no Brasil. A 11 de março foi decretada a pandemia global pela Organização Mundial de Saúde. No dia seguinte surgiu o primeiro óbito no nosso país.A partir daí, o Brasil passou a assistir a evolução da doença, dia-a-dia, exposta pelo próprio ministro Mandetta com a sua equipe.
Embora o povo brasileiro a princípio tenha ficado aflito, passou a sentir-se mais tranquilo pela segurança que essa equipe passava para nós, em seus informes diários, sob a liderança do ministro Mandetta. Mas, até parece que o capeta, insatisfeito por que a situação parecia sob controle, estava rondando o nosso país, buscando uma maneira de fazer piorar as coisas. E encontrou um ponto fraco na nossa defesa: logo na pessoa do presidente Bolsonaro!
Até então, o presidente só olhava de longe sem atrapalhar, embora negasse a gravidade evidente da epidemia. Porém, mal aconselhado pelos seus filhos e outras figuras de pensamento deformado que cultiva em torno de si, o presidente engravidou pelos ouvidos. Eles botaram na cabeça presidencial que o ministro da Saúde estava “aparecendo demais”.
E na qualidade de pessoa medíocre que é o nosso presidente, qualquer um que apresente nível um pouco elevado de inteligência, por menor que seja, causa-lhe inveja. E instigado por sua turma, forçou a demissão do ministro Mandetta, por puro despeito.
Para infelicidade geral da nação, junto com o ex-ministro saíram todos aqueles especialistas competentes que compunham a sua equipe: epidemiologistas, infectologistas, sanitaristas. A essa altura, as mortes começaram a se multiplicar.
O que a nação estarrecida assistiu foi uma sequência de filmes de horror. Primeiro, com a nomeação de um ministro que demonstrou apatia para com a importância do cargo. Como ele se recusou a adotar os protocolos pouco científicos que o presidente queria impor, também foi demitido. E as mortes aumentando…
Para o seu lugar, o presidente encontrou o ministro ideal, segundo o seu padrão: um general da ativa, apresentado como médico veterinário e militar especializado em logística. E que não administra de fato a pasta, fazendo apenas tudo o que o presidente manda.
A princípio o fato de ele ser da área de saúde, mais ainda com especialização em logística, gerou uma esperança de que pudesse ser um bom ministro, que pudesse administrar melhor a grave crise sanitária que estava se agravando. As mortes se multiplicando…
Surgiu o advento da possibilidade muito breve de vacinação, o que significava esperança de dias melhores, econômicos e sociais. De normalidade plena.
Ainda em meados do segundo semestre de 2020 veio a boa notícia: a vacina começava a se tornar uma realidade possível já para os próximos meses. E de vacinação entendíamos nós, que tínhamos um dos melhores sistemas de imunização do planeta. Éramos capazes de vacinar a nossa população em muito pouco tempo. Para isso era preciso apenas que tivéssemos doses suficientes de vacinas. Mas esse sonho logo se desvaneceu.
Com a perspectiva da iminente concretização da vacina, todos os países começaram a se mobilizar, fazer planejamento para ter vacinas suficientes para imunizar as suas respectivas populações contra a doença terrível, trazendo o planeta de volta à normalidade. Menos o Brasil.
Para azar nosso, parece até que o cão é quem estava (está?) no comando. Pois o nosso Grande Líder Bolsonaro não acredita em vacinas! Aliás: ele não acredita em ciência. Pelo menos é o que podemos depreender do seu comportamento explicitamente negacionista, sempre dando mau exemplo de desrespeito às medidas sanitárias preconizadas pela entidades mundiais de saúde. O general-ministro, claro, passou a também não acreditar na ciência. E as mortes aumentando…
Assim, apesar de termos um especialista da logística à frente do ministério mais importante para o Brasil no grave momento que estamos vivendo, esse estrategista NÃO PROVIDENCIOU vacinas para imunizar o nosso povo. Negava, com essa omissão, a possibilidade de um retorno mais rápido à normalidade da nação. Que conta cada vez mais mortos.
E quando as vacinas chegaram, encontraram um ministério da Saúde com o seu PNI sucateado, desmantelado, tendo perdido a capacidade de promover vacinações em massa, como era até um passado recente.
A principal consequência é o atraso criminoso da vacinação da população, esperança de dias melhores, de diminuição da mortalidade, de redução do número de casos com a consequente melhora na capacidade de absorção pelo sistema de saúde, oferecendo melhores chances de sobrevivência para aqueles que forem acometidos.
Mas isso está longe de acontecer, pois Jair Bolsonaro, O Mito, havia destruído o nosso patrimônio sanitário maior: o Programa Nacional de Imunização. Justamente no momento em que o número de mortos acelera na direção de um recorde sinistro: 300 mil mortos!
Triste realidade.