Comecei a me familiarizar com o jogo do bicho ainda nos meus bons tempos de menino. É que o meu pai, por algum tempo, colocou uma banca de bicho em nossa casa, onde também ele tinha uma bodega.
O resultado do jogo vinha de Recife, captada através da Rádio Clube, todos os dias da semana, pontualmente às 16h. Ainda me lembro que o resultado do jogo, à época, não vinha de forma direta, porque através de um código, formado por um conjunto de dez letras do nosso alfabeto, cada letra correspondendo a um número de zero a nove. Assim, se o código era PERNAMBUCO, a letra A correspondia ao número 5. E por aí vai.
O fato é que todos os que apostavam no jogo do bicho eram todos ouvidos, às 16h, ao pé do RCA VÍCTOR do meu pai, à espera de acertar no tão sonhado bicho. Literalmente, porque muitas pessoas jogavam em determinados bichos em função mesmo de terem sonhado com eles. Às vezes dava certo, às vezes não. Mas havia muita gente que não sabia interpretar os seus sonhos. Foi o caso de um vizinho de meu pai, um contumaz jogador, que falou para o meu genitor que sonhara com um gato caindo de cima de um telhado. Nesse dia não teve dúvidas: jogou tudo o que tinha nesse animal. Quando veio o resultado, com ele veio a decepção: dera burro no jogo! Aí o meu pai interveio: – Meu amigo, um gato que cai de cima de um telhado só pode ser muito burro! Era para você ter jogado no burro!…
Há várias modalidades de se jogar no bicho. O mais tradicional é jogar nos bichos em si, começando com avestruz e terminando com vaca, num total de 25 bichos. Depois pode-se jogar na dezena, centena e milhar. Este é o que paga melhor, dada a probabilidade ser menor de acertar, haja vista que há dez mil milhares no jogo do bicho.
A minha mãe era uma apostadora diária do jogo do bicho. Só que ela gostava muito de jogar no grupo, isto é, no bicho em si. E tinha predileção por determinados bichos. Até onde eu me lembro, ela fazia muita fé no cavalo, na cobra, no jacaré e na vaca. Se desse um desses bichos, com certeza ela era uma das ganhadoras.
Na banca de meu pai havia vários bicheiros, que saíam à procura de apostadores ao longo das propriedades da redondeza. Em casa, meu pai se encarregava de “vender” os bichos. Quando faltava uma hora para o bicho “correr”, isto é, para o resultado ser divulgado, havia o ritual da apuração das cadernetas. Ao fim dessa apuração, saber-se-ia o quanto a banca havia arrecadado em dinheiro, que seria para pagar aos possíveis ganhadores, e o que sobrasse, evidentemente, seria o lucro diário da banca.
Reiterando, devo dizer que no jogo do bicho o milhar é o prêmio mais valioso, porque o mais difícil de ganhar. A propósito, eu nunca acertei no milhar. E não foi por não jogar. Ao longo de minha vida – já estou na terceira idade -, já fiz milhares de tentativas. Em vão. E palpites não me faltaram: placas de carro, número de casas, ano de nascimento de filhos… tudo, e nada! Dir-se-ia que o melhor mesmo é sonhar com o milhar. Mas o grande problema, para mim, é que quando tenho a oportunidade de sonhar, no outro dia não consigo me lembrar do número! A meu ver, a forma mais infalível de acertar no milhar é um bom palpite, ou, talvez, um insight. Foi o que aconteceu ao meu mano Moacir Machado. O fato aconteceu quando ele ainda era estudante e morava numa pensão. Pois bem, certa feita ele presenciara um menino puxando uma caixa de papelão, e nela havia um milhar escrito. Incontinenti, o mano procurou a banca mais próxima para jogar esse milhar. Não deu outra! Acertara em cheio no milhar. Com o prêmio, ele pagou a mensalidade da pensão, comprou roupa, calçado, e ainda lhe restou dinheiro para tomar umas cervejinhas…
Por fim, como última tentativa de acertar no milhar, fui aconselhado a escolher um determinado número e ficar jogando ele todos os dias, porquanto um dia ele iria sair. Aí escolhi a placa de um dos veículos da repartição onde trabalho. Passou uma semana, um mês, e nada. No dia em que me esqueci de jogar… o milhar saiu!
Pelo posto e exposto, cheguei à conclusão de que não nasci para ganhar no milhar…
Fazer o quê?!