O TEMPO E OS COSTUMES, por Frutuoso Chaves

Imagem copiada da CNN

Este sujeito que vos fala, este que começou a teclar notícias na máquina datilográfica, como tantos de seus semelhantes, não para de se espantar com a invasão da privacidade proporcionada pela internet.

Logo me vem à mente o Big Brother. Não a franquia de mídia criada há 20 anos, em escala mundial, pelo executivo de uma tevê holandesa, esta abjeção que a Globo põe no ar. Mas, sim, o Big Brother original, “O olho que tudo vê”, como descrito no livro “1984”, de George Orwell.

Pois bem, eu me descobri diabético, tempo atrás. Fui ao médico, que me prescreveu remédios e à nutricionista que me impôs uma dieta severa. Sabem de quem recebi, depois disso, pedido de adição à relação de amigos que mantenho na minha página pessoal, a que abri no Facebook? Lá vai: de um troço chamado “Diabetes Mellitus”.

É claro que recusei o pedido. Já me basta a invasão orgânica da doença em si. Entrou-me sem que eu assim pedisse. E, como se isso já não bastasse, essa coisa também me invade o espaço eletrônico no qual apenas deveriam caber os temas requeridos e amigos antigos, ou de ocasião.

Como explicar isso? Penso e logo percebo que eu – a exemplo de todos vocês – sou um número de computador. Tenho a vida e a sorte registradas no CPF. Uma simples consulta ao cadastro de contribuintes e o Sistema (assim entendidos os Poderes Públicos, a rede bancária e financeira, as lojas, supermercados, restaurantes, bares e hotéis) logo sabe quem você é, onde mora, onde trabalha, qual o número do telefone.

A “Diabetes Mellitus” – certamente, um grupo clínico, ou farmacêutico, que deletei sem abrir – entrou sem bater, invadiu-me o espaço. Não sei o que me oferecia, embora disso desconfie. Mas sei como me encontrou no santo recesso do lar.

Uso, como você, dinheiro de plástico. Deixo rastros eletrônicos a cada vez que pago minhas despesas com cartão de débito. Isso voltou a acontecer quando desembolsei uma boa grana com o endocrinologista, com a nutricionista e com a farmácia. Pronto: tornei-me, apesar da idade avançada, um diabético novo na Praça, fresquinho (no bom sentido), apreensivo e abordável. Achar-me foi bem fácil. Bastou aos urubus de plantão seguir meus passos de clínica em clínica e de farmácia em farmácia. “O tempora, o mores”, diria Cícero.

VOU FAZER SIM, por Frutuoso Chaves

Raspadinha (Imagem YouTube)

Vi na internet e juro como vou fazer. É assim: ponha gelo no liquidificador e o triture o quanto possa. Despeje-o num copo e jogue por cima a essência preferida. Li que isso fica bom com um desses envelopes de refresco em pó. É preciso que o xarope seja muito forte e doce, pois vai encharcar o gelo e ser por ele diluído.

Repito: vou fazer, sim. Até porque, de uns tempos para cá, tenho perseguido as cores, cheiros e sabores da minha infância, coisas de cuja falta me ressinto, mais e mais, a cada amanhecer. Será sempre assim com quem envelhece? O avanço dos anos nos idiotizam a ponto de buscar sopros do passado, como quem busca o rejuvenescimento?

Sei lá. Mas sei que posso muito bem experimentar futilidades como a raspadinha. Basta mandar ao diabo que os leve os riscos das doenças típicas da idade, a diabetes entre elas. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Não é, Fernando Pessoa?

Ah, a raspadinha… Ninguém, para mim, a fez tão bem quanto o Compadre Ramos. Não que eu, um menino de nove ou dez anos, tivesse idade suficiente para o compadrio naquele Pilar da segunda metade de 1950. O tratamento por mim dispensado àquele senhor de voz e gestos calmos advinha dos tratos de meus pais que lhe apadrinharam a filha caçula. Eu e meus irmãos incorporávamos os “compadres” e as “comadres” na relação com os adultos por supor que isso fizesse parte dos nomes com que teriam ido à pia batismal, porquanto eram assim referidos por Seu Juca e Dona Vininha.

