RUMO DO TEMPO, por Babyne Gouvêa

Imagem copiada de Aliança Traduções

“Oh que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais…”.

Minha mãe costumava recitar esta estrofe do poema ‘Meus Oito Anos’, do ilustre romancista brasileiro Casimiro de Abreu. Quando menina não entendia muito bem o quanto significava para ela os versos do notável poeta.

Anos se passaram, o poema se tornou de domínio público e o saudosismo transferido para mim, hoje na maturidade. Saudade um tanto diferente da materna. Saudade de uma época em que podíamos colocar cadeiras nas calçadas para conversas com a vizinhança, de poder andar pelas ruas sem medo de ser abordado, de um cumprimento atencioso, de relacionamentos respeitosos e tantos outros modi vivendi de outrora.

Alguém poderá contra-argumentar e citar as facilidades tecnológicas gerando formas de poder como um dos motivos para atenuar saudades. Da minha parte lanço a réplica e justifico as lamentações no aspecto moral. Não é nada agradável tomar conhecimento de fraudes na compra de alimentos para famílias carentes – este é apenas um entre tantos exemplos.

Percebia menos dissabores na época dos ‘ladrões de galinha’. Inexistia Internet, mas a decência fazia parte inconteste do caráter do cidadão. Houve mudanças nos preceitos da nossa sociedade – a esperteza em substituição à dignidade. Clara indicação de uma inversão de princípios, passados às novas gerações.

Situação de indecência social sem precedentes está se consolidando. Esse quadro assombra os honrados. Acompanhar atentamente os trâmites das mudanças de comportamento se faz necessário para o bem coletivo.

Violência no nosso cotidiano passou a ser banalizada e vista como algo natural. A população com indigência moral, num patamar doentio, me faz interrogar em que trecho do rumo do tempo desviamos a poesia.

Presumo, enfim, que o tempo pode ditar o seu próprio ritmo mas não deve traçar sozinho o seu rumo.

BRAVOS E IGNORADOS, por Francisco Barreto

Os tenentes de 1932 antes do embarque: Odon Bezerra (centro), Francisco Barreto Sobrinho (segundo à direita) e José da Silva Mariz (primeiro à esquerda), entre outros (Foto: Walfredo Rodrigues). Legenda do autor do artigo

A história da Paraíba, exceção a 1930, é um poço escuro que as gerações atuais e passadas se afundam e ignoram completamente a trajetória de nosso povo e de nossas lutas. A Paraíba pode não representar quase nada para este imenso país, mas temos aqui fincadas as nossas raízes e sem elas nunca existiríamos.

O encilhamento da cultura acadêmica não pode resumir o cultivo da historia à frieza dos enunciados livrescos. Um povo que não se debruça sobre a sua memória não é capaz de sentir na alma e no coração os feitos dos seus antepassados.

Apenas com mergulhos na profundidade de remotos tempos manteremos vivas as nossas consciências, longe da ignorância, refletindo sobre o presente e o futuro. Como um dia nos disse Jacques Bossuet: “A história é o grande espelho da vida; instrui com a experiência e corrige com o exemplo”.

Na essência, se não soubermos o que fomos, não desvendaremos o que seremos. Temos que recorrer sempre à história e não às estórias e às lendas, raramente vivenciadas. Dependendo de como a apreendemos são os relatos do passado, estes podem que nos engrandecer, oprimir ou deformar.

Não consigo deixar de mergulhar nos meus remotos baús, onde encontro felicidades e tristezas. As separo, para que os meus sonhos e lembranças me façam crer que vida não morre. Onde ignorância e inconsciência prevalecem, milhões de enxergam a vida apenas como catástrofe.

Remexendo os meus baús, deparei-me com os fatos históricos da Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo sozinho, insurrecto, quis dominar o Brasil. Ousadia extrema de um supremacismo ahistórico. O Brasil se ergueu e dominou a ferocidade de um pseudo domínio.

