LER SÓ FAZ BEM, por Babyne Gouvêa

Não há terapia melhor para ressaca eleitoral do que a leitura de um bom livro. Pois bem, foi o que fiz e tenho feito. A leveza do escritor japonês Haruki Murakami, por exemplo, expulsa os nós da alma e enriquece as artérias do espírito com a singeleza de sua escrita.

Como aves que pairam no ar sem mover as asas, o leitor se concentra no texto com olhar vidrado nas letras. Nenhum movimento físico é sentido, apenas o intelecto trabalha e se deleita. Essa é a minha análise sobre o livro “Sul da Fronteira, Oeste do Sol”, do H. Murakami.

No período pré-eleitoral, a efervescência do momento me provocou ansiedade. Procurei na literatura desviar o incômodo do meu estado emocional. Li “Véspera”, terceiro livro da escritora mineira Carla Madeira.

O livro da autora do premiado “Tudo é Rio” me provocou efeitos colaterais benéficos. A leitura suscitou curiosidade em ler o restante da sua bibliografia, ora na minha lista de espera. A escrita da autora mineira estimula desejo de mais leituras e resulta num ciclo vicioso literário de puro prazer.

Após viagens enriquecedoras pelas literaturas japonesa e brasileira, aterrisso na chilena, ou melhor, na literatura de língua espanhola. Isabel Allende, determinada e com senso de humor, nos conduz no seu livro “Violeta” por uma vida turbulenta na forma de um romance épico, inspirador e profundamente emocionante.

Sigo adiante o caminho das letras – seguramente, melhor fármaco para o enfado pós-eleição. Sob os meus olhos, no momento, está o “Adeus, Gana” da escritora inglesa Taiye Selasi, de origem africana. Seu primeiro romance narra drama familiar marcado pela dor do abandono. Com maestria a escritora alterna tempos e lugares na construção de sua narrativa, num estilo de escrita que desperta as emoções do leitor.

Próximo da lista será um livro da literatura norte-americana: “A Fonte da Autoestima: ensaios, discursos e reflexões”, de Toni Morrison – uma das escritoras mais importantes do século XX. Meus olhos, em compasso de espera, já começam a especular a elegância literária e intelectual da grande escritora.

Costumo receber e transferir referências de livros num efetivo intercâmbio de ideias. Nesse clube informal há comentários sobre determinada obra, com fomento à leitura. Sempre com cuidado de não cometer spoiler. Afinal, o livro precisa ser sempre uma descoberta.

Culturalmente, podemos assegurar que a leitura rompe as fronteiras e adentra novos mundos. A aprendizagem por meio da leitura auxilia na troca de interações e culmina, naturalmente, na reflexão do nosso papel no contexto social. Ademais, equilibra o emocional pós-eleitoral. Esses são apenas alguns dos diversos benefícios dos livros.

QUILAPAYÚN

Não sei qual a praça certa, se da Constituição ou da Cidadania. Uma ao norte, outra ao sul de La Moneda, o palácio presidencial chileno, no centro de Santiago.

Não importa. Ambas estão certas, pelo que são, onde estão e representam para a grande maioria do povo daquele país, especialmente quando abrigam atos populares em favor da democracia.

Atos como o show de reencontro ou retorno do Quilapayún que assisti em abril de 2015, quando o mais famoso grupo musical do Chile reapresentou-se na frente do Palácio de La Moneda.

Reapresentação onde não poderia faltar, como não faltou, comovente homenagem a um Salvador Allende que se ‘rematerializou’ e discursou – a um público em delírio – num púlpito ao lado do palco.

Não sei até hoje se Allende estava ali representado por um ator ou se aquela presença era uma projeção holográfica de imagem, sons, gestos e palavras do presidente trucidado no 11 de setembro de 73.

Não importa. Sei que estava lá, arrepiado de emoção e feliz por estar ao lado de minha Branca, como chamo a Professora Madriana, minha amada mais amada, ‘pelo amor predestinada’ a ser minha eterna namorada.

Foi uma perfeição, encantamento que se quebrou por um momento nos acordes de uma música cuja execução passou a marcar o erguimento de um enorme boneco em forma do assassino de Allende.

O Pinocheco, se podemos chamar assim, inchou feito bola de sopro, suponho que com o auxílio luxuoso de uma bomba de gás hélio. Ficou de pé, por inteiro, à mostra, sob vaia intensa da multidão.

Mas, ato contínuo, a vaia foi diminuindo. Diminuindo enquanto Quilapayún aumentava o som e o tom de outra canção, mais vibrante e empolgante que a anterior, a do enchimento. Essa fez o boneco murchar.

Não tinha como o Pinocheco não murchar. O fascismo ou qualquer de seus símbolos treme de medo e perde o gás quando vê e ouve o povo unido cantando ‘El pueblo unido jamás será vencido’.

O povo, unido, jamais será vencido. O Chile voltou a provar e a ensinar essa verdade mais uma vez, ontem.