O carrinho com barras de gelo, raspador de metal e garrafas de conteúdo amarelo, roxo ou vermelho vivo instalava-se bem em frente à nossa Padaria. Moeda disposta por minha mãe ao que bem desejasse, lá ia eu para os sabores de framboesa, cereja, morango e frutas outras originárias de terras distantes, porém armazenadas, ali, em pequenos frascos, na minha calçada, ao bel prazer de gente grande e pequena. “Isso é tinta. Faz mal”, reclamava Dona Vininha, mal percebendo a inutilidade do conselho.

Ninguém, evidentemente, me tiraria da cabeça a confiança cega em que estava mesmo a provar delícias comuns à vida de famílias da Europa ou Estados Unidos, conforme eu podia depreender dos personagens que me traziam a leitura de alguns gibis e os filmes do cineminha de Seu Zé Ribeiro. O fato é que eu sorvia aquilo com o prazer de quem desfruta das grandes e raras oportunidades.

Vou fazer, sim. Quem sabe, mesmo por um breve momento, venha a ter o espírito em festa.

ANTES ELE DO QUE EU, por Babyne Gouvêa

Imagem meramente ilustrativa (Álbum Flora)

O dia começava cedo para D. Matilde. Tomava o seu café reforçado, e acendia o cigarro, que não dispensava sob nenhuma condição. Depois do banho matinal se apoderava do telefone fixo, puxava o seu longo fio e o apoiava no colo após se acomodar numa confortável cadeira de balanço, na sala de visitas. Iniciavam ali as conversas diárias com familiares e amigos.

Geralmente, se queixava do marido alcoólico que, embora sofresse desse vício, sabia fazer filhos. E como sabia! Emprenhou a esposa por doze vezes. Eram tantos meninos que concordavam em doar alguns para os seus irmãos criarem.

Levavam a vida em comum sem aborrecimentos, ele trazendo o dinheiro para a manutenção da casa, e ela tendo a sua individualidade respeitada pelo consorte. Havia fidelidade de ambas as partes e um
comportamento familiar de particularidade singular.

Os interesses e ocupações dos dois eram semelhantes em alguns aspectos, diferentes em outros: enquanto o Sr. Albino trabalhava, gostava de leitura e costumava beber fora do lar, a D. Matilde era doméstica e chegada a uma bebida em qualquer circunstância. Não apreciava um livro, achava enfadonho.

O cotidiano do casal fugia ao convencional de sua geração. As crianças eram dotadas de inteligência acima da média e se desenvolveram sem receber muita atenção dos pais nas tarefas escolares. Tiveram sorte na educação formal dos filhos, cada qual assumia as suas responsabilidades colegiais. O casal era apontado como pais afortunados, por terem uma prole próspera.

D. Matilde tinha um perfil de mulher bem-disposta, gostava de festas, fascinada por danças, enquanto o Sr. Albino era reservado, preferindo o lazer em casa, aproveitava qualquer momento de sossego para ler. E assim a convivência respeitosa entre os dois se deu durante toda a vida matrimonial.

D. Matilde comemorava o período de Momo nos salões de dança devidamente paramentada. As fantasias homenageavam os seus personagens preferidos, da baiana de Carmem Miranda ao Pirata do Rum Montilla. E os embalos eram sempre acompanhados de uma bebida destilada, confetes e serpentinas. A orquestra tocava o frevo iniciando a festa, e a carnavalesca abraçava um dos familiares para lhe fazer companhia na folia.

No carnaval, se a senhora estava com filho em idade de berço, encontrava uma maneira de entretê-lo caso acordasse no meio da noite – colocava um espelho onde ele se via acreditando ser uma outra criança. Pronto, esse não seria obstáculo para as suas brincadeiras momescas.