Em Maio de 32, foi proferido o grito insurrecional. Em 9 de Julho, os combates paulistas debutaram. Era a herança iracunda dos que faziam a politica do Café (SP) com Leite (MG). Sempre foi consagrado que apenas existia São Paulo e o resto. Nesta trajetória de dominação, a humilde e insignificante Paraíba foi à Guerra Paulista. Reuniu um punhado de bravos combatentes e escreveu uma história de luta.

O Interventor Gratuliano de Brito, decidido aliado de Getúlio Vargas, em 22 de Julho de 32 criou três batalhões formados por civis voluntários, comissionando todos com patentes de Oficiais Tenentes, Capitães ou Tenentes-Coronéis, exclusivamente para participarem dessas lutas. 

O 1º Batalhão Provisório foi comandado pelo Major João Costa. O seu subcomandante foi o Capitão Guilherme Falcone, comissionado no Posto de Major exclusivamente para esse fim. O comandante do 2º Batalhão Provisório foi o Tenente-Coronel Odon Bezerra. O 3º Batalhão Provisório foi comandado pelo civil Sindulfo Santiago, no Posto de Major. Foram recrutados e mobilizados 1.640 homens voluntários, além de membros efetivos da Polícia Militar paraibana.

O 2º Batalhão viajou no dia 7 de agosto e o 3° Batalhão embarcou em três etapas. O último embarque ocorreu no dia 14 de setembro, chegando ao Rio de Janeiro no dia 22 do mesmo mês. Os dois batalhões se uniram e formaram um regimento encaminhado para a Frente Sul, apresentando-se na cidade de Buri ao general Valdomiro Pinheiro. Foram para a linha de frentes dos combates.

Quando a tropa paraibana chegou ao Rio de Janeiro, a recebeu o José Américo de Almeida, então Ministro da Aviação e Obras Públicas do governo Vargas. No 2º Batalhão, comandado por Odon Bezerra, foram vários civis tenentes para o front, dentre eles Francisco Barreto Sobrinho, José da Silva Mariz, Botto de Meneses, João Lélis de Luna, Guilherme Falcone, Sebastião Maurício, Fenelon Primo, Vicente Firmino Guimarães, João Alves de Freitas, Vicente Chaves, João Farias, Gregório Leite, Moura Prunes e até um padre, José Trigueiro.

Os paraibanos lutaram nas frentes norte e sul. Outro ativo combatente foi o então Capitão – depois Coronel – José Maurício, comandante da nossa PM.

A tropa Paraibana enfrentou o inimigo juntamente com as demais unidades do regimento comandado pelo Coronel Dutra e na vanguarda em ações de apoio aos combates na cidade de Campinas até o dia 3 de outubro, quando foi encerrada a luta com a vitória forças leais a Getúlio.

No dia 7 de outubro, a tropa paraibana que lutou na Frente Norte seguiu para Jundiaí, de onde partiu para o Rio de Janeiro, onde se juntou ao contingente que combateu na Frente Sul para retornar ao Estado que representaram.

O tenente Francisco Barreto Sobrinho, meu pai, que havia combatido no 2º Batalhão sob o comando de Odon Bezerra, acabou sendo ferido com tiro de fuzil na perna direita nos cercos e combates entre as cidades de Itapetininga e Gramadinho.

No dia 22 de outubro daquele ano, segundo registros da época, em meio à grande manifes­tação pública, toda tropa desembarcou no Porto de Cabedelo, onde foi recebida por Gratuliano de Brito, autoridades e populares. Seguiram de trem e desfilaram nas ruas da Capital.

Em frente ao Palácio do Governo, os combatentes perfilaram-se e foram homenageados por arrebatados discursos. Após as homenagens, os batalhões provisórios foram extintos no dia 28 de outubro de 1932.

Esta é uma página em que se registra a História do valoroso combate dos paraibanos em defesa da unidade nacional, que não hesitaram em levantar a bandeira da Paraíba nos ferrenhos combates nas trincheiras e nas terras dos insurgentes paulistas.

Os paraibanos de várias gerações, em sua quase totalidade, desconhecem a sua história, ao que se credita à profunda ignorância e falta de educação de milhões de cidadãos em diferentes épocas. Daí a importância de sempre homenagearmos nossos heróis pela coragem e destemor com que defenderam as causas mais elevadas da nacionalidade.