Oito dias após retornar legitimamente ao cargo que exerceu de 1997 a 2005, o prefeito Cicero Lucena foi apresentado ao Programa João Pessoa Sustentável (PJPS), objeto de contrato celebrado em 2018 por seu antecessor, Luciano Cartaxo, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em reunião virtual na tarde de 8 de janeiro deste ano, a apresentação do programa ao alcaide coube a Clementine Triboullard, líder da equipe que representa a instituição financeira na parceria com o governo do município, que projeta investir R$ 1,1 bilhão para recuperar áreas degradadas e melhorar a infraestrutura da capital paraibana.
Minutos após aquele encontro, a Prefeitura anuncia em seu portal: ‘Cícero Lucena inicia retomada do programa João Pessoa Sustentável‘. É anúncio de quem optou por dar ideia não de continuidade, mas de quem recomeça do zero algo que estava parado, largado, sugerindo inércia ou incompetência do governo passado.
No embalo, a publicação oficial acrescenta informação relevante saída da boca do prefeito: “O projeto possui um prazo de cinco anos, mas dois já foram utilizados, tempo em que se aplicou apenas 1,5% do total do financiamento”, pontuou Cícero na ocasião. Percentual um pouco mais generoso do que aquele que me chegou esta semana.
Sob Cartaxo, a Prefeitura teria aplicado menos de 1% do total dos 100 milhões de dólares destinados pelo BID ao Programa (“até 31 de dezembro de 2020, foram utilizados U$ 930.674,45, o que corresponde a 0,93%”). Outros U$ 100 milhões cabem ao município, a título de contrapartida. Assim, o pouco gasto – e como foi gasto – teria dado causa, inclusive, a uma ameaça de cancelamento do contrato pelo BID.
“O que houve foi uma séria ameaça, sim, por causa do não cumprimento de prazos contratuais. Quase nada avançou em dois anos. Os valores todos estão no Sagres. E não foi só por causa da pandemia. Houve eleição, ainda por cima. Além disso, o contrato foi firmado em 2018 e, como não foi incluído na LOA (Lei Orçamentária Anual), perdeu-se um ano com isso. Em 2019, o dinheiro ficou retido e isso tem um custo, paga-se aluguel sobre os valores do financiamento”, dissertou-me pessoa vinculada ao PJPS sob nova direção.
Na última terça-feira (30), no contraponto a essas informações, a mesma Clementine Triboullard, a chefe da equipe do BID para o PJPS que apresentou o programa a Cícero Lucena, garantiu ao blog que não houve ameaça de distrato, que o cronograma de atividades foi afetado pela pandemia como tudo o mais em todo o mundo e a transição de um governo para o outro deu-se de forma tranquila e fluida.
Da equipe que comandou o programa de janeiro de 2019 a 2020, colhi que os dois primeiros anos de trabalho foram – como normalmente seriam – dedicados ao planejamento, preparação de projetos e lançamento dos editais de licitação regida por legislação internacional que adota prazos de seis meses a um ano (praticamente o dobro do estipulado na lei brasileira) para seleção de empresas contratáveis para executar ações e obras.
Mas… Não tem jeito. Como gostam de dizer alguns influenciadores celebrizados em redes sociais, temos aí um ‘choque de narrativas’. Relatos naturalmente contaminados pelo vírus da política em sua acepção mais rasteira ou por uma estratégia de comunicação via fazimento de imagem que se destina a levantar a bola de um e baixar a do outro. Por ‘outro’ entenda-se o adversário mais recente, publicamente submetido a comparações desvantajosas com o sucessor.
Nesse jogo de mediocridade recorrente e provinciana no campo do poder público, há sempre jogadores que apenas reeditam a ironia do filósofo Tarcísio Burity. “Tomé de Souza foi o único governante no Brasil que não falou mal do antecessor”, dizia o saudoso jurista e professor paraibano. Que governou a Paraíba por dois mandatos distintos e, tal e qual tantos outros, não costumava poupar seus predecessores de avaliações nada edificantes.
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Amanhã, no último ‘capítulo da série’: o que realmente importa nessa história