CONSULTAS E CONFISSÕES, por Babyne Gouvêa

Imagem meramente ilustrativa copiada do site da Faculdade Ide

Costuma ser entediante aguardar a vez em consultório médico, mesmo lendo um livro ou navegando pelo celular, como muitos fazem. Dependendo da especialidade, algumas pessoas cochilam na sala de espera, outras comentam BBB, o preço da gasolina ou a chuva que alagou a rua pobre. Um número bem  reduzido se mantém em silêncio, apenas observando o que os outros fazem para matar o tempo.

Helena resolveu fazer diferente, certa vez. Fechou o livro e fez uma enquete com os demais presentes, com a seguinte pergunta: “Quem está ansioso à espera do médico?” Claro que para motivá-los relevou o seu caso, exagerou ao máximo e gesticulou como se estivesse num palco; de repente, a terapia em grupo estava formada. Sobreveio um rosário de desabafos descontraídos ou carregados de dor. 

Um paciente com problemas de sono relatou que a “insônia às vezes assusta, mas pode ser também uma experiência interessante porque serve pra gente atualizar pendências, botar erros e acertos na balança, refletir sobre a vida, enfim”. Após o depoimento daquele rapaz de meia idade, entre olhos marejados ou risadas contidas outros ajudaram a espantar o tédio.

Frustrante é quando o relator ou relatora da hora ouve seu nome dito alto e bom som por alguém do balcão de atendimento da clínica. Mas, no caso, Helena não deixou que a história interrompida interrompesse a prática que iniciara como passatempo. Convidou a senhora da poltrona da frente a compartilhar os motivos de ali se encontrar. Motivos relevantes. Queda, fratura, cirurgia, dores, analgésicos fortes e fisioterapia por meses. “Aconteceu comigo o que mais temia – perdi a liberdade de locomoção. Assistência tenho até demais, graças!”, revelou.

Helena retomou a palavra para introduzir na conversa suas lembranças de criança, contando que quando menina pequena bastava ter um resfriado para ser imediatamente alvo de atenções, mimos e ver atendidos pedidos que normalmente seriam rejeitados no ato ou simplesmente esquecidos. Na sequência, emendou comentários sobre a sua aflição por não ter tempo para ler tudo o que gostaria, pois leitura era a sua grande paixão, “ao ponto de me sentir levitando enquanto devoro um bom livro”.

Nesse momento, a motivadora percebeu que as pessoas pareciam ter ficado subitamente desinteressadas ou encabuladas em continuar naquele exercício de ouvir e falar sobre problemas pessoais, por vezes bastante íntimos, como o que a própria Helena acabara de expor. Ainda bem que a percepção ocorreu no exato momento em que a secretária do médico chamou, abreviando-lhe o constrangimento.

“Dona Helena, Consultório 4”. Pronto. “Dá licença, pessoal. Chegou a minha vez”.

MAMAS OU TUBERCULOSE? por Eurípedes Mendonça

Cinco sinais que podem detectar o câncer de mama masculino

Foto meramente ilustrativa copiada de Folha Vitória

Caro leitor, apesar do título, não será discutida a tuberculose mamária e sim uma consulta médica na qual uma importante característica sexual secundária e uma doença pulmonar estão imbricadas. É um caso verídico, com salpicos de comicidade e potencialmente trágico. Ou nem cômico nem trágico? Leia e ao final decida. 

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O então consultório do autor era na rua Manoel Deodato, bairro da Torre, em João Pessoa. Além da atendente, nele “trabalhava” a Relações Públicas Adélia Mendonça de Souza, minha saudosa mãe. Ela fazia o meio de campo enaltecendo as qualidades e ocultando os defeitos. Vocês sabem, mãe é mãe!

Um dia qualquer, anterior ao ano de 2013, adentra ao consultório um paciente, beirando os 60 anos de idade. Trazia um resultado de exame de tórax – não lembro se a solicitação fora do autor, mas a ação de levar os exames para o médico, mesmo não especialista, é recomendável. Até por que os exames básicos estão ao alcance interpretativo de todo médico.

Como todos sabem, um exame de tórax engloba uma película – também chamada de filme ou chapa – e o laudo. Fiel à lição “primeiro a chapa, depois o laudo”, coloquei a película no negatoscópio (equipamento obrigatório – nos consultórios – que ilumina a chapa, facilitando sua adequada observação).

“Como quem não tem cão, caça com gato”, na sua ausência a chapa é analisada contra a luz. Convém torcer para que os fiscais do Conselho Regional de Medicina não apareçam. Poderia ter advertência e, na recorrência, até uma interdição.

Com a película devidamente posicionada, conforme ensinava dr. Beltrão Paiva Castelo Branco, professor de Pneumologia, foram identificadas duas imagens “suspeitas”: uma típica caverna tuberculosa. Mas, além das cavernas, havia duas gigantes imagens brancas e circulares, simetricamente dispostas, do tamanho de um melão! Mamas? Sim. Imponentes mamas naturais.

Alguns minutos se passaram, intercalando-se a observação da chapa e a inspeção do tórax do paciente. Ressabiado, ele perguntou: “O que deu, Doutor?” Foi respondido que ficasse calmo, que seria lido o laudo. O diagnóstico batia com o do autor, mas havia divergência quanto aos círculos brancos. Afinal, o radiologista não valorizou as montanhosas mamas num paciente masculino, tampouco registrara uma possível ginecomastia, que vem a ser o crescimento anormal de mamas em um homem.

Por sua vez, muito apreensivo, o paciente cobrou de novo: “E aí, Doutor?”. O tórax do paciente não apresentava aquelas elevações compatíveis com mamas gigantes; pelo contrário, parecia uma “tábua”. E a qualidade da chapa era impecável, inquestionável. Ficou constatada a falha, houve troca nas radiografias. O que ele me trouxe pertencia a uma mulher.

Não dava mais para adiar o anúncio da conclusão do médico. “Tenho uma notícia boa e outra ruim. Quer ouvir qual primeiro?”, perguntei ao paciente. Não lembro qual foi a opção dele, mas emendei: “A notícia ruim é de que o portador dessa chapa de tórax tem uma avançada tuberculose pulmonar; a boa, que essa radiografia não é sua, é de uma mulher”.

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Caso o erro não fosse percebido, o paciente seria impactado psicologicamente, quem sabe poderia até perder o emprego, devido ao estigma da tuberculose pulmonar. Claro que antes do paciente, desnecessariamente, tomasse antibióticos por seis meses, o obrigatório e acessível exame de escarro daria um ponto final ao erro.

E quanto ao desfecho do caso? Houve retificação do laudo? Apresentadas denúncias? E a verdadeira dona da chapa radiológica? Foi identificada? Tratou? Ficou curada? São tantas interrogações, leitor amigo, que o desfecho vai ficar por conta da imaginação de cada um. Meus idosos neurônios teimam em não lembrar.

E que Deus nos proteja de um caso assim em nossas vidas.

  • Eurípedes Mendonça é Médico