O CAMINHO DO CAJUEIRO, por Sebastião Costa

Escola Agrotécnica do Cajueiro, Campus IV da Universidade Estadual da Paraíba, em Catolé do Rocha (Foto: UEPB)

Começava no roçado de Seu Elesbão, no fim da ladeirazinha da Cantina (depois UBAT).

Se a caminhada fosse depois de uma noite chuvosa, o cidadão tinha o privilégio de ir ‘molhando os pés no riacho’, feito a música de Luiz Gonzaga. É que lá nas entranhas do roçado havia uma fonte d’água que escorria levando água e areia pra boa parte do caminho.

Ainda no roçado, à direita, uma minúscula casa de taipa, enfeitada na frente por um resistente pé de umburana, frutinha sem sabor. Habitavam ali duas raparigas assumidas: Maria Preta e sua irmã Djalma. Djalma vem a ser aquela que lá pela lavanderia, em plena madrugada, atiçada  pelo alcoolismo jogou querosene no próprio corpo pra dar adeus àquela vida de ‘rapariguismo’, pouco compreendida pela sociedade da época.

Mais na frente à esquerda, a casa  bem acabada do finado Teodorico,  dono daquela  terras, onde meu pai plantou durante alguns invernos.

Foi pelo roçado de Teodorico que um grupo de amigos – Josafá, meu irmão, Anchieta, Geraldo Maciel e Barreto de Severino Barreto – teve a ousada ideia de escalar o Monte Tabor por um lado nunca antes explorado. Eu, bem mais jovem – tipo  12 anos, ainda não entendo porque – fui convidado a participar daquela ousadia. No início, algumas pedras a escalar e logo depois o imenso lajedo pra se chegar ao topo. Lembro que em determinado momento a minha estatura não permitia passar de uma pedra para chegar ao início do lajedo. Tive que ser ajudado.

Vale lembrar que na primeira tentativa fomos interceptados pelo proprietário, que sem qualquer compreensão, nem delicadeza, obrigou o grupo a retornar. Não valeu o ‘argumento’ de que íamos ajudar meu pai a plantar. Ele simplesmente não permitia crianças no seu sítio. Provavelmente não convivesse em harmonia com a vida. Tanto que ele próprio foi quem decidiu se transferir para o outro Plano.

Deu-se um tempo, um drible na vigilância e logo depois estavam aqueles meninos a praticar alpinismo pra atingir o pico do monte. Riscos imenso de despencar lá de cima.

O adulto sempre que retorna ao Monte (de carro) faz questão de visualizar aquele lajedo. Só em olhar pra baixo, bate um medo que me obriga a recuar.

Impossível não relembrar aquela procissão ao Monte iluminada pela luz de velas, inventada pelo espírito inovador de Frei Marcelino. Na memória da criança que visualizou da calçada de sua casa, ficou registrada um mundo de luz tremulante em fila indiana se movendo feito uma cobra fosforescente em busca da capelinha, onde repousam os restos mortais de padre Belizário;

Logo após a residência de Teodorico, ainda dentro do roçado, outra casinha de taipa. Essa de Rita engomadeira, baixinha, solitária, cabelo batendo na cintura, que a má língua de Corália insinuava que meu pai tinha alguma coisa por ali.

A seguir, uma ladeirazinha e lá embaixo um imenso pé de juá (outra frutinha sem sabor) de sombra tão generosa que qualquer sem-teto poderia muito bem fixar residência ali. Era a esquina do sítio de Dr, Benjamin, com muito gado e pouca gente. Tinha-se a sensação de que tudo aquilo era desabitado.

Uma pequena caminhada e se observava à direita a casa da família Paixão. Logo depois, subia-se uma ladeirazinha, passava-se por um engenho abandonado à esquerda (havia uma cruz fincada na beira da cerca combinando com a morte do engenho) e em seguida já se visualizava “OS PRÉDIOS’, que vem a ser a Escola Agrícola do Cajueiro.

Vale relembrar uma bodeguinha localizada logo após essa subida, cujo dono tinha suas pernas totalmente paralisadas e que mantinha uma vida normalizada com ajuda de dois tamboretes. Toda sua locomoção era realizada passando de um tamborete a outro. Quantas vezes admirei aquela pessoa cheia de vitalidade entrando na cidade sentando de tamborete em tamborete. Registre-se que um quilômetro era a distância que separava sua casa do início de minha rua. Tivesse naquela cidade paralimpíadas, certamente ele levaria a medalha de ouro nessa modalidade.

Todo caminho era na verdade um imenso corredor ladeado por cercas. A caminhada até a Escola do  Cajueiro era sempre animada pelo canto de pássaros. Vez por outra via-se um galo de campina com sua cabeça encarnada ou um rouxinol, passarinho minúsculo, mas cheio de fama. Era agradável ver aquela plumagem colorida do concriz ou o marrom intenso da casa de couro, de canto estridente. Viam-se também canários amarelos e cinzentos e muitas rolinhas cafute, algumas rolinhas brancas, de voo inconfundível.

E muitas saudades daquele caminho do Cajueiro.

  • Sebastião Costa é Médico Pneumologista, colunista da revista Brasil de Fato
É BOM ESCLARECER
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.