Terminada a noite de divertimento, retornava para casa, muito feliz, esquecia o cansaço e com muita disposição preparava o café de Sr. Albino e dos filhos. Esse compromisso era repetido anualmente; nem mesmo um feto sem vida no útero interrompeu os seus dias de festa. Dizia: “Na quarta- feira de cinzas eu resolvo isso”.

Todos gostavam de D. Matilde. Obcecada pela vida, não conhecia momentos de tristeza. Onde chegava a alegria se fazia presente; conseguia proezas como fazer rir até mesmo em velórios. O marido não compactuava desse feitio da esposa, mas admirava o seu comportamento expansivo. O casal era a prova viva do velho jargão “os opostos se atraem”.

Em casamentos, aniversários ou qualquer outro evento social para o qual fosse convidada, era sempre a primeira a chegar. Fazia questão de desfrutar de todo o tempo que tinha direito, de preferência com um copo de bebida na mão. Não cometia vexame por ter exagerado no álcool, este apenas a deixava mais enérgica se tornando o centro da alegria. O cigarro era sempre o companheiro inseparável em todas as ocasiões sociais.

Quando uma irmã estava muito doente, ela foi lhe fazer uma visita com uma recomendação: “Nilzinha, não forneça o meu endereço Àquele lá de cima; se perguntar por mim finja que brigou comigo e que desconhece o meu paradeiro”. E assim encarava a sua filosofia de vida: primeiro ela, segunda ela, terceiro ela. O restante vinha depois. Mas nem por isso teve a sua reputação depreciada. Tinha horror à ideia da finitude, respondendo sempre a quem lhe falava sobre essa hipótese certeira: “Partirei contrariadíssima”.

Chegou uma época que precisou de cuidadora por ter fraturado o fêmur. Deu um trabalho enorme aos filhos, que se preocupavam muito com a sua indisciplina. Subornou a sua auxiliar para conseguir um cigarrinho, pedindo: “Só unzinho”! Nessa altura o Sr. Albino já tinha subido aos céus em decorrência de uma cirrose. Sentia a sua ausência porque tinha nele um aliado, um admirador de seu modus vivendi; existia realmente uma afinidade difícil de ser entendida.

Lutou para estender a sua existência. Esteve hospitalizada contra a sua vontade, em briga com um diabetes que lhe impunha limitações. Conseguiu amenizar as suas abstenções subornando dessa vez um enfermeiro. À noite, ele fazia companhia à D. Matilde, apreciando o seu prazer em dar umas tragadas no seu cigarro, como estivesse a saboreá-lo. As conversas entre os dois se alongavam até a madrugada, e ele ciente da brevidade de sua subsistência lhe proporcionou os últimos desejos.

Antes do seu último sono, respondeu ao enfermeiro que lhe questionou sobre vários assuntos, inclusive sobre o seu marido. Ela tergiversou fugindo de assuntos envolvendo pessoas falecidas. Ele insistiu procurando distraí-la, tentando demovê-la da vontade de continuar fumando – essa era a sua intenção. D. Matilde num gesto repentino, retrucou: “Se é o que você quer saber, lamento ele ter batido as botas, mas antes ele do que eu”.

Amanhã tem feira sobre diabetes em João Pessoa

Visitantes poderão fazer teste de glicemia na Feira (Foto: acessa.com)

Visitantes poderão fazer teste de glicemia na Feira (Foto: acessa.com)

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), com o apoio da WDF (World Diabetes Foundation) e parceria da ADJ (Associação de Diabetes Brasil), realiza amanhã (20) em João Pessoa, a partir das 9h, uma feira de saúde que faz parte do Projeto Educando Educadores Sem Fronteiras. O evento tem na educação em diabetes a principal forma de conseguir a adesão ao tratamento e melhoria da qualidade de vida de seus portadores.

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João Pessoa recebe projeto inédito de diabetes

(foto: recadosonline.com)

(ilustração: recadosonline.com)

Com foco em educação para profissionais da rede básica de saúde e evento paralelo de diabetes para a população em geral, objetivo é conscientizar todos sobre um problema que atinge mais de 14 milhões de brasileiros atualmente.

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