2020 REINICIALIZADO, por Rubens Nóbrega

Fotos: Covas abertas no cemitério da Vila Formosa - 02/04/2020 - UOL  Notícias

Imagem por mera ilustração (Foto: Nelson Almeida/AFP/UOL)

Minha cronista de cabeceira, Ana Lia Almeida pergunta no zap como 2021 me chegou. Digo que o novo ano me encontrou na paz, com esperança. Mas me deixou na dúvida.

Será que foi mesmo o tal do 2021 que passou aqui em casa e me pegou confinado, com medo de rua? Ou será que foi um 2020 fantasiado, todo trabalhado no branco da paz que sinto vez por outra, com detalhes dourados da esperança que me bate a cada virada de ano?

Um antigo compositor cearense me dizia que o novo sempre vem, mas só eu não vejo que é assim. Não vejo porque amo o passado. Amar o passado? Não, não. De forma alguma, Antônio. É esse 2020 que não quer largar o osso, ir embora, passar a bola, a faixa, o cargo.

Vejo em 2020 um Paraguaçu entrincheirado no seu gabinete de ódio e morte, dizendo que não sai nem a pau para deixar 2021 assumir. Diz que ganhou um novo mandato, convencido de que 12 meses foi pouco tempo para causar um sofrimento do tamanho planejado.

Ele acha que não aglomerou o suficiente, não contagiou o bastante, não causou tanta dor quanto gostaria. Afinal, se esse povo todo vai às praias, aos bares e bailes, sem máscara e distanciamento algum, é porque o mal não se fez por completo e pede mais.

Ah, e se depender de 2020, a vacina por aqui pula 2021 e só aparece em 2022. Que é pra colar na próxima campanha e dar ponto a quem planejou e fez tudo, mas tudo mesmo, pro ano velho ser reeleito. Reeleito e reinicializado. Desde zero hora do dia primeiro.

ESCAPAMOS, por Ana Lia Almeida

Tradição da virada do ano em Madri - badaladas

(Imagem: dicasbarcelona.com.br)

Finalmente escapamos do ano passado. Ele, estrada sinuosa de chão batido na descida de um precipício. Nós, treminhão cargueiro desses que se vê cheio de cana nos caminhos da Zona da Mata. Cai-não-cai,  atravessamos os buracos dos dias, morremos de medo nas curvas do tempo e enfim sobrevivemos ladeira abaixo nesses doze meses sombrios.

Uma breve retrospectiva começaria, como todo ano, no Carnaval, com a vaga notícia de um problema longínquo talvez se aproximando de nós. A Páscoa já nos alcançaria de portas fechadas, trancados em casa. Milhares de mães e filhos faltando no Dia das Mães. São João sem fogueira, sem gente dançando quadrilha, sem sanfona, sem forró.

Chegada a primavera, resolvemos todos sair junto com o sol em busca das flores e o tempo fechou novamente. Humanidade remota, aglomerada em torno da indiferença pela tragédia em curso. Perdas e mais perdas. Assim passamos pelo Natal e chegamos ao Ano-novo, ansiosos pelo fim desse caminho sinuoso que foi 2020.

O ano acabou, é verdade, e aos poucos se aproxima o ponto de onde, vacinados, cada um retomará o seu destino.  Mas ainda falta um bocadinho de chão para terminar a estrada da pandemia. Exaustos, parece que estamos como quem vem chegando de viagem e vai logo tirando o cinto de segurança antes mesmo de entrar na rua de casa. Atenção! Curvas ainda perigosas.